

Opinião
A psicologia das seleções
Na última Copa, ficou evidente que o Brasil perdeu para si mesmo, enquanto a equipe argentina foi sendo depurada a cada partida


O caso da invasão de campo pelo torcedor do Internacional de Porto Alegre, com a filha no colo, após a derrota que levou à desclassificação do Colorado para a decisão do Campeonato Gaúcho ofuscou quase tudo que aconteceu de atividade esportiva durante esta semana.
O triste episódio só não é mais que triste que o trágico assassinato da professora de uma escola da capital paulista por um adolescente. Tudo isso faz parecer desimportante a derrota da Seleção em seu primeiro jogo depois da Copa do Catar.
O tema central deste espaço é o esporte, mas não pura e simplesmente o esporte, e sim suas ramificações por todos os campos do nosso dia a dia. Sempre procuro entender o sentido da paixão popular que espelha a necessidade humana de transcendência. Mas, neste momento, me pergunto: o que anda a nos atormentar nestes dias tão tumultuados?
Sempre deve haver, em qualquer comentário sobre um acontecimento público, o cuidado de se evitarem prejulgamentos e o respeito à defesa. O que interessa, neste caso tão absurdo, é procurar analisar, com a máxima amplitude, o significado e as consequências do episódio.
A quem, eventualmente, não tenha acompanhado o caso, explico. No domingo 26, um torcedor invadiu o campo do Estádio Beira-Rio, com a filha de 3 anos no colo, para agredir jogadores do Caxias após a derrota do Internacional nos pênaltis na Semifinal do Campeonato Gaúcho. A discussão tem vários aspectos, mas a mim parece que a criança deve ser o núcleo da questão.
Não vi, até o momento, qualquer referência a um possível limite de idade para frequentar os estádios. E isso me dá uma ponta de esperança no meio de dias conturbados. Antes de tudo, no futebol, não podemos nos esquecer de que a bola é uma brincadeira de criança. Esse é o ponto de partida.
Deve-se buscar a possibilidade de que qualquer pessoa, em qualquer idade, possa estar em segurança em um estádio de futebol. Pode parecer um desejo utópico, uma quimera, mas deve ser esse o horizonte a ser perseguido. E, para isso, não se pode pensar em medidas paliativas a partir de casos acontecidos, e sim em soluções de longo prazo.
O retorno da Seleção Brasileira depois da Copa do Catar, contra o Marrocos, serviu para nos dar alguns indicativos daquilo que a Confederação Brasileira de Futebol (CBF) pensa para o próximo ciclo em direção a 2026. Muita gente passou a defender uma presença da maioria de jogadores que estejam jogando no Brasil, mas a mim não parece que esta seja a melhor solução.
Para este momento, é compreensível que se faça uma renovação, dando oportunidade ao máximo das revelações, que sempre são o forte do nosso futebol. Soma-se a isso a expectativa pela contratação do próximo treinador.
Não se pode, de toda forma, comentar de maneira aprofundada um jogo como a partir da análise individual dos jogadores. O perigo que se corre, num momento como este, é queimar algum novato.
A partida foi, justamente, um jogo da renovação. E o que vimos foi um time sem entrosamento contra o melhor conjunto. Venceu o coletivo mais afinado. A não ser pelas aparências, o resultado não tem maior importância. Ainda assim, deixa a porta aberta para as especulações de sempre.
Durante a semana, houve a publicação de extraordinária lucidez de Luís Felipe Castro, na Placar, dissecando o comportamento do torcedor brasileiro através da história e mostrando o quanto esse comportamento foi sempre bastante caracterizado pelo bairrismo e pelo clubismo.
O jornalista faz uma comparação entre torcedores de diferentes países e, principalmente, com os argentinos. A comparação é boa de ser observada. Na última Copa, ficou evidente que o Brasil perdeu para si mesmo, enfraquecendo no decorrer da disputa pelo estrelismo exagerado, enquanto a Argentina viu sua equipe amadurecer, com o conjunto sendo depurado a cada jogo.
A mudança de orientação dos argentinos no transcorrer do ciclo da Catar-22 foi semelhante à do Brasil em 1958. Os jogadores foram ouvidos sem quebra de hierarquia, sem o autoritarismo inibidor.
O genial Messi aceitou disputar a Copa do Mundo, fechou com sucesso seu ciclo de títulos e completou suas 800 partidas, superando os 100 gols pela alviceleste argentina. Messi, por fim, é um símbolo da integração Argentina-Brasil, como demonstra a admiração absoluta da torcida brasileira por ele. •
Publicado na edição n° 1253 de CartaCapital, em 05 de abril de 2023.
Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘A psicologia das seleções’
Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.
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