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Novos nomes no Banco Central

Os indicados deveriam enfrentar os pontos espinhosos e os argumentos frágeis da instituição

Novos nomes no Banco Central
Novos nomes no Banco Central
Rodrigo Monteiro e Rodolfo Fróes, indicados por Lula
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O governo finalmente anunciou os dois novos nomes para a diretoria do Banco Central (BC), exercendo a prerrogativa legal que cabe ao presidente da República. A demora foi mais longa do que se poderia esperar, pois os mandatos dos diretores que estavam de saída venceram no fim de fevereiro. Em todo caso, está feito.

Não quero discutir as qualidades e a biografia dos indicados, mas sim situar as indicações no quadro mais amplo do BC e do seu Comitê de Política Monetária (Copom). A pergunta que cabe é a seguinte: eles conseguirão fazer diferença na condução da política monetária?

Há certa esperança de que poderão fazer alguma diferença. O próprio presidente da República deve estar na expectativa de que os diretores indicados por ele tragam ventos novos a um BC amarrado a uma política monetária bem discutível, para dizer o mínimo.

Roberto Campos Neto domina amplamente, pelo que se sabe, as reuniões da diretoria do BC e do Copom. Os demais diretores, menos expressivos ao que parece, não conseguem fazer face a ele. Isto abre uma janela de oportunidades para os novos diretores. Se quiserem inovar, terão de polemizar com apenas um e não com um grupo de integrantes do Copom. É verdade que esse “um” é o presidente da instituição, mas o desafio seria maior se outros diretores tivessem também voz ativa.

Tudo depende, é claro, do ânimo dos novos diretores. Que caminho seguirão? O mais fácil, regiamente recompensado pelo mercado, é somar-se pacifica e bovinamente ao “consenso” que sustenta a política de juros elevados. O diretor que o fizer será acolhido como membro “responsável” e “confiável” da comunidade financeira. Terminada a sua passagem pelo BC, ele terá ofertas de empregos confortáveis e bem remunerados na Faria Lima e adjacências. O caminho mais árduo, menos recompensador, é questionar, exercer o espírito crítico. Há diversas maneiras de fazê-lo. Vejamos algumas.

O BC é bem opaco quanto aos modelos que fundamentam, ou ajudam a fundamentar, suas decisões de política monetária. Esses modelos são usados para identificar a taxa de juros consistente com as metas de inflação fixadas pelo Conselho Monetário Nacional. Respondem, em outras palavras, à seguinte pergunta: qual a taxa de juros requerida para forçar a inflação a convergir para as metas? Poderiam os novos diretores, especialmente o de política monetária, sair da zona de conforto e examinar com cuidado esses modelos, avaliando se são aceitáveis ou não.

Modelos macroeconômicos nunca são a única referência usada pelo BC para definir os rumos da política monetária, nem no Brasil nem em parte alguma. Se os novos diretores pretendem ser mais do que vaquinhas de presépio, terão de examinar com lupa não só os modelos, mas também os outros elementos que fundamentam as decisões do Copom, em especial as variáveis construídas pelo próprio BC. Isto inclui, por exemplo, as desagregações dos índices de preços, os núcleos de inflação, os critérios utilizados para aferir as expectativas de inflação, além dos indicadores correntes e antecedentes dos níveis de atividade econômica e emprego.

Outro ponto espinhoso, raramente discutido: como se formam as expectativas de inflação e qual o papel do BC na sua formação? O BC deve aceitar passivamente as expectativas do mercado e seus efeitos sobre os juros longos? Ou deve atuar para influir sobre essas expectativas e operar ao longo da curva de juros, como têm feito os Bancos Centrais de países desenvolvidos desde a crise financeira de 2008-2010?

Os novos diretores também deveriam, no meu entender, se debruçar sobre uma questão básica: convém rever as metas de inflação? Tem base a afirmação sempre repetida pelo atual presidente do BC de que um aumento da meta em nada ajudaria a praticar juros mais civilizados? O argumento dele, in nuce, é que a revisão da meta levaria a um aumento pro ­tanto da inflação esperada, forçando o BC a continuar praticando juros elevados. Parece frágil essa suposição. Mesmo que a inflação esperada aumente, pressionando os juros nominais, a flexibilização das metas deve permitir uma diminuição dos juros reais. O tema é polêmico, mas o que se espera dos novos diretores é disposição de levantar dúvidas sobre essa e outras teses dominantes no BC.

Paro por aqui. Os novos diretores, como os demais, estão protegidos por mandatos fixos, de acordo com a lei de autonomia do BC. Estão, assim, relativamente a salvo das insatisfações do governo e do presidente da República que os indicou. Isso os faria pender para os dogmas e interesses da Faria Lima?

Veremos. •

Publicado na edição n° 1260 de CartaCapital, em 24 de maio de 2023.

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