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O show do trilhão

Multinacionais tentam barrar na Justiça o retorno temporário dos impostos sobre exportação

O show do trilhão
O show do trilhão
Duto. As empresas estrangeiras embolsam os benefícios fiscais, os consumidores brasileiros pagam a conta – Imagem: iStockphoto e Agência Petrobras
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Como acontece em quase todas as decisões importantes para reerguer a economia dos escombros do bolsonarismo e orientá-la no rumo de uma estrutura mais sólida e democrática, a tributação das exportações de petróleo bruto enfrenta forte oposição, comandada, neste caso, pelas companhias petrolíferas estrangeiras e seus aliados, inclusive o PL do ex-presidente. Beneficiadas por uma das menores participações estatais na renda petrolífera e uma das tributações mais baixas do mundo, essas empresas combatem a Medida Provisória 1.163, que acompanhou a reoneração parcial dos combustíveis, no mês passado, e determina a cobrança de um imposto de 9,2% sobre as exportações de óleo bruto de março a junho.

O imposto foi instituído para compensar a queda na arrecadação com a desoneração de combustíveis, decretada no ano passado com o intuito de alavancar a reeleição de Bolsonaro. Além de fazer a reparação, a MP é um esboço de resposta ao desmonte da Petrobras operado desde o governo de Michel Temer, que implodiu a estrutura de refino e distribuição da estatal e criou o ramo extremamente rentável da exportação de óleo bruto, reimportado na forma de óleo diesel e gasolina refinados, principalmente dos Estados Unidos, com grande prejuízo ao País.

A decisão do governo, assim como a suspensão da venda de refinarias da Petrobras, vai na direção de reduzir a dependência do País da importação de diesel e outros derivados, estimular o refino interno, aumentar a autonomia e a segurança energética e contribuir para a reindustrialização. A MP tem, contudo, validade até junho. A curta duração talvez sinalize a intenção de testar as condições políticas para se perenizar a decisão, o que explicaria por que o governo Lula não lançou mão de uma lei de 1977 que garantiria a segurança jurídica da deliberação. Do ponto de vista estritamente jurídico, usar Medida Provisória em vez de lei não se justifica, entretanto, como se verá abaixo.

O Brasil, assentado sobre o pré-sal, é um dos países que menos taxa o setor

A Associação Brasileira de Empresas para Exploração e Produção de Petróleo e Gás, que reúne as companhias petrolíferas estrangeiras em operação no País, ingressou no Supremo Tribunal Federal na terça-feira 14 com ação contra a Medida Provisória. A Abep alega que a taxação deve ter caráter regulatório, não arrecadatório, e questiona a insegurança jurídica que o efeito imediato da Medida Provisória traria aos investidores. A ação no Supremo dá sequência a vários mandados de segurança de Shell Brasil, Equinor, Petrogal, Repsol Sinopec, Total Energies e Prio contra a MP.

Uma semana antes da ação da Abep, o Novo e o PL, partido do ex-presidente Jair Bolsonaro, entraram no STF com duas Ações Diretas de Inconstitucionalidade para questionar a tributação. A confirmação de que se trata de ação sistemática e com caráter político em defesa de uma reserva de mercado altamente lucrativa para os combustíveis fósseis, em vez da transformação das petroleiras em empresas de energia, inclusive renovável, em linha com a tendência mundial, ficou evidente quando as petroleiras, por meio do Instituto Brasileiro do Petróleo, também se posicionaram, na sexta-feira 17, contra o aumento da adição do óleo biocombustível ao diesel, de 10% para 12%, decidido pelo Conselho Nacional de Política Energética.

A falta de boa comunicação por parte do governo aumenta o espaço para os defensores do mercado máximo e do Estado mínimo questionarem o imposto. O grande beneficiário da tributação das petroleiras é o povo, aponta o especialista em petróleo Paulo Cesar Ribeiro Lima, engenheiro que trabalhou na Petrobras e como consultor do Senado e da Câmara Federal. “Bolsonaro isentou PIS, Cofins e CID da gasolina e agora a tributação voltou com Lula, mas não voltou cheia. Os tributos somavam 69 centavos, foram zerados e agora passaram para 47 centavos. Apesar de o povo ser o grande beneficiado com esse imposto de exportação, ele não tem a menor noção disso, ele não sabe que paga menos pela gasolina no posto por causa do imposto de exportação do petróleo.” Falta uma campanha de informação, diz, para deixar claro que a receita não vai para o governo.  Não vai aumentar a carga tributária, pois o que o governo recebe aqui, devolve ali. “É política industrial, para ampliar o refino no Brasil. Era preciso fazer a comunicação disso.”

