

Opinião
Zebras à solta
Tanto nos campeonatos estaduais, no Brasil, quanto nas disputas europeias, a inconstância dos times leva a resultados surpreendentes


Como tenho escrito aqui algumas vezes, a instabilidade que vem marcando o mundo nos últimos tempos tem reflexos em várias dimensões da vida. E o esporte não escapa disso.
Por aqui, especialmente no futebol, os confrontos entre torcedores – algo que não vem de hoje – tornam-se novamente uma questão muito sensível, à qual temos feito referência com muita assiduidade neste espaço.
Apesar das medidas já adotadas, como a torcida única e o afastamento de mulheres e crianças dos estádios, a briga entre os torcedores do Vasco e do Flamengo, no início deste mês, mostra que, ao contrário de arrefecerem, as tensões só têm crescido.
Com o aumento das demonstrações de agressividade cresce também a busca por medidas capazes de aplacar tamanha violência. Discute-se, por exemplo, a punição individual daqueles diretamente envolvidos nos conflitos. Mas essa ideia é refutada pelos responsáveis pela manutenção da ordem, sob a alegação de que é impossível identificar os agressores sem a utilização de câmeras de filmagem.
Sabemos que a situação é complexa e que, portanto, a solução para ela tampouco é simples. É, porém, necessário encontrar saídas urgentes para isso. O que vemos, afinal de contas, é que os intervalos entre os episódios de violência no futebol têm se tornado cada vez menores. No que diz respeito à organização dos campeonatos esportivos em si, também tem aumentado a procura por mudanças nas formas de organização.
No futebol brasileiro, seguem a disputa e a busca de consenso entre a Liga Forte Futebol (LFF) e a Liga do Futebol Brasileiro (Libra). São esses os dois grupos que pretendem assumir a direção das disputas, em uma espécie de terceirização internacional, já que tanto LFF quanto Libra têm o suporte de investidores estrangeiros. A Confederação Brasileira de Futebol (CBF) ficaria com as seleções nacionais, o que não é pouco.
Vem, portanto, em boa hora a Frente Parlamentar para a Modernização do Futebol, criada pelo presidente Bandeira de Melo. Enquanto isso, acompanhamos a divulgação das datas para as eliminatórias da Seleção Brasileira. Os primeiros jogos estão marcados para setembro, e nós continuamos à procura de um novo técnico e sua comissão. A demora traz a esperança de que o processo de escolha esteja sendo pautado por critérios sólidos.
No plano mais alto da administração futebolística, a Federação Internacional de Futebol (Fifa) anuncia modificações no formato das disputas dos mundiais de clubes e de seleções. O intervalo para o torneio de clubes passa a ser de quatro anos e o número de países participantes passou para 32. Assim, pelos novos critérios, o Palmeiras e o Flamengo já estão classificados para 2024.
Os clubes, células mater do esporte, também passam por adaptações, com as estruturas do modelo de Sociedade Anônima do Futebol (SAF), que, dada a configuração política e econômica atual, afunilam cada vez mais a qualidade dos espetáculos, basicamente, para a Europa. Assim, dentro do campo, vão aparecendo os resultados de alguns caminhos escolhidos.
O Manchester City acaba de derrotar a filial alemã do sistema RB, o Leipzig, por 7×0, nas oitavas de final da Liga dos Campeões. Poucos dias antes, o Liverpool também havia derrotado, com um placar igualmente assustador de 7×0, o poderoso Manchester United. O que poderia ser um acidente talvez seja, na verdade, sintomático.
No plano interno, os campeonatos estaduais caminham para o encerramento do mesmo modo: sem constância e com muitas surpresas. Em São Paulo, depois das derrotas do Corinthians e do São Paulo, o único dos grandes a sobrar foi o Palmeiras. No Rio, o Botafogo leva seus torcedores ao desespero: não está entre os quatro finalistas.
Isso tudo com as equipes disputando, ao mesmo tempo, Copa Brasil, Copa do Nordeste, Sul-Americana e Libertadores. Não à toa, as zebras andam desembestadas neste início de temporada. Volto assim ao início deste texto: instabilidade total.
Em termos de qualidade técnica, uma surpresa alvissareira foi o último jogo entre Vasco e Flamengo. Vimos dois times bem treinados disputando em igualdade até o final, quando prevaleceu a análise prévia do técnico vascaíno: “O Flamengo, no momento, conta com jogadores mais acostumados a jogos decisivos”. Não deu outra, Flamengo 3 a 2.
O destaque individual da semana ficou por conta do português Nuno Santos, do Sporting de Lisboa, que fez um golaço de “pelada” aplicando uma “chaleira” no ângulo adversário. A torcida quer vê-lo candidato ao Prêmio Puskás. Ele merece. •
Publicado na edição n° 1251 de CartaCapital, em 22 de março de 2023.
Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Zebras à solta’
Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.
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