Mundo
O vendaval Schlein
Uma mulher de 37 anos assume a liderança do Partido Democrático, herdeiro do PCI, busca a maioria parlamentar e ameaça o governo de extrema-direita de Giorgia Meloni


Escreveu dias atrás o New York Times que uma mulher surgiu na política italiana para enfrentar o atual governo de extrema-direita da premier Meloni. O pleito interno do Partido Democrático, herdeiro do PCI, contou com a participação de mais de 1 milhão de militantes e consagrou como secretária-geral Elly Schlein. Ela já havia atuado politicamente por integrar o governo de Stefano Bonaccini, presidente da Região Emilia-Romagna.
Afirma o correspondente romano do jornal nova-iorquino: “É difícil encarnar a mudança na Itália esquecendo a senhora Schlein. Ela abalou um país que parecia destinado somente aos velhos. Um de seus avós era judeu ucraniano e migrou aos Estados Unidos, onde viveu na cidade de Elizabeth, no estado de New Jersey. O outro avô, italiano, tornou-se parlamentar socialista, recusou-se a envergar a camisa preta dos fascistas e foi um defensor de judeus nos processos movidos contra eles na Itália, quando Mussolini editou leis raciais na esteira de Hitler. Esta história familiar tornou Elly muito sensível ao que o nacionalismo provocou no continente europeu”.
“É nacionalista a guerra que Putin move contra a Ucrânia”, afirma a nova secretária-geral. Nascida em Lugano, no cantão italiano da Suíça, é bissexual assumida e no momento vive com uma companheira fiel. Desde já se percebe a reviravolta em andamento na política italiana, boa razão para chamar Romano Prodi ao palco, aquele que foi premier e grande adversário de Silvio Berlusconi. Do alto da sua experiência de longo curso, Prodi aconselha Elly, já à procura de alianças: “Estou convencido de que Schlein deve definir a política do PD. Somente quando existe um objetivo preciso uma força política gera entendimento, mas não deve partir das alianças quando ainda lhe falta um programa. Há quem pergunte: será possível a colaboração entre Schlein e Bonaccini? Mas não deve ser provocada à força. Na minha visão, seria melhor se houvesse compatibilidade nas propostas, pois, conforme a dialética, é necessário haver colaboração até na diversidade”.
Conte: aliado certo. Prodi: conselhos preciosos. Bonaccini: o chefe na Região Emilia-Romagna – Imagem: Roberto Serra/AFP, Minako Sasako/Yomiuri/AFP e Eliano Imperato/AFP
Há quem acuse Schlein de ser radical demais e Prodi esclarece: “É acusada de radicalizar apenas em relação a temas que exigem radicalismo, como salário mínimo e defesa do emprego. Em relação a estes assuntos deve-se ser preciso e claro”. Acrescenta Prodi: “Schlein deve agregar à sociedade tarefa importantíssima que pretende que o centro-esquerda assuma a maioria no país. Alianças e aberturas devem ser realizadas, mas de forma a durar pelo tempo necessário”.
A maioria parlamentar para governar é, no momento, o objetivo de Schlein. Em primeiro lugar, aliança com outro ex-premier, Giuseppe Conte, líder do partido 5 Estrelas. Ambos participaram, em Florença, de uma manifestação antifascista promovida há poucos dias pelos estudantes. O primeiro compromisso eleitoral para Schlein serão as eleições europeias de 2024. “Sinto o peso da responsabilidade. Serei a secretária de todos. Comove-me a contribuição dos jovens que foram os mais atingidos pela crise econômica e pela pandemia. A vitória que conseguimos somente terá sentido se lograrmos reconstruir um novo PD. O povo democrático existe. Precisamos de vocês, das vossas competências e da vossa paixão.”
O processo de filiação ao PD já está em andamento e, nos primeiros lances, em menos de uma hora chegaram 1,5 mil pedidos. O alcance do discurso de Schlein vai muito além das fronteiras italianas e uma vitória nas próximas eleições europeias também pode assinalar mudança sensível nas políticas da EU, tanto no que respeita à guerra de Putin contra a Ucrânia quanto às ligações entre os Estados integrantes do bloco. •
Publicado na edição n° 1250 de CartaCapital, em 15 de março de 2023.
Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘O vendaval Schlein’
Apoie o jornalismo que chama as coisas pelo nome
Depois de anos bicudos, voltamos a um Brasil minimamente normal. Este novo normal, contudo, segue repleto de incertezas. A ameaça bolsonarista persiste e os apetites do mercado e do Congresso continuam a pressionar o governo. Lá fora, o avanço global da extrema-direita e a brutalidade em Gaza e na Ucrânia arriscam implodir os frágeis alicerces da governança mundial.
CartaCapital não tem o apoio de bancos e fundações. Sobrevive, unicamente, da venda de anúncios e projetos e das contribuições de seus leitores. E seu apoio, leitor, é cada vez mais fundamental.
Não deixe a Carta parar. Se você valoriza o bom jornalismo, nos ajude a seguir lutando. Assine a edição semanal da revista ou contribua com o quanto puder.