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Os seres mágicos de Alê Abreu

Sete anos após a indicação ao Oscar, o desenhista leva um novo universo fantástico às telas de cinema: Perlimps

Os seres mágicos de Alê Abreu
Os seres mágicos de Alê Abreu
Artesão. Desde seu primeiro curta-metragem, Espantalho (1998), o artista tem construído uma obra sólida e sincera - Imagem: Mário Miranda Filho/MostraSP e Vitrine Filmes
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Sete anos após ter concorrido ao Oscar de animação com O Menino e o Mundo (2013), Alê Abreu retornou às telas de cinema, na quinta-feira 9, com Perlimps, o maior projeto de sua carreira. Ser o maior, no seu caso, está longe de significar ser enorme. Artesão por natureza e convicção, o diretor, até O Menino e o Mundo, trabalhava praticamente sozinho nos projetos. Com Perlimps, foi diferente.

Luiz Bolognesi, roteirista de duas dezenas de filmes e diretor da animação Uma História de Amor e Fúria (2013), e Laís Bodanzky, diretora que trabalhou com o universo infanto-juvenil em As Melhores Coisas do Mundo (2010), embarcaram no projeto numa fase bem inicial. Além de terem sido produtores, ambos contribuíram com a construção da dramaturgia. A Sony Pictures, a Globo Filmes e o Gloob assinam a coprodução. “Acho que, sem o grupo com quem trabalhei, o filme seria muito mais difícil de entender, muito mais psicodélico. Cheguei a ouvir: ‘Você quer dizer isso, tudo bem, mas você não está dizendo’”, conta Abreu, rindo. Eu não queria fazer outro O Menino e o Mundo, queria entrar em novos universos e acho que fiz um filme mais aberto.”

Seu primeiro longa-metragem, Garoto Cósmico (2007), se passava em um universo futurista, no qual duas crianças que viviam no “mundo da programação” tomavam contato com as coisas simples da vida. O protagonista de O Menino e o Mundo, por outro lado, vivia de forma simples e, ao sair de casa em busca do pai, entra em contato com um mundo em constante e destruidor progresso.

A dupla central de Perlimps, Claé e Bruô, vem de dois reinos: o do sol, meio cigano, e o da lua, meio militarizado. Apesar de absolutamente diferentes, eles terão de aprender a conviver e a contar um com o outro no meio de uma floresta encantada.

Abreu conta que já estava trabalhando na ideia quando seu filho nasceu, em 2016. A partir daí, a relação com a infância, tema central de sua obra, foi sendo ressignificada. “Os filmes são sempre reflexo do momento que a gente vive”, diz. “Acho que Perlimps é sobre o rompimento da infância e a perda da inocência. A vida adulta impõe essa perda, e eu fico pensando em todas as vivências que ficam submersas na nossa memória.”

“Eu não queria fazer outro O Menino e o Mundo, e acho que fiz um filme mais aberto”, diz o diretor

Esta não é, porém, a única perspectiva de Perlimps. O filme traz em si a ideia de que as crianças também carregam as sementes de mudança do mundo. “Para a criança, tudo é possível. A criança entende perfeitamente o sentido de utopia. E eu acredito que essa crença infantil fica em algum lugar dentro da gente”, diz.

Enquanto em O Menino e o Mundo não havia nem roteiro formal nem diálogos – as poucas falas eram ditas em reverso, ou seja, eram ininteligíveis –, em Perlimps o roteiro e a escrita se tornaram elementos fundamentais. Alguns diálogos foram, inclusive, retrabalhados até o filme praticamente pronto. As falas couberam aos atores Stênio Garcia, Júlia Benite (a Mônica dos filmes da Turma da Mônica) e Lorenzo Tarantelli (dublador da série Jovem Sheldon).

O diretor conta que, ao longo do processo, as cenas escritas, uma vez colocadas no Animatic – um storyboard animado –, se mostravam frágeis. “Ou tinham problemas de clareza ou falta de ritmo, por exemplo. Já estávamos numa fase bem final quando a Laís, ao ouvir uns diálogos, me disse: ‘Alê, não está funcionando ainda’”, conta ele.

Foi aí que entrou no projeto a roteirista e escritora Adriana Falcão, a quem coube afiar os diálogos. Mais ou menos como Claé e Bruô, Abreu teve de se abrir para o outro – no seu caso, para outras formas de narrar e, por que não?, de ver.

Pelo fato de, com O Menino e o Mundo, ter ganhado cerca de 50 prêmios – entre eles, o do importante Festival de ­Annecy – e ter ficado na seletíssima lista de indicados ao Oscar, Abreu foi procurado por produtores de alguns países interessados em entrar no seu projeto seguinte. Acabou, porém, fazendo uma produção 100% brasileira.

Antes de estrear por aqui, Perlimps foi lançado na França. O título, conta o diretor, surgiu da tentativa de se dar nome aos seres de luz que, embora tivessem um quê de aliens, não eram aliens. Nas trocas de ideias, duas palavras surgiram: pirlimpimpim e Gremlins – os famosos personagens da década de 1980.

Um dos segredos da magia desses seres é que eles espelham a sincera jornada empreendida por Abreu, desde o seu primeiro curta-metragem, Espantalho (1998), para viver de animação autoral no Brasil. “Sucesso é a gente se encontrar, né?’, diz, leve como um perlimp. •

PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1246 DE CARTACAPITAL, EM 15 DE FEVEREIRO DE 2023.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título “Os seres mágicos de Alê Abreu “

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