Mundo
Avião usado em ‘voos da morte’ da ditadura retorna à Argentina
Na última década, o aparelho permaneceu nos Estados Unidos, em uma empresa que o utilizava em voos de paraquedismo


O avião Skyvan PA-51, usado em 1977 para lançar pessoas vivas ao mar nos “voos da morte”, foi recebido neste sábado 24, em Buenos Aires, por um grupo emocionado de parentes de vítimas da ditadura argentina.
“O avião é algo tenebroso para nós, mas, tendo sido identificado e encontrado, não podemos permitir que siga voando”, disse à agência AFP Mabel Careaga, uma das responsáveis pela repatriação da aeronave, que pertenceu à Prefeitura Naval, para ser exibido como testemunho da crueldade da ditadura (1976-1983).
Na última década, o avião permaneceu nos Estados Unidos, em uma empresa que o utilizava em voos de paraquedismo.
A aeronave aterrissou na noite da sexta-feira 23 em Tucumán e seguiu viagem até Buenos Aires, onde parentes de vítimas o receberam neste sábado, em meio a abraços e emoção. Um ato oficial está previsto para a próxima segunda.
Mabel Careaga é filha de Esther Ballestrino, lançada do avião militar ao mar com as também fundadoras da organização Mães da Praça de Maio Azucena Villaflor e María Ponce, as religiosas francesas Alice Domon e Léonie Duquet e outros sete ativistas em um voo realizado na noite de 14 de dezembro de 1977, segundo a reconstituição judicial.
“É horrível demais imaginar minha mãe ali”, assinalou Careaga. Ela, ao lado de Cecilia de Vicenti, de 62 anos e filha de Azucena, quer que o aparato fique em exposição no prédio da Escola de Mecânica da Marinha, antigo centro clandestino de detenção por onde passaram cerca de 5 mil presos e que hoje é o Museu de Memória Ex-ESMA, em Buenos Aires.
A iniciativa tem o apoio do governo, mas foi rejeitada por algumas organizações de direitos humanos, que preferem “não fazer show da morte”. “O avião faz parte da história, que é dolorosa, mas é preciso contá-la”, opinou De Vicenti.
Cerca de 30 mil pessoas desapareceram durante a ditadura argentina, de acordo com grupos de defesa dos direitos humanos. Os aviões Skyvan realizaram mais de 200 voos noturnos suspeitos entre 1976 e 1978, conforme os registros da Prefeitura Naval. Também houve voos das outras forças militares.
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