Arthur Chioro

Ex-ministro da Saúde

Opinião

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Contra catástrofes, ações

Embora tenha sido decorrente do maior índice pluviométrico já registrado, a calamidade no litoral paulista reforça a necessidade de medidas preventivas e coordenadas

Contra catástrofes, ações
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Situações catastróficas têm se repetido no País. O incêndio da Boate Kiss (2013) resultou em 242 mortos. O rompimento da barragem em Mariana (2015) deixou 19 mortos. O rompimento da barragem em Brumadinho (2019), o maior acidente de trabalho no Brasil em perda de vidas humanas e o segundo maior desastre industrial e ambiental do século, resultou em 270 mortos.

O temporal que caiu na Baixada Santista, litoral de São Paulo, em 2020, provocou deslizamentos de terra e deixou 45 mortos, sendo 34 no Guarujá. Nada comparado ao que se viu em Petrópolis, em 2022, quando enchentes e 775 deslizamentos de terra produziram 241 vítimas fatais.

Ainda que a devastação de parte do Litoral Norte paulista no feriado de Carnaval tenha decorrido do maior índice pluviométrico já registrado, as perdas humanas e materiais incalculáveis reiteram a necessidade de se manter, em caráter permanente, o Plano Nacional de Preparação e Resposta às Emergências de Saúde Pública, literalmente abandonado no último governo.

Constatar que o presidente Lula, o governador de São Paulo e os prefeitos da região afetada estão agindo de forma integrada é alentador. Mas não basta. É preciso agir de forma preventiva, preparando respostas integradas para situações com potencial de desastre. Na área da saúde é preciso agir, sobretudo, em três frentes.

A primeira, voltada à redução do risco, depende de ações de prevenção, mitigação e preparação, por meio da elaboração de planos voltados aos desastres e redução dos seus impactos na saúde. A segunda exige o adequado manejo do desastre e compreende as ações destinadas aos sinais de alerta, à manutenção das atividades de rotina e à intensificação da demanda por atendimento. A terceira é a recuperação dos serviços de saúde, garantindo-se que voltem à normalidade e que tenham as estruturas físicas, eventualmente comprometidas, reconstruídas.

Algumas questões se impõem como prioridades do ponto de vista sanitário. A primeira é o pronto-atendimento das vítimas, que sofrem graus variados de lesões, traumas, afogamentos e outras injúrias. O SAMU-192 tem papel destacado no socorro imediato das vítimas e no transporte, seguro e regulado, para a Rede de Urgências e Emergências, com serviços como UPA, e hospitais capazes de garantir acesso e acolhimento aos casos agudos, contemplando a classificação de risco e intervenção adequada aos diferentes agravos.

A garantia de outras ações visando cuidados de saúde voltados às vítimas e aos trabalhadores que atuam no resgate e reconstrução das localidades atingidas também é fundamental.

A primeira delas é o imediato restabelecimento da oferta de água com qualidade para consumo humano. Muitas doenças de veiculação hídrica, como cólera e manifestações diarreicas agudas, além de doenças com sintomas mais tardios, como Hepatite A, febre tifoide e infecções por parasitos intestinais, são graves ameaças àqueles envolvidos nas catástrofes.

Nas áreas de inundação costumam ocorrer surtos de leptospirose, doença causada pelo contato com água ou lama impregnadas pela urina de roedores contaminados e que apresenta alta taxa de letalidade. A ação oportuna e eficiente das equipes médicas e das secretarias municipais de Saúde pode evitar óbitos e prevenir novos casos.

A exposição das pessoas a condições meteorológicas adversas (umidade, frio, vento), o deslocamento de suas residências e a estada temporária em abrigos podem favorecer a disseminação de doenças de transmissão respiratória, tais como gripe, meningites, sarampo, rubéola, difteria, coqueluche e tuberculose.

Ampliar a cobertura vacinal das pessoas expostas, em particular contra o tétano, é um desafio imediato tanto quanto lidar com os riscos de acidentes por animais peçonhentos e de surtos de dengue.

Vale destacar ainda a necessidade de ações emergenciais de apoio a quem sofre transtornos mentais. Os impactos, afinal de contas, não são estritamente de ordem material. Muitos perdem entes queridos, lidam de perto com a morte e veem seus planos de vida destruídos – inclusive os trabalhadores da saúde que vivem nas localidades atingidas. Daí a importância do suporte à saúde mental.

Para que tudo isso seja possível, é preciso apoio dos governos estaduais e da União. A constituição e o fortalecimento da Força Nacional de Saúde do SUS é, portanto, cada vez mais necessária. Espera-se que o País possa se preparar de forma mais adequada e consistente para o enfrentamento de situações de calamidade. É possível e é preciso avançar nesse sentido. •

PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1248 DE CARTACAPITAL, EM 1° DE MARÇO DE 2023.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título “Contra catástrofes, ações”

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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