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A nova onda dos festivais

A megalomania e os astros de sempre passam a dar lugar a eventos de médio porte puxados por artistas jovens

A nova onda dos festivais
A nova onda dos festivais
O MITA, a ser realizado no Vale do Anhangabaú, em São Paulo, é um dos caçulas do boom de eventos musicais – Imagem: Redes sociais
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No processo de recuperação econômica pós-pandemia, o setor de eventos, no qual se incluem o entretenimento e o turismo, foi apontado como um dos que puxaram o crescimento do PIB em 2022. E, para 2023, ano que começou com Lollapalooza, Coldplay e Festival de Verão de Salvador, a expectativa é de que o setor cresça ainda 12%.

Embora os megafestivais de música pop e rock, pensados para receber até 100 mil pessoas por noite, sigam tendo um papel fundamental, o que há de novo, nesta retomada pós-pandêmica, é que a megalomania dá lugar a eventos de médio porte. Alguns exemplos do que vem por aí são Queremos!, Summer Breeze Brasil, C6 Festival, MITA, Popload, Primavera Sound e Balaclava.

Enquanto os grandes festivais apostam, habitualmente, na mistura entre astros consagrados – para não dizer batidos – com entretenimento de parque de diversões como forma de atrair não apenas o público, mas os patrocinadores, os novos eventos têm em comum o fato de trazerem alternativas aos nomes de sempre.

Além de suprir o desejo do público por atrações menos óbvias, essa opção ajuda na construção de futuros chamarizes – os headliners – para os festivais mais conhecidos, que têm quebrado a cabeça para encontrar substitutos para os grandes nomes do rock à beira da aposentadoria.

No processo de recuperação pós-pandêmica, o setor de eventos é apontado como um dos que fez o PIB crescer em 2022

A busca por nomes não consagrados está na própria origem do carioca Queremos! e do paulista Popload, criados, respectivamente, em 2010 e 2013. Ambos nasceram do desejo de fãs de música de assistir a alguns de seus artistas favoritos que raramente eram escalados para os festivais de grande porte.

“Quando começamos, o Rock in Rio não tinha voltado e o Lollapalooza não existia aqui. Além disso, o Rio tinha perdido uma série de casas noturnas”, diz Pedro Seller, um dos curadores do Queremos! A estratégia inicial dos pequenos empresários foi criar um crowdfunding, o financiamento coletivo – modelo, à altura, novo. Além de levar artistas a outras cidades, como São Paulo, Belo Horizonte e Porto Alegre, o Queremos! Solidificou-se, como festival, no Rio. A próxima edição acontece no sábado 15.

O Popload, por sua vez, nasceu em casas de shows de pequeno e médio porte, migrou para o Memorial da América Latina, em São Paulo, e, em 2019, foi adquirido pela T4F, empresa que cuidou do Lollapalooza. Ou seja, o médio tornou-se um bom negócio para os grandes.

A última edição do Popload aconteceu em outubro de 2022, no Centro Esportivo Tietê, região central de São Paulo, e contou com pesos pesados como o guitarrista Jack White e o grupo Pixies. Uma nova edição está prevista para este ano.

O C6, previsto para maio, em São Paulo e no Rio, é o evento que traz a escalação mais audaciosa e diversificada, o que não chega a surpreender, dado o nome por trás do empreendimento: Monique Gardenberg. Monique foi responsável pelo famoso Free Jazz, que aconteceu entre 1985 e 2001, e trouxe para o País nomes como o trompetista Wynton ­Marsalis, o saxofonista David Sanborn e o guitarrista Stanley Jordan. Dez anos depois de criado, o Free Jazz agregou atrações de outros gêneros, como rock alternativo, hip-hop e música eletrônica.

O C6 terá filosofia semelhante. Trará desde Samara Joy, jovem de 23 anos ganhadora do Grammy, e Arlo Parks, novo destaque do soul britânico, até veteranos do eletrônico, como Kraftwerk, do rock alternativo, caso de War on Drugs, e a fusão entre jazz e soul music de Jon Batiste. “Sou bem porosa, me envolvo bastante, mas não procuro impor meu gosto, absorvo as ideias propostas pela curadoria”, diz ­Monique. “Só pondero quando uma atração parece nichada demais.” Caçulas desse boom de festivais, Summer Breeze Brasil, MITA e Primavera Sound possuem objetivos distintos. O primeiro é dedicado especialmente ao heavy metal e à música eletrônica e oferecerá, além de performances, palestras sobre negócios com ­Bruce Dickinson, vocalista do Iron Maiden.

