Riad Younes

riadyounes@cartacapital.com.br

Médico, diretor do Centro de Oncologia do Hospital Alemão Oswaldo Cruz e professor da Faculdade de Medicina da USP.

Opinião

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Poluição desigual

Estudo realizado nos EUA demonstra que negros e pobres recebem doses maiores de poluentes, devido a fatores como moradia e exposição ao tráfego

Poluição desigual
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O problema da poluição atmosférica continua afetando as cidades e seus habitantes. Trata-se de um problema que afeta todos que respiram o mesmo ar. Estudos esporádicos têm observado a disparidade do impacto dos poluentes na saúde das pessoas, dependendo de vários fatores: econômicos, sociais e profissionais.

Esta semana, foi publicado na prestigiosa revista New England Journal of Medicine um estudo extenso completado por um time de cientistas liderados pelo doutor KP Josey, da Universidade Harvard, nos Estados Unidos.

Os pesquisadores avaliaram mais de 73 milhões de beneficiários do sistema público de saúde norte-americano, o Medicare, com idade superior a 65 anos. Eles correlacionaram os níveis de poluição do ar com micropartículas a vários fatores, pessoais e socioeconômicos.

Os resultados desse estudo podem ter implicações importantes no Brasil. Conversamos com o doutor Paulo Saldiva, médico patologista, professor da Faculdade de Medicina da USP e membro da Academia Nacional de Medicina e Academia Brasileira de Ciências. Saldiva é também membro do painel da Organização Mundial da Saúde (OMS) que define os padrões de qualidade do ar.

Carta Capital: Como o senhor resumiria os resultados desse estudo?
Paulo Saldiva: Os resultados dessa pesquisa demonstram de forma convincente a ideia de que a exposição aos poluentes atmosféricos é afetada por fatores sociais e econômicos. Negros e pobres recebem uma dose maior de poluentes, devido a fatores como moradia e exposição ao tráfego. A segregação racial e a existência de enclaves urbanos de vulnerabilidade fazem com que a dose de poluição desses grupos seja maior, levando a maiores agravos de saúde, que, no caso, foram expressos em maior risco de mortalidade. De outra parte, observou-se que a queda dos níveis de poluição que tem ocorrido nos Estados Unidos levou a uma maior redução do risco de morte nos grupos mais vulneráveis. Em outras palavras, leis ambientais e tecnologias limpas reduzem a poluição, promovem ganhos de saúde e combatem o racismo ambiental.

CC: O que mais se destaca nesse trabalho?
PS: O projeto impressiona pelo grande número de pessoas envolvidas e pela qualidade e resolução do sistema de aferição da poluição do ar, que permitiu avaliar todo o país em espaços distribuí­dos medindo 1 quilômetro quadrado.

CC: Como se comparam os níveis de poluição atmosféricas do Brasil com os dados dos Estados Unidos?
PS: A comparação com o Brasil torna-se muito difícil, dado que menos de 5% das cidades brasileiras possuem alguma medida de poluição. Nas cidades brasileiras onde há medições, temos níveis superiores aos descritos no estudo norte-americano.

CC: No Brasil, temos rastreamento de níveis de poluição semelhante por regiões urbanas?
PS: Infelizmente, não temos.

CC: Por aqui temos resultados que comparam o impacto regional – ou por raça, classe econômica etc. – da poluição atmosférica na saúde?
PS: Até onde eu sei, estudos semelhantes foram feitos somente em São Paulo, e eles também mostram o efeito da vulnerabilidade social em relação à poluição.

CC: Que implicações poderia ter esse artigo nas pesquisas e nas políticas brasileiras de controle da poluição?
PS: Permitam-me falar sobre a esperança que nutro para que algum dia tenhamos uma política sólida de controle da poluição do ar. Temos obtido progressos, mas ainda enfrentamos muitas dificuldades para que medidas mais incisivas sejam tomadas. O controle da poluição do ar é um problema ambiental e tecnológico, mas é também uma questão de saúde e de cidadania. Ao contrário do tabaco, que permite medidas de proteção individuais, a exposição aos poluentes atmosféricos é conspícua e inescapável. Afeta a todos e, em especial, os negros e os mais pobres. Acho que é chegado o tempo de fundarmos uma sociedade protetora desse bípede, o ser humano. •

Publicado na edição n° 1253 de CartaCapital, em 05 de abril de 2023.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Poluição desigual’

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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