Cultura
O retorno do fazedor de hits
Michael Sullivan renasce como Ivanílton, seu nome de batismo, no primeiro álbum de inéditas em 28 anos


No ano passado, Michael Sullivan ligou para a cantora e eventual parceira Alice Caymmi para mostrar o esboço de uma composição. A conversa rendeu tanto que ele se animou a gravar um novo disco, o primeiro de material inédito em 28 anos. Alice, não à toa, ganhou papel de destaque no projeto. “Pedi para ela produzir o disco”, diz o cantor e compositor, que deixou para ela a escolha de instrumentistas e convidados.
Ivanílton, o resultado da empreitada, chegou na quinta-feira 22 às plataformas de streaming. O álbum reúne 11 canções que se alternam entre rock estilo anos 1960, valsas, tangos, soul music e, é claro, baladas. “Por um momento pensei em batizá-lo de Hotel Sullivan, porque hospedo gêneros musicais diferentes e convidados de diversas gerações”, diz.
Mas ele optou, no fim, por um título que tem a ver também com resgate de identidade. Ivanílton é seu nome de batismo, substituído por um pseudônimo por sugestão de uma gravadora. “O Ivanílton é uma espécie de Clark Kent: tem de sofrer para o Sullivan surgir como Super-Homem”, brinca.
Nascido no Recife, 73 anos atrás, e criado no interior de Pernambuco, Ivanílton de Souza Lima conheceu a miséria de perto. Perdeu o pai na infância e encontrou na música uma maneira de ajudar no sustento da família. Adolescente, apresentava-se em bandas de baile e orquestras e aos 17 anos mudou-se para o Rio. Dormiu em bancos de praça e passou fome antes de se enfronhar no meio musical carioca.
De Hyldon (de Na Rua, na Chuva e na Fazenda) recebeu dicas sobre composição, e de Tim Maia, as primeiras aulas de violão. No início dos anos 1970, tornou-se o vocalista do Renato & Seus Blue Caps, grupo surgido no período da Jovem Guarda.
Em 1976, compôs My Life, balada em inglês, para a trilha da novela Casarão. Foi, justamente, para interpretar My Life que, por sugestão dos executivos da gravadora, adotou o pseudônimo. Michael foi uma homenagem a Michael Jackson. Sullivan ele pinçou de uma lista telefônica que trazia os números do estado de Nova York. “Tem gente que nunca se acostumou com o meu nome artístico”, conta. “O Tim Maia só me chamava de Michael Sullivan quando queria me dar bronca.”
As mais de 700 canções da dupla Sullivan & Massadas foram quase sempre atacadas pela crítica
Sullivan formou, ao lado do também cantor e compositor Paulo Massadas, uma das maiores parcerias da história do pop brasileiro – em número de canções, perdem apenas para Roberto & Erasmo. Ao longo dos anos 1980, eles criaram temas de novela, canções infantis e baladas para alguns dos principais nomes da MPB.
A crítica tratava-os a pedradas, apontando a suposta baixa qualidade das composições que grudavam feito chiclete. “Os jornalistas vinham do período militar, quando era natural que houvesse canções de protesto. Com o fim da ditadura, o público queria canções de amor”, diz Massadas.
Eles chegaram a ser acusados de manchar a trajetória de Fagner e Gal Costa, que gravaram composições da dupla. “Sullivan, além de grande compositor sintonizado com a massa, autor de várias canções que estão na boca do povo, sempre foi um amigo querido”, desdiz Fagner.
Outra pecha que recaía sobre eles era a de que seriam favorecidos pelo esquema de jabá – a gravadora deles, a BMG, gastaria uma boa soma para que as canções da dupla tocassem no rádio sem parar. “Jabá nunca estourou música ruim. Fizemos sucesso porque somos bons”, diz, convicto, Sullivan. Entre os dez discos mais vendidos da história da indústria fonográfica brasileira, quatro possuem a assinatura deles.
Para Alice Caymmi, que tem 33 anos e faz parte da geração que cresceu com os hits da dupla, a qualidade do repertório mora na melodia. “A melodia do Sullivan sempre foi impecável. É o carro-forte dele”, diz ela. “(Para produzir o álbum) usei o recorte do meu olhar afetivo sobre quem ele é, mas coloquei também um olho no futuro.”
Ivanílton confirma o talento do cantor e compositor para bolar sucessos em diferentes gêneros, em especial nas baladas. É tocante seu dueto com Ana Carolina em Tudo Vale a Pena. “Ela pediu para mudar um pouco da letra e eu deixei. Quando a gente ouviu, choramos juntos”, conta Sullivan.
Dentre os intérpretes da nova geração, o álbum traz o pernambucano Almério em À Deriva, canção de acento soul que remete a Tim Maia; a mineira Roberta Campos, que empresta seu canto delicado a Onde For; e a gaúcha Filipe Catto, que se apropria, com força, de Fale por Você.
Em um período no qual o pop traz o predomínio da batida sobre a melodia, Ivanílton soa quase como uma volta a outros tempos. “O tempo passa e as canções do Sullivan se mantêm revigoradas, passando emoção numa época de canções que, de tão pobres, mais se assemelham a jingles”, diz Alexandre Hovoruski, diretor artístico da Rádio Alvorada FM, de Belo Horizonte. Jingle, aliás, é outra tarefa que ele conhece e faz muito bem: Leva, sucesso na voz de Tim Maia, era uma canção promocional criada para uma rádio de São Paulo.
O processo de renascimento artístico dos dois hitmakers incluirá, este ano, o lançamento do documentário Sullivan & Massadas: Retratos e Canções, do Globoplay, dirigido por André Barcinski, com argumento dele e de Pedro Bial. Foi no programa de Bial que, em 2022, a dupla, separada desde 1994, se reencontrou. Entre as mais de 700 canções assinadas por eles estão as incontornáveis Um Dia de Domingo (Gal Costa e Tim Maia), Deslizes (Fagner) e Lua de Cristal (Xuxa). •
Publicado na edição n° 1252 de CartaCapital, em 29 de março de 2023.
Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘O retorno do fazedor de hits’
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