MITA e Primavera buscam nomes novos e também aqueles que estavam há muito ausentes do País. Em suas edições de estreia, realizadas no ano passado, eles apostaram, por exemplo, no grupo Gorillaz, na cantora islandesa Björk. Para este ano, o MITA escolheu ­Florence Welch, líder do grupo ­Florence + the ­Machine, que esteve pela última vez no Brasil em 2016, no Lollapalooza.

Bruce Dickinson (acima), do Iron Maiden, dará uma palestra sobre negócios. Samara Joy servirá como chamariz para o recém-nascido C6 – Imagem: Redes sociais

“Ela é uma das artistas mais aclamadas e respeitadas da atualidade”, diz Luiz Guilherme Niemeyer, um dos organizadores do MITA, a ser realizado no Vale do Anhangabaú, em São Paulo, em maio. “Além disso, tem um forte apelo visual em suas apresentações, o que a torna uma escolha natural para um festival que valoriza também a experiência do público e o impacto visual.”

O Primavera, que surgiu, em 2001, em Barcelona, passou a ser reproduzido na América Latina, aposta também na música brasileira. Eles já apresentaram Seu Jorge, Caetano Veloso e Elza Soares e terão este ano o maestro e compositor ­Arthur Verocai. “Em nossas pesquisas, notávamos que havia um enorme público da América Latina”, diz José Pons, diretor de comunicação do evento, para justificar a vinda para Brasil e Argentina.

A palavra-chave do Primavera é, segundo Pons, “diversificação”. A edição de 2023, marcada para dezembro, terá proporções mais ambiciosas, aproximando-se da ideia de grande evento: será no autódromo de Interlagos, sede também do The Town (versão paulistana do Rock in Rio) e do Lollapalooza.

Outra característica desta nova onda é, obviamente, a conexão mais direta dos festivais com as redes sociais. A divulgação e o burburinho virtuais também contribuem para que artistas que nunca levaram multidões a shows – pelo menos no Brasil – tenham a garantia de sucesso. Lúcio Ribeiro, sócio-fundador da ­Popload, relembra, por exemplo, que a banda Wilco, que se apresentou aqui em 2016, foi uma das beneficiadas pelo fenômeno denominado FOMO, sigla para a expressão, em inglês, fear of missing out (medo de perder algo importante).

A tentativa de gerar engajamento nas redes sociais também leva os festivais a criar atrações que vão além das performances

A tentativa de gerar engajamento nas redes também tem levado os festivais a criar atrações que vão além das performances. O Summer Breeze lançou um podcast no YouTube, no qual o cantor e apresentador Bruno Sutter entrevista artistas e formadores de opinião que falam das atrações inovadoras do festival. Além disso, Bruce Dickinson, vocalista do Iron Maden, será mais uma atração, apresentando uma palestra sobre business.

O outro lado da moeda do boom é que os cachês já começam a aumentar. “A gente tentou 400 nomes para o Summer Breeze. Conseguiu 40”, diz Rick Dallais, presidente do Summer Breeze e da Free Pass, organizadora do evento. “A gente decidiu seguir o formato de festivais europeus, de trabalhar com bandas novas, que estão surgindo no mercado, com bandas conhecidas do público em geral.”

A ideia de inovar, no fundo, nada mais é do que a necessidade de seguir as mudanças comportamentais do público. Se, antes, a venda de ingressos era assegurada pelos nomes “clássicos”, hoje ela depende também daquilo que é, supostamente, surpreendente. “As pesquisas apontam que o público de festivais busca cada vez mais diversidade e pluralidade­ de estilos musicais. Os frequentadores de festivais estão mais abertos a novos gêneros e estilos do que há cinco anos”, aposta Niemeyer, do MITA. •

Publicado na edição n° 1255 de CartaCapital, em 19 de abril de 2023.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘A nova onda dos festivais’

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