Outro grande beneficiado do imposto de exportação do petróleo, prossegue Ribeiro Lima, é o usineiro, que “se deu bem”, porque os tributos federais voltaram na gasolina, mas não no álcool. Eram de 24 centavos por litro de etanol antes da desoneração, zeraram o imposto e agora ele foi elevado para apenas 2 centavos. “Os usineiros agora não vão ter problema nenhum para vender, eles podem até subir o etanol que ainda vai ficar bem abaixo da gasolina.” Esse grupo empresarial fazia pressão para o etanol subir, agora tem margem para elevar o preço, com auxílio do imposto de exportação sobre o petróleo.

Gilberto Bercovici, professor titular de Direito Econômico e Economia Política da Faculdade de Direito da USP, questiona a escolha de uma Medida Provisória para implantar a decisão do governo, que considera correta. “Existe o Decreto-Lei 1.578, de 1977, que autoriza cobrar imposto de exportação, com alíquota definida por decreto. Faz parte dos impostos que costumamos considerar como instrumentos de política econômica”, pondera o acadêmico. Se falta tomate no Brasil, compara, o governo reduz a alíquota de importação para comprar esse item no exterior e segurar o preço interno. Isso se faz por decreto, não precisa passar no Congresso, por envolver casos em que o governo deve dar uma resposta rápida.

Antiquado. Rever os subsídios é essencial para a transição verde da economia – Imagem: iStockphoto

O motivo de não terem cobrado antes o imposto de exportação de petróleo é claro. Simplesmente, estavam privilegiando as petroleiras, sublinha Bercovici. “O Brasil é um dos países que menos tributam a exploração de recursos naturais. Os ­royalties de mineração sempre foram muito mais baixos, comparados ao que se cobra em países como a Austrália e o Canadá. É a mesma coisa no caso do petróleo. Todo mundo quer agradar às petroleiras.”

A “MP do Trilhão” do governo Temer garante isenção fiscal às empresas até 2040

Segundo o professor, não foi por acaso que aprovaram no governo Temer uma isenção fiscal gigantesca para as petroleiras, na chamada “Medida Provisória do Trilhão”, convertida na Lei 13.586, de 2017. As petroleiras pagam pouco imposto sobre o petróleo, só que o produto, assim como o minério, é um bem esgotável. “O Brasil é o único país que cobra pouco. Talvez a África também cobre pouco. Mas, se comparar com países um pouco mais estruturados, a tributação brasileira de royalties, do imposto de exportação, enfim, dos minérios e do petróleo, é baixíssima.”

A aprovação da “MP do Trilhão” garante até 2040 benefícios fiscais a empresas petrolíferas que exploram os blocos das camadas pré-sal e pós-sal e estende as isenções à importação de máquinas e equipamentos empregados nas atividades de exploração. A oposição acusou, à época, o governo Michel Temer de favorecer as empresas estrangeiras e entregar o patrimônio natural do País a agentes internacionais.

“Por causa da MP do Trilhão, convertida em lei, a Shell Brasil, maior produtora estrangeira de petróleo no País, apresentou prejuízo contábil em 2018, mesmo sendo extremamente lucrativa. A francesa Total, que opera no pré-sal, também apresentou prejuízo”, denunciou Ribeiro Lima na Câmara dos Deputados, após a aprovação da MP. A Shell participa dos campos que apresentaram maior rentabilidade no pré-sal, que são os de Lula e Sapinhoá. “Mantido o padrão de deduções da Shell e outras empresas”, acrescentou à época o especialista, “a redução de arrecadação, a valor presente, pode ser de 1,8 trilhão de reais. Em valores nominais, a renúncia fiscal seria de 4,2 trilhões.” A primeira decisão do Poder Judiciário sobre o pedido das petroleiras, tomada pela 16ª Vara da Justiça Federal do Rio de Janeiro, negou o pedido conjunto de cinco companhias para não pagarem o novo imposto de exportação. •

Publicado na edição n° 1252 de CartaCapital, em 29 de março de 2023.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘O show do trilhão’

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