Paulo Nogueira Batista Jr.

paulonogueira@cartacapital.com.br

Economista. Foi vice-presidente do Novo Banco de Desenvolvimento, estabelecido pelos BRICS em Xangai, e diretor-executivo no FMI pelo Brasil e mais dez países

Opinião

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Paz na Ucrânia

Um armistício nunca está fora do alcance

Paz na Ucrânia
Paz na Ucrânia
Ucranianos em frente aos destroços da guerra na região de Kharkiv. Foto: YASUYOSHI CHIBA / AFP
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Confirmando o que previ mais de uma vez nos dois últimos anos, Lula começou a se posicionar como possível mediador para a solução da guerra na Ucrânia. O vira-latismo nacional está uivando em grande estilo e não falta quem considere descabida e até ridícula a intenção do nosso presidente da República. É verdade, claro, que mediação só haverá se e quando os envolvidos na guerra, direta ou indiretamente, estiverem interessados nisso. Mas Lula prepara o terreno e já explicou, em linhas gerais, que pretende ajudar a criar um grupo de países amigos ou neutros que possam estabelecer uma ponte entre as partes em conflito. Ele não mencionou, até onde eu sei, mas imagino que esse grupo poderia incluir, além do Brasil, a Turquia, Israel, China, Índia, Indonésia e África do Sul, por exemplo.

Bem sei que não há perspectivas de solução a curto prazo. Como subestimar a gravidade da situação? A Rússia considera que vive uma ameaça existencial. O Ocidente, principalmente os Estados Unidos, considera que a sua hegemonia e sua autoridade mundial foram postas em xeque pela invasão da Ucrânia.

No entanto, a paz nunca está fora do alcance. Como lembrou a ex-presidenta ­Dilma Rousseff, em entrevista a Léo ­Attuch do 247, no ano passado, uma guerra que não pode ser resolvida no campo de batalha, tem de ser resolvida pela via diplomática. E a chave para uma solução, disse ela com razão, é encontrar uma fórmula que possa ser apresentada por todos ou quase todos os lados em guerra como vitória. Difícil? Sempre. Não impossível, porém.

Arrisco esboçar alguns elementos do que seria, no meu modesto entender, uma possível solução diplomática, que contentaria em alguma medida todos ou quase todos os envolvidos. Considere, leitor, o que segue apenas como um exemplo do que poderia ser construído.

A Rússia retiraria todas as suas tropas das regiões da Ucrânia, Donbas e outras, invadidas desde 2021. Abandonaria, ­ipso facto, o seu reconhecimento das repúblicas separatistas no Leste da Ucrânia. Antes, porém, a Ucrânia aprovaria, refletindo a diversidade do país, uma reforma constitucional que a converteria de república unitária em república federativa, em linha com as promessas feitas nos acordos de Minsk, de 2014 e 2015. Todas as províncias da Ucrânia, em especial as preponderantemente russófonas, ­Lugansk e Donetsk, teriam autonomia relativa e o direito de eleger seus governadores (até hoje sempre foram indicados por Kiev) e suas assembleias estaduais.

A língua russa seria estabelecida ou restabelecida como língua nacional, juntamente com o ucraniano e talvez outras faladas no país, assegurando-se total liberdade de publicação, ensino e comunicação em russo. Ficaria com a Rússia, a Crimeia, de maioria esmagadoramente russa, e que foi incorporada ao país em 2014, depois de referendo em que mais de 93% votaram pela incorporação. A Ucrânia e o Ocidente assumiriam o compromisso de não admitir a Ucrânia na Otan, mas ela poderia, cumpridos os exigentes requisitos europeus, entrar para a União Europeia em algum momento futuro. Seria talvez necessário incluir, também, um compromisso de desnazificação da Ucrânia, há bastante tempo infestada por grupos violentos de extrema-direita muito envolvidos na escalada que levou à guerra. Os ocidentais suspenderiam as sanções contra a Rússia à medida que os acordos fossem cumpridos e descongelariam as reservas internacionais russas que foram bloqueadas em represália à invasão da Ucrânia. A Rússia se comprometeria, por sua vez, a ajudar na reconstrução da Ucrânia, que é, afinal, uma nação irmã, do mesmo espaço histórico e cultural, e que só por uma sucessão de equívocos e maquinações foi levada a esta guerra.

Viável? Talvez. O Ocidente se declararia vitorioso: a Rússia, forçada a abandonar seu suposto projeto expansionista, teria sido obrigada a retirar todas as suas tropas, a aceitar um eventual ingresso da Ucrânia na União Europeia e, ainda, a ajudar na reconstrução do país. A Rússia se declararia vitoriosa também: obteria o reconhecimento da Crimeia como russa, a autonomia das populações russófonas no leste da Ucrânia, a não­ ­entrada da Ucrânia na Otan e o compromisso de desnazificação do vizinho.

Não sei de nada do que está sendo cogitado em Brasília a esse respeito. Mas acredito que Lula, juntamente com outros líderes de países mediadores, poderá, sim, ter um papel importante no encerramento da guerra, aproveitando, inclusive, a circunstância feliz de que o Brasil presidirá o G-20 em 2024, foro de líderes que, como se sabe, inclui todas as principais nações desenvolvidas e emergentes. Lula, inclusive, já transmitiu a Emmanuel Macron o seu desejo de que o G-20 volte a ser um grupo político, em que os líderes se reúnam para discutir face a face, em conjunto, os desafios do planeta, deixando de ser o que tem sido, há muitos anos – um grupo meio esvaziado, em que as responsabilidades e discussões foram terceirizadas a burocratas dos países membros. •

PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1248 DE CARTACAPITAL, EM 1° DE MARÇO DE 2023.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título “Paz na Ucrânia”

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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