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Botão do pânico

As incertezas na economia internacional não justificam a manutenção dos juros altos no Brasil

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Parecido, mas... A quebra do Silicon Valley fez lembrar o fim do Lehmann Brothers em 2008. O risco sistêmico está, porém, afastado neste momento – Imagem: iStockphoto e Ben Stansall/AFP
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Nas últimas semanas, tanto investidores quanto a mídia e os redatores da ata do Copom mencionaram, com diferentes ênfases, a existência de instabilidades financeiras externas como justificativa ora de quedas da Bolsa de Valores, ora da pretensa necessidade de manter os juros na lua. Atribuir tais abalos a um aprofundamento da crise iniciada com os problemas do ­Silicon Valley Bank nos Estados Unidos é, no entanto, apenas uma das possíveis interpretações sobre as causas dos movimentos atuais da economia internacional e seus desdobramentos no País. Outra explicação é que oscilações e fragilidades fazem parte de um momento no qual o sistema financeiro parece próximo de completar a lenta transição do período de inundação de liquidez (­quantitative ­easing) e de juros extremamente baixos, no pós-crise de 2008, destaca o economista André ­Biancarelli, professor do Instituto de Economia da Unicamp.

É frequente, diz Biancarelli, existirem dificuldades financeiras num período continuado, de proporções razoáveis, de elevação dos juros depois de uma fase de taxas muito baixas. A estabilidade, com o passar do tempo, produz a sua própria superação. A estabilização passa a criar instabilidade, porque períodos longos de taxas de juro baixas autorizam a contratação de compromissos financeiros cada vez mais arriscados. Como a remuneração básica está muito baixa, o investidor vai, com um certo grau de confiança, em busca de maiores rendimentos com operações de risco crescente. “Quando há redução do rendimento, mesmo que ela não seja abrupta, nesse cenário, com a taxa subindo aos poucos, é normal que haja alguma dificuldade financeira envolvendo confiança nos bancos.”

Os desequilíbrios tendem a ser contracionistas, com subida forte da taxa de juros no mundo desenvolvido

Turbulências financeiras internacionais têm provocado oscilações, com um quadro de falta de dólares na Argentina e na Bolívia, mas não no Brasil, que reduziu sua vulnerabilidade externa de modo significativo entre 2002 e 2016. “Existe essa grande diferença. No País, as instabilidades externas hoje não provocam uma crise econômica geral, com quebradeira de empresas e bancos, por conta da fuga de capitais, nem uma desvalorização cambial acentuada. Elas tendem a se reverter. Há momentos em que o câmbio vai muito para cima, depois ele volta. Ao menos desde 2010, apesar de tudo de ruim que aconteceu na economia brasileira, essa condição não foi perdida”, ressalta. Acrescente-se que o governo Bolsonaro reduziu as reservas internacionais em 65,8 bilhões de dólares, de 390,6 bilhões para 324,8 bilhões em quatro anos, e o atual governo Lula acrescentou 10,98 bilhões nos primeiros 78 dias de governo, com uma elevação para 335,78 bilhões.

Há vários exemplos recentes de atribuições de perturbações da economia doméstica a causas externas. A queda da taxa dos contratos futuros de juros na quinta-feira 4, mesmo dia da decisão mais recente do Copom de manter a Selic em 13,75%, seria externa, segundo operadores do mercado. No caso, a piora das perspectivas da economia mundial, com a persistência de problemas no setor bancário dos Estados Unidos e as elevações dos juros, tanto nos EUA como na Europa, na tentativa, com pouca chance de êxito, de debelar uma inflação que não tem origem em excesso de demanda. Um quadro que aumenta as chances de ocorrer recessão, acompanhada de um fluxo generalizado de recursos de todos os países para o mercado de aplicações em títulos do Tesouro dos Estados Unidos, na chamada fuga para a qualidade, situação ruim para os demais países e péssima para emergentes como o Brasil.

Efeitos globais. A alta dos juros nos EUA e na Europa esfria as economias centrais e rovoca pneumonia em países como a Argentina – Imagem: Gerard Schilling/Bolsa de Frankfurt e iStockphoto

Para uma parte dos analistas, contudo, conforme apontado acima, a situação externa não é a principal determinante da manutenção ou antecipação da queda dos juros domésticos. Isso não impede, entretanto, que o argumento da situação da economia internacional seja usado como justificativa para qualquer um dos lados, seja para manter a taxa de juros no patamar atual, como uma espécie de atitude mais precavida diante de um mundo incerto, em crise, como utilizando o argumento de que as pressões internacionais são deflacionárias, sublinha Biancarelli.

