

Opinião
Vá em paz, Alzira Rufino!
Autora do livro ‘Eu, mulher negra, resisto’, Alzira funcionou para mim como um farol, que me ajudou a sobreviver ao racismo e chegar até aqui


Na noite de quarta-feira (26), o Brasil perdeu Alzira Rufino, uma das vozes mais importantes do movimento de mulheres negras do país.
Nascida em Santos no ano de 1949, Alzira era enfermeira de formação. Em 1990, a ativista santista fundou a Casa de Cultura da Mulher Negra, espaço de formação, acolhimento e de protagonismo das afro-brasileiras, com papel fundamental na formação da filósofa Djamila Ribeiro e que, mesmo de longe, também me formou.
Por intermédio de dois professores da Universidade Federal de Minas Gerais, Eduardo de Assis Duarte e Constancia Lima Duarte, tive a oportunidade de conhecer Alzira Rufino. Era 2009. Na época, eu participava dos grupos de pesquisa coordenados por eles. Especialista em me abrir portas, Eduardo avisou que Alzira precisava de uma pessoa para entrevistar Fátima Oliveira, médica e primeira professora negra da Faculdade de Medicina da UFMG.
Orgulhosa pelo convite, aceitei na hora. Conforme combinado, liguei para Alzira e, com a voz firme, ela disse o que esperava de mim, não só para aquele trabalho, mas também em relação ao compromisso que eu devia assumir com a luta contra o racismo no Brasil. Entendi o recado. Fiz a entrevista e nunca mais me afastei do ativismo antirracista.
Por sugestão e incentivo da professora Constancia, a Eparrei, revista publicada pela Casa da Mulher Negra, foi tema do primeiro artigo acadêmico que publiquei. Em 2010, pude apresentá-lo no Fazendo Gênero, evento importante promovido pela Universidade Federal de Santa Catarina. Ali iniciava minha carreira acadêmica. Eu, que já fui trabalhadora doméstica, atualmente curso o doutorado em Educação na UFMG. Tenho certeza de que Alzira Rufino desejou isso para mim.
Quatro anos após a entrevista para a qual Alzira me contratou, reencontrei a doutora Fátima Oliveira de uma maneira que jamais poderia imaginar. Ela foi primordial para que a Miriam, minha irmã, recebesse um tratamento digno e humanizado. Miriam nos deixou em 2013, vítima de um câncer na cabeça e no pescoço.
Olhando para trás, confesso que fico um pouco assustada com a maneira intensa e profunda que Alzira Rufino atravessa minha vida.
Indicada ao Prêmio “Mil Mulheres para o Nobel da Paz”, Alzira Rufino foi também poeta e escritora. Autora do livro “Eu, mulher negra, resisto”, Alzira funcionou para mim como um farol, que me ajudou a sobreviver ao racismo e chegar até aqui.
Obrigada por tudo, Alzira!
Obrigada por iluminar a vida de tantas mulheres negras.
Seu legado jamais será esquecido.
Vá em paz.
Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.
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