Entrevistas
Nem barbárie nem insegurança
O governo vai unir equilíbrio fiscal e responsabilidade socioambiental, diz o ministro Alexandre Padilha


Alexandre Padilha, ministro da Secretaria de Relações Institucionais da Presidência da República, é o retrato da urgência do governo. Em última instância, caberá a Padilha polir as relações congressuais que permitirão ao Executivo tirar do papel uma agenda ambiciosa. A lista inclui, entre outros, a reforma tributária, o novo marco fiscal, a reorganização dos programas sociais, a atualização da lei de incentivo à cultura, regras de combate à mudança climática e a criação de um arcabouço jurídico que puna quem ousar dar um golpe como em 8 de janeiro. Padilha, claro, tem pressa. E confiança. “Vamos experimentar novamente”, diz, “a combinação de três fatores que aconteceram nos oito anos anteriores do governo Lula: crescimento, redução da desigualdade e equilíbrio das contas públicas.” A íntegra da entrevista está no Youtube:
Juros e Banco Central
Não deve ser tabu o presidente da República, a imprensa, os comentaristas, acadêmicos e o próprio Congresso debaterem a taxa de juros. A lei que garante a autonomia estabelece objetivos muito claros para o Banco Central. Eles são quatro: estabilidade econômica, efetividade do sistema financeiro, suavização da flutuação da atividade econômica e fomento ao pleno emprego. Será que faz sentido o Brasil ter a taxa de juros que tem hoje? Quando se desconta a inflação, ela é muito desproporcional àquela praticada em outros países. Influencia o custo de investimento dos empresários e, por consequência, a geração de empregos.
Com o presidente Lula, o País voltou à Copa do Mundo da política internacional. Estamos criando um ambiente muito positivo para trazer investimento e voltar a crescer, mas a taxa de juros não pode ser uma barreira. Não existe, porém, nenhuma discussão no governo para mudar a atual lei de autonomia do Banco Central. O que existe é um debate público comum em todos os países do mundo.
Política econômica
Vamos experimentar novamente, não tenho dúvidas, a combinação de três fatores que aconteceram nos oito anos anteriores do governo Lula: crescimento, redução da desigualdade e equilíbrio das contas públicas. Qual a situação atual? Primeiro, o Brasil reposiciona-se no mundo e volta a ser um polo de atração do investimento externo. Depois, o País torna-se protagonista nos debates da agenda ambiental. Não vejo, no momento, nenhum cenário de esgotamento da capacidade do setor privado de ofertar crédito. Há instrumentos, tanto nacionais quanto internacionais, novos mecanismos de financiamento da atividade produtiva, novos recursos. Os bancos públicos não precisam concorrer com os privados, existe, ao contrário, a possibilidade de combinação entre eles. Isso em um ambiente de sinergia entre a responsabilidade fiscal e a responsabilidade socioambiental. Um país sem responsabilidade socioambiental vive na barbárie. É o que vemos na tragédia Yanomâmi em Roraima. Um país sem responsabilidade fiscal gera insegurança. Não queremos nenhuma das duas coisas: nem barbárie nem insegurança.
“É importante dar um passo à frente para reduzir os impostos dos mais pobres”
União Brasil
Tínhamos o desafio, na montagem inicial do governo, de combinar algumas diretrizes, a começar pela diversidade. Este é o ministério com o maior número de mulheres e negros da história, embora ainda não seja o ideal ou o adequado. Todas as regiões do País estão representadas na equipe. No caso do União Brasil, os nomes foram indicados não só pelo senador Davi Alcolumbre, mas também pelo presidente da legenda e líderes de bancadas regionais. Tivemos a primeira reunião do conselho político da coalizão, com 17 partidos na mesa. Alguns com quadros indicados para o governo, outros que nem vão indicar nomes, mas querem debater, interagir. É uma frente extremamente ampla.
Reforma tributária
Não estabeleço prazos no Congresso e não posso afirmar que a reforma tributária será aprovada até o meio do ano. Acredito, porém, que ela passará, dado o sentimento de urgência em torno do assunto. O governo, acho, acerta na estratégia. Em vez de elaborar um novo projeto, busca aproveitar aqueles que estão no Congresso. Saúdo a iniciativa do presidente da Câmara, Arthur Lira, de criar um grupo de trabalho para unificar as duas propostas que tramitam na Casa. Também é possível aproveitar as discussões anteriores no Senado. O ambiente é positivo. Não é só vontade do Executivo. Segmentos econômicos e até partidos de oposição querem avançar na discussão. Talvez não seja a reforma ideal, mas será a possível. É importante dar um passo à frente para reduzir os impostos dos mais pobres, de quem vive de salário, e simplificar o sistema para estimular os empresários a investir e gerar empregos.
Pautas prioritárias
É importante consolidar a resposta ao golpe de 8 de janeiro. Estava em Brasília naquele dia. Fui para o gabinete do Flávio Dino, ministro da Justiça. Conseguimos estancar por meio da ação institucional e política. Foi um fato essencial, 24 horas depois, ter os 27 governadores reunidos no Palácio do Planalto. E, após 48 horas, o Congresso aprovar a intervenção federal. Bem, o mundo discute como regular e impedir que ameaças às instituições sejam organizadas pelas redes sociais. Há um projeto, aprovado no Senado e em discussão na Câmara, sobre fake news. Iniciamos um diálogo com o deputado Orlando Silva, um dos relatores. Queremos combater esses crimes. Além disso, há o novo marco fiscal. Em abril, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, deve apresentar uma proposta ao Congresso. O projeto visa estabelecer regras que ultrapassem governos, garanta segurança aos investimentos. Há ainda os temas relacionados à cultura. Acabo de sair de uma conversa com a ministra Margareth Menezes. Vamos trabalhar na criação de uma nova lei de fomento, que chegue aos pequenos produtores. Temos mais de 6 bilhões de reais para investir no setor. Sem falar na agenda ambiental, no combate às mudanças climáticas. •
PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1247 DE CARTACAPITAL, EM 22 DE FEVEREIRO DE 2023.
Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título “Nem barbárie nem insegurança”
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