Política
Volta por cima
Quase morta por Bolsonaro, a Finep agora tem 10 bilhões de reais para aplicar em pesquisa, celebra Celso Pansera


Foram quatro anos de penúria durante o governo Bolsonaro, mas também quatro anos de resistência. Depois de sucessivos cortes orçamentários e de um desmonte total evitado graças à mobilização da comunidade científica, o Brasil começa a se reconciliar com a Ciência, Tecnologia e Inovação. Lula já havia anunciado um reajuste de 45% nas bolsas da Capes e do CNPq e a liberação de 2,4 bilhões de reais para o ensino superior. Agora é a vez da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) retomar seu papel de fomento à ciência com uma carteira recorde de investimentos, que deve alcançar 10 bilhões de reais até o fim do ano. Com a missão de conduzir essa guinada, o presidente da Finep, Celso Pansera, que foi ministro da Ciência e Tecnologia no governo Dilma e presidente da Iniciativa pela Ciência e Tecnologia no Parlamento (ICTP.br), principal vetor da luta contra o desmonte científico do País, apresenta nesta entrevista a CartaCapital as novidades que vão impulsionar a produção científica.
CartaCapital: Qual será o papel da Finep na retomada produção científica?
Celso Pansera: A Finep vai viver o melhor momento de sua história, sob o ponto de vista da capacidade de investimento, tanto para emprestar quanto para fazer financiamento subvencionado, sem retorno. Haverá um salto de execução orçamentária, que passará de 3 bilhões de reais em 2022 para 10 bilhões neste ano. Vamos começar a recuperar a estrutura das universidades e dos institutos de pesquisa. A prioridade é o “SOS Ciência”, recuperar a estrutura degradada nesses últimos seis anos sem investimentos.
Para as empresas é uma oportunidade muito boa. Existem companhias inovadoras no Brasil, mas você precisa dar ao empresário capacidade para investir e pensar em novos produtos, uma nova linha de produção, uma embalagem sustentável, captura de gás carbônico, novos sistemas etc. Nestes primeiros meses de 2023, executamos 134 projetos e aprovamos quase 1,6 bilhão de reais em empréstimos. Nossa projeção é executar todo recurso disponível, queremos chegar acima de 400 projetos e liberar até o fim do ano os 4,9 bilhões que temos para emprestar.
CC: Com isso, a Finep voltará a ser a principal fomentadora da CT&I no Brasil?
CP: O governo Bolsonaro tentou desmontar a Finep duas vezes. Primeiro, em 2019, ao tentar tirar daqui a gestão do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, o FNDCT, e repassá-la para o ministério, transformando a Finep em uma diretoria do BNDES. Entidades científicas como a SBPC, a ABC e a Andifes conseguiram derrubar essa mudança em maio daquele ano. Depois, por meio de uma PEC publicada em novembro de 2019, eles sequestraram 220 bilhões de reais de todos os fundos infraconstitucionais, para pagar a dívida pública com os bancos. Conseguimos derrotar o governo na Comissão de Constituição e Justiça do Senado, tirando do seu alcance os principais fundos, inclusive o FNDCT, o que fez com que a PEC perdesse o sentido e ela nunca tramitou. Na sequência, pegamos o PLP 135, do deputado Izalci Lucas, do PSDB do Distrito Federal, e fizemos uma grande campanha nacional durante a pandemia, para mostrar que a ciência brasileira precisava de dinheiro.
Fizemos diversos atos virtuais, ocupações virtuais do Congresso, e conseguimos aprovar esse Projeto de Lei, que trouxe duas grandes mudanças: proibiu o contingenciamento de recursos do FNDCT e transformou a natureza do fundo, que deixou de ser um mero lançamento contábil no caixa da União para ser um fundo financeiro, como é o FAT. Bolsonaro vetou, mas derrubamos o veto em março de 2021.
No fim de 2022, Bolsonaro e Paulo Guedes tentaram mais um golpe ao publicar a MP 1.136, contingenciando os recursos de novo. Mas Lula ganhou a eleição e a transição indicou a ele que deixasse caducar essa MP. Ela caducou no dia 5 de fevereiro último e Lula publicou, em março, um PLO liberando a totalidade dos recursos.
CC: Como serão aplicados esses 10 bilhões de reais?
CP: Metade é não retornável e metade é para empréstimo. Neste segundo item, acontece o pulo do gato, pois também foi aprovada pelo Congresso e sancionada por Lula uma mudança na taxa de correção dos recursos emprestados. Nossos juros serão de 2% ao ano para projetos que contêm inovação. É um valor que você não encontra em lugar nenhum do mercado. Incluídas todas as taxas, vai custar 5% ao ano. E ainda haverá carência de 36 meses, podendo chegar a 48 meses se o projeto tiver pegada sustentável. O prazo para pagar será de 36 a 60 meses. É um crédito barato, com contrato bastante generoso.
“Nunca antes houve uma capacidade tão grande de investimento na ciência brasileira”, diz o novo presidente da agência de fomento
Repare a evolução dos investimentos não reembolsáveis. Em 2019, a Finep liberou 422 milhões de reais. Em 2020, 390 milhões. Em 2021, foram míseros 149 milhões. No ano passado, já sob a pressão da lei aprovada, tiveram de liberar 2,3 bilhões. Agora, temos 4,8 bilhões. É um salto enorme. Isso é subvenção, é dinheiro que vai para projetos sem retorno. Já em relação ao dinheiro para empréstimo, foi investido 1,9 bilhão em 2019. Em 2020 e 2021, liberaram 1,5 bilhão por ano. Em 2022, foram 3,5 bilhões e, agora, vamos liberar 5 bilhões. No ano passado, Guedes foi obrigado a executar a lei, e ainda assim eles retiveram. Vamos destravar tudo.
CC: Há previsão de investimentos nas Forças Armadas?
CP: Todos os países de ponta investem muito em defesa, setor de onde saíram grandes descobertas, como, por exemplo, a internet, o GPS, o teflon, o micro-ondas. Não há país inovador sem pesquisa na área da defesa. As Forças Armadas sempre foram parceiras da ciência. Continuarão a ser, só que agora de uma forma estruturante, como deve ser feito.
CC: A prometida transversalidade ambiental estará presente?
CP: A sustentabilidade ambiental é um dos dois eixos aos quais a Finep vai se dedicar. O outro é o combate à miséria. Há possíveis parcerias de investimento com o Fundo Amazônia. Tivemos também uma reunião muito boa com pesquisadores de diversos estados sobre a questão do oceano. O MCTI vai assinar um contrato para colocar para funcionar o Instituto Nacional de Pesquisas Oceânicas. Explorar a capacidade da biodiversidade do mar será uma das nossas linhas de atuação, assim como a capacidade de produzir energia a partir do oceano.
CC: Como serão os projetos inovadores de combate à miséria?
CP: A Finep apoiará a construção de polos de inovação, sobretudo em favelas e aglomerados urbanos, para incluir a juventude criativa e inteligente que vive nesses ambientes e precisa de uma chance. E, no campo, vamos investir no uso mais intensivo de tecnologias para melhorar a produtividade da agricultura familiar. Já iniciamos conversas sobre isso com o Ministério do Desenvolvimento Agrário. •
Publicado na edição n° 1259 de CartaCapital, em 17 de maio de 2023.
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