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Heroínas despretensiosas

Os personagens comuns e as histórias aparentemente tranquilas de Elizabeth Strout, vencedora do Pulitzer, fisgam leitores e encantam outros autores

Heroínas despretensiosas
Heroínas despretensiosas
A série Olive Kitteridge, da HBO, com Frances McDormand (acima) , contribuiu para o sucesso improvável da escritora norte-americana – Imagem: HBO Max e Leonardo Cendamo
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A escritora norte-americana Elizabeth Strout tinha 43 anos quando publicou seu primeiro romance, Amy & Isabelle, e levou oito anos para publicar sua continuação, Fique Comigo. Embora ambos tenham sido aclamados pela crítica, foi com seu terceiro romance, Olive Kitteridge, sobre uma professora aposentada no estado do Maine, que sua carreira decolou.

Sua heroína irritadiça e metódica tornou-se um sucesso improvável. Olive ­Kitteridge deu o Pulitzer de ficção para a autora, em 2009, e conquistou um público fiel com a ajuda de uma série da HBO que traz Frances McDormand no papel de Olive e venceu oito prêmios Emmy. Sua continuação, Mais Uma Vez, Olive, foi lançada em março no Brasil.

Elizabeth descreve seu estilo como o de uma bordadeira: “Vou bordar uma pequena linha verde, voltar mais tarde e bordar uma folha ou algo assim”, descreve. Em seus romances, elaborados de maneira complexa e meticulosa, os bordados se sobrepõem para criar uma paisagem ficcional instantaneamente reconhecível.

“Não planejei ter uma carreira povoa­da pelos mesmos personagens”, diz ela que, além de Olive, criou Lucy, apresentada aos leitores em 2016, com Meu Nome É Lucy Barton (Companhia das Letras) e revisitada em Oh William! (2021) e Lucy à Beira-mar (2022).

Ler um romance de Elizabeth é, na verdade, habitá-lo. A experiência dura muito mais do que o tempo necessário para ler cada volume. Suas histórias tranquilas sobre personagens despretensiosos são amadas por leitores e escritores – Zadie Smith e Jennifer Egan estão entre suas admiradoras.

Com o cabelo loiro preso num coque ralo, óculos e o hábito de gesticular com elegância, Elizabeth, aos 66 anos, remete à ideia de escritora de Hollywood – pense em Meryl Streep ou Laura Linney. Ela fala como escreve: com poucas palavras e elipses – você pode sentir a pressão nas entrelinhas, como disse ela num debate com a romancista Elena Ferrante. Ouvimos até mesmo aqueles pontos de exclamação ofegantes, que poucos escritores modernos se atreveriam a usar sem ironia. Elizabeth costuma responder às perguntas com sua risada musical ou com um “Exatamente!” mais evasivo que conclusivo.

Pensando na infância, a escritora descreve-se como “tagarela” e “cheia de emoção”, características em desacordo com sua educação baseada na fé congregacionalista. Seus pais, ambos professores, tinham “uma visão cética do prazer”.

Mais Uma Vez, Olive. Elizabeth Strout. Tradução: Sara Grünhagen. Companhia das Letras (328 págs., 94,90 reais)

Não havia jornais ou tevê em sua casa, mas não porque a família não pudesse pagar – eles tinham revistas científicas e a New Yorker. O primeiro livro que ela leu, aos 7 ou 8 anos, foi Pigeon ­Feathers and Other Stories, de John Updike. “Lembro-me de pensar: ‘Ah, muita coisa acontece na vida dos adultos’”, diz. “Isso me fez entender que a infância não era onde as coisas aconteciam.” Seu pai, que morreu há pouco mais de 20 anos, era “muito caloroso e amoroso”. Sua mãe nem tanto: “Minha mãe gostava de livros infantis, mas não de crianças”.

Embora descreva a mãe, de 95 anos, como “uma mulher difícil”, a autora deixa claro não ser ela o modelo para ­Olive Kitteridge – ainda que o romance seja a ela dedicado. Mas os relacionamentos maternos complicados correm como uma cicatriz ao longo de sua obra. Poucos romances rivalizam com seu retrato da toxicidade entre mãe e filha.

Após se formar na Bates, uma faculdade liberal no Maine, e ter passado um ano sombrio em Oxford, na Inglaterra, ela se matriculou numa faculdade de Direito. A carreira jurídica rapidamente naufragou, mas a formação ajudou-a a virar escritora. “A parte mais fascinante de um caso, para mim, sempre foi a exposição dos fatos, porque é um pequeno conto”, explica. “Eles eram declarados de forma rápida e abrupta, sem nenhum sentimento. Sem ter estudado Direito, eu seria apenas uma massa de emoções instáveis.”

Enquanto criava sua filha, Zarina, fruto do primeiro casamento, Elizabeth teve vários empregos – foi secretária, garçonete e vendedora de colchões –, mas estava sempre escrevendo. “Mesmo quando era rejeitada, sempre escrevia para o leitor. Nunca, nunca escrevi para mim mesma”, diz. Não importam o Pulitzer e os aplausos, diz. O que a deixa “muito feliz” é o fato de ter encontrado seus leitores: “Era o que eu queria fazer, e consegui”.

Com Olive Kitteridge, ela conectou-se com as pessoas de uma forma que nunca poderia ter sonhado. Olive, simplesmente, “apareceu” um dia, enquanto Strout carregava a lavadora de louça. Já a voz de Lucy surgiu quando ela estava deitada na cama. Mas, quando elas apareceram, Elizabeth estava pronta. Por trás de cada uma de suas linhas simples e aparentemente sem esforço está o peso de 10 mil horas – ou mais. “Passei anos treinando para encontrar minha voz, ou a voz de Lucy, ou minha voz de ­Elizabeth Strout e as frases certas”, diz. “Tive de aprender a parar de escrever como escritora e escrever como eu mesma. E isso levou muito tempo.”

Elizabeth reluta em discutir o trabalho em andamento, mas parece seguro dizer que nem Lucy nem Olive vão desaparecer. “Eu amo escrever”, diz. “Quero me conectar com uma pessoa para que ela veja sua vida de maneira diferente, mesmo que por apenas dois minutos, ou tenha uma sensação momentânea de transcendência, como se o teto fosse um pouco mais alto. Quero que as pessoas possam olhar em volta e dizer: ‘Oh, certo, é apenas a vida, é apenas a vida’.” •


Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves. 

Publicado na edição n° 1257 de CartaCapital, em 03 de maio de 2023.

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