Não há dúvida, o mundo vive um período conturbado, apontam vários especialistas. Há desafios e incertezas de natureza geopolítica, a começar da guerra na Ucrânia e do conflito China-Estados Unidos. Acrescente-se a questão da transformação produtiva, com a Europa e os EUA tentando se reindustrializar para fazer frente à dominação asiática e o desafio da transformação energética e climática e a reorganização da produção global. “Não dá para ser otimista quanto à economia global, mas, no curto prazo, num espaço de alguns meses, o que se teve foi bastante turbulência, como acontece em períodos de subida de juros. Isso, entretanto, não se transformou numa crise mais permanente, mais profunda, nos mercados financeiros centrais. Talvez porque a subida da taxa de juros tenha cumprido seu papel em desacelerar as economias e o mundo está num momento ruim, de crescimento generalizado dos juros”, ressalta o professor da Unicamp.

A lógica dominante no mercado e na mídia é oposta. “A expectativa para a abertura nesta quinta-feira era de alta nas taxas dos contratos futuros de juros com prazos mais curtos. No entanto, o exterior se sobrepôs aos fatores internos”, apontou o portal Money Times, no dia da mais recente reunião do Copom. Na visão do mercado, as ações do Banco Central Europeu e do Fed, de elevações de juros relativamente comedidas seguidas de aviso de fim de ciclo de aumentos, fizeram crescer a incerteza. O BCE decidiu elevar em 0,25 ponto porcentual sua taxa básica, para 3,25% ao ano, reduzindo o ritmo de alta de 0,50 ponto das reuniões anteriores, e o Federal Reserve anunciou elevação de 0,25 ponto porcentual em sua taxa de juros, para a faixa de 5% a 5,25%, com indicações de que pode interromper o atual ciclo de alta.

As reservas cambiais do Brasil inibem a fuga de capitais e a desvalorização acentuada do real

Os bancos regionais dos EUA sofreram fortes quedas de ações no mesmo dia, em meio a novos apelos por uma intervenção mais poderosa de Washington para conter a crise. As ações do PacWest despencaram 50,6% depois de a instituição anunciar que estava em negociações com vários parceiros e investidores em potencial para a transferência do controle. O TD Bank do Canadá desmentiu que seria comprado pela First Horizon, e as ações desta caíram 33,2% no dia. O índice de bancos regionais, o KBW Regional Bank, caiu 3,5% e registrou um declínio acumulado de 30% desde o início do ano.

As preocupações dos investidores e das instituições financeiras aumentaram de modo significativo desde que a Federal Deposit Insurance Corporation interveio, dias atrás, no californiano First ­Republic e vendeu seus depósitos e ativos para o JP Morgan Chase. Há receio principalmente quanto à alta proporção, no sistema, de depósitos em contas acima do limite de garantia de 250 mil dólares, vistos como especialmente vulneráveis.

Ao que parece, os maiores temores quanto ao espalhamento das dificuldades financeiras em consequência da crise de bancos estadunidenses foram contornados e não houve uma reação em cadeia em outros bancos e outros setores do mundo financeiro. O mal que a economia internacional padece, tudo indica, são os efeitos de uma série de desequilíbrios que tendem a ser contracionistas, com uma subida forte da taxa de juros no mundo desenvolvido, o que pode provocar alguma turbulência financeira. “Apontar isso, entretanto, como motivação principal para manutenção de uma política monetária interna, eu acho que é só arma de retórica quando as outras justificativas não dão mais. Era a inflação, mas agora ela está caindo, mas espere aí, ainda tem mais esse motivo. Eu vejo o quadro externo como um cenário incerto, não é bom, não é tranquilo, mas ele não obriga o Banco Central nem a antecipar o eventual calendário de queda de taxa de juros nem a postergar. As motivações são internas”, dispara Biancarelli.

Nos dias seguintes à decisão do Copom, os rendimentos dos títulos do Tesouro se mantinham em baixa nos EUA, assim como no Brasil as taxas dos Depósitos Interfinanceiros, ou DIs, referência nas transações financeiras entre bancos, “em especial na ponta longa, onde os estrangeiros atuam preferencialmente”, noticiou a Reuters. As expectativas do mercado, sublinhou a agência de notícias, oscilaram entre uma possível crise bancária nos EUA e um eventual soft landing da economia. Como frisaram alguns economistas, os três bancos norte-americanos que quebraram neste ano reuniam mais ativos do que todos os 25 que estouraram na crise de 2008.

No plano interno, cresceu a apreensão diante de novos dados de dificuldades do comércio, abalado por uma crise de grandes redes varejistas e de empresas de outros setores. A Renner anunciou na quinta-feira o fechamento de 20 lojas, 13 da Camicado, quatro da própria Rede Renner e três da Youcom. No mesmo dia, o Grupo Pão de Açúcar anunciou a venda de 13 lojas e do edifício-sede em São Paulo – espera obter 800 milhões de reais com essa desmobilização de ativos. Na base do problema, os juros exorbitantes que o BC insiste em manter, retratado tanto no aumento dos pedidos de recuperação judicial e de falência quanto nos lucros extraordinários do sistema financeiro. •

Publicado na edição n° 1259 de CartaCapital, em 17 de maio de 2023.

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