Esporte
Casa de palpites
O escândalo das apostas abre a oportunidade de se procurarem meios de defender o interesse comum de todos: a lisura dentro e fora dos gramados



Não há outra alternativa senão voltar a falar desse tema deprimente das apostas subterrâneas no mundo do esporte. Melhor assim do que sabotar, sem tornar pública essa sujeirada. Agora é enfrentar o bicho de frente, o estrago está feito.
Em outros comentários por aqui lembrei, na minha percepção, que essa história vem dos tempos em que, bastante jovem, jogava ainda no Botafogo. Um grupinho reunia-se no último lance das arquibancadas do velho Maracanã para apostar em quase todos os lances do jogo: laterais, faltas, escanteios etc. Não demorou muito, o interesse passou para o vestiário, oferecendo vantagens, subornando quem colaborasse. Imediatamente, a iniciativa foi cortada por ali mesmo pela singela “comissão técnica” da época.
Hoje, com o avanço das tecnologias, as proporções se multiplicaram em todos os campos, a começar pela televisão, e com isso suas consequências. Todo mundo se espanta com a profusão de marcas de sites de apostas não só nos uniformes dos clubes, mas em todos os espaços possíveis e na própria mídia, evidentemente sem um mínimo de controle.
A necessidade agora é aprofundar o debate da situação em todos os detalhes, a começar pela avaliação do impacto sobre os implicados, com rigor, mas sem a histeria dos arroubos punitivos no calor dos primeiros momentos, sem passar a mão nas cabeças, nas justas medidas, uma tarefa a mais para o correto ministro Flávio Dino.
Como todas as crises são oportunidades de avanço, penso que este seja o momento de se iniciar uma nova etapa nas relações dos jogadores, primeiro consigo mesmos, o significado da ética na conduta entre as partes interessadas. Por mais que os entendimentos tenham se individualizado ao ponto extremo de cada jogador ser praticamente uma empresa com relações públicas, personal trainers, fisioterapeutas, “empresários” etc., é o momento de se buscarem meios de defender o interesse do que há de comum a todos, a lisura das relações dentro e fora do campo.
Há quanto tempo não se tem notícia de uma manifestação de qualquer entidade representativa dos profissionais do esporte, hora de surgirem novas lideranças que se dediquem a fazer pesar na balança, no mínimo, o interesse comum a todos, necessidades existem de sobra, a começar pelo calendário, o respeito aos intervalos entre os jogos, viagens. Há muito o que buscar, o equilíbrio perdido. É necessário ouvir o que dizem os desportistas profissionais. Na medida em que se vejam obrigados a se pronunciar, tomam a consciência que faltou aos colegas que caíram no “canto da sereia”.
No plano mais alto, começam a surgir as informações do modo como isso é tratado em países que lidam há mais tempo com o problema, notadamente as ligas europeias, com as diferenças de cada um. Na Espanha, não é permitida propaganda nos uniformes, nomes dos estádios e das competições. A Itália é o lugar onde há maior regulamentação, a séria Alemanha não permite as marcas no centro da camisa e libera as mangas. O mais antigo e mais conhecido pelas apostas, a Inglaterra é também o país que regulamenta a atividade há mais tempo, adotou a proibição na frente dos uniformes, mas permite nas mangas e nas placas dos estádios. A França, com a privatização da loteria nacional, liberou geral. Um ponto comum a todos os países, e até para alguns representantes das empresas do ramo mesmo aqui, é a necessidade da regulamentação dessa atividade.
Além da Medida Provisória que tramita no Congresso, existe a Associação Brasileira de Defesa da Integridade do Esporte e o atual governo anuncia medidas com base no sistema do Reino Unido. Uma vez que estamos empenhados em passar o Brasil a limpo, será fundamental dedicar todos os esforços para estabelecer bases que passem confiança, bastante abalada, aos torcedores de todos os esportes, não só do futebol.
Triste se falar tão pouco, apesar de tantas competições e disputas decisivas com tanto apelo. Dá para se ter ideia do quanto são nocivos, perniciosos, esses aliciamentos.
Apenas para citar um exemplo, foi espetacular acompanhar mais uma decisão no vôlei feminino entre Praia Clube e Minas Tênis e, espantado, tomar conhecimento do alto nível do futebol de salão feminino na disputa do Sul-Americano.
No mais alto nível do futebol, a Internazionale de Milão volta, 13 anos depois, a uma final de Champions League após derrotar o conterrâneo Milan, clássico de tamanha rivalidade entre os italianos apaixonados. Vai encarar o Manchester City, que sapecou quatro gols no Real Madrid. A esperança dos milaneses é a de que clássico não tem favorito. A ver. •
Publicado na edição n° 1260 de CartaCapital, em 24 de maio de 2023.
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