CartaCapital
Basta!
A Espanha finalmente escuta o grito sufocado de Vini Jr.


A justa rebelião de Vinícius Júnior, atacante do Real Madrid, contra os sucessivos ataques racistas que vem sofrendo nos gramados espanhóis colocou um país inteiro diante do espelho. No domingo 21, o jogador voltou a ser chamado de “macaco” por torcedores rivais na derrota por 1 a 0 para o Valencia, que jogava em casa, no estádio de Mestalla. Findo o vergonhoso espetáculo, o técnico do clube madrileno recusou-se a comentar qualquer lance da partida. “É inaceitável”, desabafou o italiano Carlo Ancellotti. “La Liga tem um problema, e ele não é o Vinícius.”
Muitos relutaram em entender o recado, a começar por Javier Tebas, presidente da La Liga, entidade que organiza o campeonato espanhol. O cartola tratou como “casos pontuais” os nove ataques racistas em jogos da última temporada – oito deles contra Vini Jr. Parte da mídia esportiva espanhola ainda responsabilizou a vítima, acusando o brasileiro de “provocar” as agressões e “desrespeitar” os adversários com suas danças na comemoração de gols. A maré só virou contra os negacionistas após o vexame ganhar repercussão internacional.
O presidente Lula abriu a coletiva de imprensa no G-7 prestando solidariedade ao atleta. Pouco depois, Gianni Infantino, presidente da Fifa, repudiou a sucessão de casos de racismo nos gramados europeus. Xavi, ídolo do futebol espanhol e atual técnico do Barcelona, sugeriu que todos os atletas abandonem a partida no próximo ataque racista vindo das arquibancadas. Constrangido, o presidente espanhol, Pedro Sanchez, prometeu adotar uma política de “tolerância zero” contra os racistas.
Na terça 23, quase todos os jornais da Espanha amanheceram com manchetes repudiando a inércia das autoridades diante dos crimes de ódio, até mesmo os diários esportivos que no dia anterior destacavam o “comportamento provocador” da vítima. A polícia deteve três suspeitos de proferir insultos racistas no estádio de Mestalla. Outros quatro foram presos por terem simulado o enforcamento do brasileiro com um boneco, em uma ponte de Madri. O crime ocorreu em janeiro, mas somente agora a Espanha ouviu o grito sufocado de Vini Jr.
Os torcedores e comentaristas esportivos brasileiros, se é possível diferenciar uns dos outros, tão aficionados pelos clubes espanhóis, devem estar decepcionados com o tratamento dispensado à grande aposta da Seleção brasileira e com os recorrentes tropeços dos times hispânicos na Champions League.
O vexame também é nosso
Último país das Américas a abolir formalmente a escravidão, o Brasil também reluta em se olhar no espelho e reconhecer o racismo entranhado nas instituições e relações sociais. O mais recente “caso isolado” é o do coronel da Aeronáutica Takashi Matsuda, que acaba de ser condenado pelo Superior Tribunal Militar a um ano de reclusão por injúria racial. Em junho de 2021, o oficial constrangeu um soldado ao saber que ele fazia um curso universitário. “Um crioulo fazendo Economia!”, desdenhou, diante de outros colegas de farda. Matsuda poderá, porém, cumprir a pena em regime aberto, com a aplicação de “dez dias-multa”, sendo o valor da diária equivalente a um décimo do salário mínimo vigente à época do fato. O “mal-entendido”, segundo a alegação do coronel, custou-lhe 1,1 mil reais.
Memória/ Trono vazio
Tina Turner, a rainha do rock-n’-roll, morre aos 83 anos em casa, na Suíça
Dona de uma voz potente e dança intensa, ela despontou nos EUA nos anos 1960 – Imagem: Pierre Bessard/AFP
Quando despontou no circuito rural norte-americano, na década de 1960, Tina Turner fazia parte de uma dupla: Ike & Tina Turner Revue. Ela tinha apenas 17 anos quando Ike, com quem se casaria, a convidou a integrar sua banda. Anos depois, a cantora revelaria os abusos aos quais era submetida na relação.
Ao se separar de Ike, em 1976, deixando para trás a carreira de sucesso, Tina teve de se reinventar. E, como artista solo, mais uma vez, explodiria. O álbum Private Dancer, de 1984, virou um sucesso mundial e colocou-a no panteão do rock-n’-roll.
Embora os lançamentos posteriores não repetissem o sucesso nos EUA, a popularidade internacional manteve-se por muitos anos. Os shows, nos quais exalava energia e sensualidade, seguiriam lotando estádios até sua turnê de despedida, realizada em 2008, em comemoração aos 50 anos de carreira.
Oito vezes ganhadora do Grammy, Tina teve sua história contada em uma autobiografia transformada em filme: Tina – A Verdadeira História de Tina Turner (1993), com Angela Bassett e Laurence Fishburne nos papéis de Tina e Ike. Nascida Anna Mae Bullock, em 26 de novembro de 1939, em Nutbush, no Tennessee, a diva do rock morreu na quarta-feira 24, em sua casa, na Suíça.
De volta às armas
O presidente da Colômbia, Gustavo Petro, suspendeu, na segunda-feira 22, a trégua com o Estado-Maior Central, a principal dissidência das Farc, que depôs as armas em 2017. A medida foi motivada pelo assassinato de quatro jovens indígenas na região sul, a mais conturbada do país. “A trégua bilateral que vigorava nos departamentos de Meta, Caquetá, Guaviare e Putumayo está suspensa, e todas as operações ofensivas foram reativadas”, disse o governo.
O fim do cessar-fogo ameaça o plano de “paz total” do presidente de esquerda, um ex-guerrilheiro que prometeu, durante a campanha eleitoral, acabar com os conflitos no país por meio da negociação com os grupos armados. Além do Estado-Maior Central, o Exército de Libertação Nacional recusou-se a acabar com as hostilidades, apesar das negociações de paz iniciadas em novembro.
EUA/ Ferida aberta
Padres abusaram sexualmente de quase 2 mil vítimas em Illinois
O relatório cita 450 sacerdotes e funcionários da Igreja Católica – Imagem: St. John Cantius
Ao menos 1.997 crianças e adolescentes foram abusados sexualmente por mais de 450 sacerdotes e funcionários da Igreja Católica durante quase sete décadas em Illinois, nos EUA. Os crimes foram constatados em seis dioceses desde os anos 1950, atesta um relatório divulgado pelo procurador-geral do estado, Kwame Raoul, na terça-feira 23. O número de vítimas é quatro vezes maior que o reportado em 2018, quando a investigação do governo começou.
No dia anterior, autoridades da Bolívia também anunciaram a abertura de inquérito para apurar denúncias contra clérigos no país. Recentemente, o jornal El País revelou o caso do padre espanhol Alfonso Pedrajas, que admitiu em um diário ter abusado de dezenas de menores na década de 1970. O religioso morreu de câncer aos 62 anos, em 2009.
Desde 2019, bispos e padres são obrigados a informar ao Vaticano suspeitas de abusos sexuais. Em caso de descumprimento do decreto do papa Francisco, eles podem ser considerados corresponsáveis pelos crimes.
Publicado na edição n° 1261 de CartaCapital, em 31 de maio de 2023.
Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘A Semana’
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