

Opinião
Na contramão
Enquanto Lula busca reconstruir o Estado brasileiro, o governador Ratinho Júnior intensifica o desmonte no Paraná


Pode parecer clichê, mas dizer que desejo o melhor para o seu estado e para o seu País é, realmente, o que eu espero para os próximos anos. No entanto, diante das adversidades políticas que levaram à reeleição do governador paranaense em contraponto à vitória de Lula, no cenário federal, não há como demonstrar preocupação diante da diferença das promessas de campanha de cada um. São caminhos e ideias opostas, mas como isso vai se convergir e trazer algo de positivo para a população paranaense?
Torço para que esses quatro anos passem logo. É isso! Começamos o ano encarando os reflexos da atrapalhada venda da Copel, que pode ser cancelada a qualquer momento. Mas como esse revés pode atrasar o debate de pautas mais importantes para o desenvolvimento do Paraná? Não é de hoje, esse discurso privatista de Ratinho Jr. tem intensificado o desmonte do estado. Se, antes, ele tinha apoio de um presidente irresponsável, agora, vai tentar de todo jeito insistir em pautas liberais que prejudiquem o todo, mesmo que isso custe uma briga sem precedentes com o governo federal.
O primeiro grande caso dos gênios governamentais paranaenses foi a venda da Copel Telecom, cujo presidente indicado pelo governador acabou virando diretor-presidente da empresa privada no período posterior à venda. Sim! Volte e leia novamente. Foi isso mesmo o que você entendeu. O Paraná vendeu uma empresa que garantia lucro, autonomia digital e acesso para todas as escolas e instituições públicas, para pagar à mesma empresa o acesso que tínhamos quando era pública.
Passamos o mandato anterior discutindo o novo modelo de pedágio, que fez o Paraná sofrer por décadas, e que a população não viu converter em melhorias, além dos escândalos de corrupção, desvios e tentativas. O que Ratinho Jr. fez? Descontos homéricos para que as coitadas das empresas não sofressem. Sim, priorizou as concessionárias e virou as costas ao povo.
Imagine você dever bilhões e precisar apenas pagar alguns milhões? É o saldão paranaense que come solto, à custa do reajuste dos servidores públicos, para primar pela ajuda às grandes empresas. Denunciamos os valores cobrados de forma errada, escancaramos na imprensa o escândalo do degrau tarifário, mas o que o governo fez? Não cobrou! Os deputados de oposição que acabaram fazendo o pedido via Justiça por causa da omissão. Pior: o governo Ratinho Jr. elaborou um plano de pedágio novo, mais caro e perigoso, que tentam enfiar goela abaixo dos paranaenses outra vez.
Recentemente, nesse processo de desmonte do nosso estado, a venda das ações da Copel fez com que nos mobilizassem novamente. O governo do Paraná insiste em dar ares de modernidade a algo ultrapassado, que retira nossa autonomia como governo e repassa ao povo a responsabilidade em gerar lucros para as empresas. Querem privatizar a luz das casas das pessoas, medir algo tão básico com a régua do mercado. Dão desculpas como se a empresa continuasse sendo estatal, mas em qual planeta haveria um investidor privado pensando na população em vez de seus lucros?
Apoiado em pomposas verbas de propaganda e bons marqueteiros, o governo paranaense prima pelo ilusionismo
É tão absurda a ideia que nem o governo conseguiu falar em redução de preços quando defendeu seu modelo, porque sabe que não é o objetivo da nova empresa que querem tornar a Copel. Vendem, inventam motivos: a última que o governo paranaense lançou era que precisariam agora levantar fundos para renovar as concessões das usinas da Copel. Opa, espere um pouco… O governo venderia suas ações, mas quem paga e renova a concessão é a empresa, a Copel, não a administração estadual.
Falta de conhecimento ou má-fé? É como todos os pacotes de investimentos ou as grandes obras anunciadas pelo governador do Paraná, quase sempre acompanhados de algum porém. Falam de investimento estatal, mas depois vemos que o dinheiro, na verdade, veio do governo federal ou de algum acordo judicial. Anunciam migalhas, enquanto isentam de impostos grandes empresas, sem que tenham um mínimo de controle, transparência ou possibilidade de fiscalização. Um governo ilusionista, apoiado em pomposas verbas de propaganda, bons marqueteiros e um governador sem pudor de mascarar uma gestão inoperante, que tenta dar pinta de “case de sucesso” para conseguir vender para investidores.
Enquanto isso, em Brasília, acompanhamos o começo do governo Lula. Durante a campanha tivemos dois caminhos de discurso: o primeiro, conciliador, voltado para a ideia de que era preciso se unir contra o mal instalado na Presidência. O segundo, por sua vez, dizia que Lula teria aprendido com os erros do passado, estaria mais atento a quem tentou derrubá-lo para vender o Brasil para o capital estrangeiro.
Pois bem, o começo do governo foi voltado para o primeiro item, conciliador, tentando agradar a todos os partidos, para que pudessem compor uma grande frente, um grande acordo. A tal da governabilidade estava, enfim, iniciada. Um governo de transição, o caminho do meio, nem de esquerda nem de direita, mas que pudesse fortalecer as instituições e a democracia. O problema disso é que entra em rota de colisão com o segundo caminho. Afinal, aqueles que hoje lhe apertam a mão são os mesmos que entregam a soberania brasileira dia após dia para o mercado.
Se falarmos de tributos, a direita mente por aí que Lula não tem condições de isentar o Imposto de Renda de quem ganha até dois salários mínimos. A autonomia do Banco Central sempre foi um engodo. De autônomo não tem nada, só se decide a qual mestre deve servir, ao povo ou ao mercado.
Os vândalos de 8 de janeiro contribuíram para a coesão institucional entre os Poderes, e este início de governo acabou tendo de mostrar união e força contra golpismos e maluquices. Governadores, alguns a contragosto, foram impelidos a agir publicamente como força simbólica da União.
O caminho está traçado para os próximos quatro anos. Não deixarão retroagir, pequenas conquistas serão alcançadas e desejamos um Lula menos paz e amor, mais combativo, enérgico, sem ser complacente com os desejos do mercado, em contraposição às necessidades da população. Desejo que quatro anos passem rápido, para acabar o governo Ratinho e para que este governo de transição lulista consiga retomar os laços democráticos com o povo. A normalidade leva tempo e o povo passa fome. •
*Deputado estadual, líder da Oposição na Assembleia Legislativa do Paraná.
PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1247 DE CARTACAPITAL, EM 22 DE FEVEREIRO DE 2023.
Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título “Na contramão “
Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.
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