

Opinião
A medalha de Biribinha
Ao reconhecer e homenagear o craque, a Câmara de Feira de Santana reconhece também o valor do futebol como uma expressão da cultura popular


Coincidindo com a paralisação dos principais campeonatos de futebol, em pleno mês de festas juninas, vim para o Nordeste, passando por Feira de Santana, a querida “Princesa do Sertão” de tantos amigos, e chegando até o vibrante Ceará, onde também me sinto em casa.
Um dos motivos da minha ida para Feira de Santana foi a condecoração do craque Gilmar Luiz Santana, o popular Biribinha, com a Comenda Maria Quitéria, pela Câmara do município baiano.
Biribinha foi um dos garotos da época em que cheguei ao Vasco da Gama.
Ele fazia parte da turma que já batia à porta do time principal, pronta para assumir suas vagas entre os titulares.
Essa turma mantém, até hoje, uma estreita amizade, com a ausência forçada de alguns que já partiram, como Gaúcho (zagueiro), Pastoril (Mato Grosso), Neném, Marcelo (Niterói) e outros, além daquele que seria o futuro Dinamite e que logo começaria a ser aproveitado na ponta direita.
Em minha trajetória no futebol, por onde passei, sempre me integrei com a garotada que “subia”, louca pela bola. Lembro-me de, certa vez, encerrado o treino programado para os profissionais, ter ficado um tempão batendo bola com eles.
Foi assim também no Flamengo com Adílio, Uri Gueller, Andrade e o saudoso Geraldo, que entrou em meu lugar, além de tantos outros.
No Santos não foi diferente, com Adilson, Murias. Isso sem falar na companhia do mano Edu, também louco pela bola.
E foi assim que construí meu maior patrimônio: as amizades com quem convivo até hoje, sempre que posso.
Outro grande motivo que me conduziu a Feira de Santana foi a recepção dos torcedores da aguerrida Feira Fogo, os botafoguenses da Princesa.
Fazem parte desse meu tesouro, da mesma forma, os torcedores de todos os clubes por onde passei – e olha que fiz uma verdadeira via-sacra nessa jornada.
Mesmo não estando “preso” ao clube, jogando com o “passe livre”, sempre estabeleci elos muito fortes e fiz amigos.
Conto tudo isso para chegar onde quero: falar da importância que vejo no gesto da Câmara de Vereadores de outorgar uma medalha de tamanho valor ao menino que já se tornara cidadão feirense.
Ao se reconhecer o craque, reconhece-se também o valor do futebol como uma expressão da cultura popular.
Biribinha, “baianinho” pra nós, correu o mundo com a bola no pé.
Jogou, entre outros lugares, no México, no Chile e nos Estados Unidos – nesse país, jogou ao lado até do lendário zagueiro inglês Bobby Moore.
Por conta da trajetória destacada, ele foi “muso” dos Novos Baianos, turma com quem dividíamos algumas peladas nas folgas de segunda-feira – dia que, para jogadores, artistas, cozinheiros, etc., equivale aos domingos dos demais.
Pepeu Gomes, o incrível guitarrista, compôs, em homenagem a ele, a canção Biribinha nos States.
Biribinha, neste momento, é tema também de um livro que está sendo preparado pelo credenciado jornalista Valter Xeo, contando as peripécias do “baianinho” mundo afora.
Eu o definiria como o novo baiano do futebol. Jogador talentoso, foi o mais parecido com Maradona que já vi jogar.
Neste momento em que vivenciamos o combate a todas as formas de preconceito – a Seleção Brasileira jogou de preto no amistoso desta semana –, me parece ainda mais oportuna a valorização de figuras que, por sua cor, sua origem social ou qualquer outra razão, sofram qualquer tipo de discriminação.
A primeira pergunta que me fez um jornalista no evento realizado na Câmara Municipal foi: “Como começou sua história com o Biribinha?”
O que definiu nosso traço de união foi, simplesmente, a saga dos garotos que saem do seu rincão distante pra viver no mundo da bola.
A representatividade da sessão pública na Câmara foi significativa, tanto na composição do quadro de vereadores quanto na presença de cidadãos, muitos deles ex-jogadores, como eu.
Naquela sala, entre tantos companheiros de diferentes épocas, senti o País presente em toda a sua diversidade. Havia ali um pouco do Brasil com o qual sonhamos. •
Publicado na edição n° 1265 de CartaCapital, em 28 de junho de 2023.
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