Política

cadastre-se e leia

Nova chance

A Amazônia tem potencial para retomar o ciclo da borracha, desta vez sem repetir os erros do passado

Nova chance
Nova chance
Proteção. Os seringueiros contribuem para a preservação da floresta, de onde tiram o sustento de suas famílias – Imagem: Eduardo Aigner/MDS
Apoie Siga-nos no

“Desde criança eu acompanhava meu pai na floresta para aprender o manejo da seringueira e os cuidados com essa árvore, nosso bem mais precioso, porque garante o nosso sustento”, conta Leomarques Silva Costa, jovem seringueiro de Rondônia, que hoje trabalha para compartilhar o conhecimento tradicional com as novas gerações. Presidente da Associação de Seringueiros Aguapé, ele lamenta a retração da atividade extrativista na Amazônia, apesar da imensa demanda mundial pela matéria-prima. Acredita, porém, que a região tem potencial para desenvolver um novo ciclo da borracha, sem repetir os erros do insustentável modelo de cem anos atrás.

No início do século XX, a atividade garantiu o rápido enriquecimento da Região Norte. A extração em larga escala, orientada para a exportação, foi responsável pela construção de Manaus, no Amazonas, e de Belém, no Pará. Mas a belle époque amazônica não durou muito. Ao mesmo tempo que os empresários da borracha enriqueciam e as capitais cresciam com construções luxuosas, o trabalho na floresta era marcado por jornadas exaustivas, condições degradantes e nenhum respeito pelos direitos humanos. O desafio para o século XXI é repetir o sucesso econômico do passado, mas assegurando uma distribuição mais justa da riqueza gerada.

Passaram-se cem anos, mas a rotina do seringueiro permanece praticamente a mesma, observa Costa. “Ele levanta cedo, prepara sua refeição e se embrenha na floresta com a sua faca de seringa e um facão para abrir os caminhos. Depois de dois ou três dias, volta para recolher o látex.” Esse trabalho artesanal, ensinado de geração a geração, agrega um valor socioambiental, pois os trabalhadores aprenderam a cuidar das árvores para garantir que elas permaneçam em pé, garantindo o seu próprio sustento. “Todo seringueiro sabe que precisa zelar pela floresta, denunciar o desmatamento ilegal, recolher todo o lixo que gera, ter uma boa relação com a cooperativa. Isso é fundamental para manter uma produção de qualidade.”

A despeito dos esforços dos seringueiros, a região não ficou imune aos predadores, que avançaram mata adentro para a exploração ilegal de madeira, da pesca e da caça. Além disso há os problemas “típicos de fronteira”, como o narcotráfico, explica o trabalhador, que vive no município de Costa Marques, próximo da baliza com a Bolívia. Essas atividades ilegais muitas vezes brilham aos olhos dos jovens, pois parecem ser uma forma mais fácil e rápida de levantar dinheiro. Por isso, a principal demanda hoje dos trabalhadores é conseguir negociar um preço justo do látex junto às grandes empresas, de forma a atrair as novas gerações para o trabalho formal.

Hoje, o Brasil não é capaz de atender nem sequer à demanda nacional

Para tratar deste e de outros desafios, foi promovido um encontro em Rondônia, em junho, com a presença dos trabalhadores locais, dos povos originários, de sindicatos e movimentos sociais, de empresas e organizações do terceiro setor, além de representantes dos governos federal e estadual. Luiz Brasi, coordenador da rede Origens Brasil, do Imaflora, uma das organizações envolvidas nesse arranjo multissetorial, explica que o encontro conseguiu identificar e acolher as principais demandas e, a partir disso, foi produzida uma carta de intenções, a ser destinada às autoridades para exigir as condições necessárias, a fim da retomada de um novo ciclo da borracha.

Hoje, o Brasil produz menos de 3% da demanda global, estimada em 14 milhões de toneladas por ano, segundo a Associação Nacional dos Países Produtores de Borracha. No topo da cadeia produtiva figuram Tailândia, Indonésia, Vietnã e outros países do Sudeste Asiático, que domesticaram a seringueira. Em 2021, o País produziu apenas 399,7 mil toneladas do insumo, segundo o IBGE. Há, portanto, imenso potencial de crescimento.

“Trabalhamos com o princípio do comércio justo e sabemos que o valor agregado da borracha nativa é um importante componente para a agenda climática que o Brasil busca apresentar ao mundo”, explica Brasi. Com base nisso, o Imaflora cobra políticas públicas capazes de impulsionar a produção amazônica. “Com a escalada vertiginosa das atividades ilegais na Amazônia durante os últimos anos, existem problemas agora que só podem ser resolvidos pelo governo federal. O Estado precisa retomar seu papel de comando e controle na região, para garantir a segurança dos trabalhadores.”

Segundo a Coordenadora-Geral de Acesso e Conservação dos Biomas, Sociobiodiversidade e Bens Comuns do Ministério do Desenvolvimento Agrário, Tarcila Martins Portugal, “todos esses desafios têm se revertido em uma diminuição crescente da atividade extrativista da borracha nos territórios”. Por outro lado, acrescenta, “aponta-se para uma perspectiva futura de muitas oportunidades, com demanda empresarial crescente pela borracha natural e aumento da demanda global por produtos sustentáveis”. Para desenvolver políticas públicas específicas para a cadeia da borracha da Região Norte, o ministério busca executar ações no âmbito do Projeto Bioeconomia e Cadeias de Valor, explica Portugal. “Essa iniciativa será desenvolvida na Cooperação Brasil-Alemanha para o Desenvolvimento Sustentável, por meio da parceria entre o MDA e a ONG Deutsche Gesellschaft für ­Internationale Zusammenarbeit, conhecida pela sigla GIZ, que visa expandir a comercialização de produtos de cooperativas e associações de comunidades locais em cadeias de valor prioritárias para o desenvolvimento da bioeconomia sustentável e inclusiva na Amazônia.” •

Publicado na edição n° 1267 de CartaCapital, em 12 de julho de 2023.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Nova chance’

ENTENDA MAIS SOBRE: , , ,

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo

Apoie o jornalismo que chama as coisas pelo nome

Depois de anos bicudos, voltamos a um Brasil minimamente normal. Este novo normal, contudo, segue repleto de incertezas. A ameaça bolsonarista persiste e os apetites do mercado e do Congresso continuam a pressionar o governo. Lá fora, o avanço global da extrema-direita e a brutalidade em Gaza e na Ucrânia arriscam implodir os frágeis alicerces da governança mundial.

CartaCapital não tem o apoio de bancos e fundações. Sobrevive, unicamente, da venda de anúncios e projetos e das contribuições de seus leitores. E seu apoio, leitor, é cada vez mais fundamental.

Não deixe a Carta parar. Se você valoriza o bom jornalismo, nos ajude a seguir lutando. Assine a edição semanal da revista ou contribua com o quanto puder.

Leia também

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo