Economia

“Terceirização irrestrita no setor público estimula a corrupção”

Novo decreto do governo Temer “consolida a tragédia” também na esfera pública, diz o sociólogo Ricardo Antunes, estudioso das relações trabalhistas

Temer escancara "a porteira" da terceirização
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Enquanto a opinião pública se concentra cada dia mais no intenso debate eleitoral, o governo Temer aproveita para aprofundar a demolição das relações trabalhistas do País, alerta o sociólogo Ricardo Antunes, professor da Unicamp. O decreto 9.507, editado na sexta-feira 21, “abre a porteira” para as terceirizações no setor público, afirma o acadêmico, e “consolida uma tragédia”.

O texto praticamente derruba os limites para a contratação sem vínculo direto com o Estado no setor público. A terceirização só fica impedida nas atividades que envolvam tomadas de decisão ou posicionamento institucional, aquelas consideradas estratégicas ou relacionadas ao poder de polícia e regulação.

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Segundo Antunes, autor de diversos livros e estudos sobre o emprego e as relações trabalhistas no Brasil e no mundo, entre eles “Os Sentidos do Trabalho”, a ampliação do serviço terceirizado, ao contrário do que pregam os defensores da ideia, não reduz os custos e estimula a corrupção.

“A medida introduz cunhas de interesses privados no interior do serviço público”, afirma. “Como uma empresa detentora de um contrato com a administração pública atuará para manter sua posição e eventualmente ampliá-la?”

O professor da Unicamp alerta ainda para o aumento dos riscos de acidentes de trabalho e cita o exemplo da Petrobras, que em uma década e meia mudou radicalmente o perfil dos contratados. Hoje, os terceirizados formam dois terço de toda a mão-de-obra da petroleira. “Essa expansão”, avalia, “coincide com uma elevação dos acidentes, inclusive fatais, registrados na companhia”. Antunes cita as experiências mal sucedidas na saúde, cuja febre de contratação de médicos sem vínculos empregatícios diretos com os estados e municípios foi incapaz de melhorar o atendimento à população.

O sociólogo não se surpreende com a edição do decreto, publicado semanas depois de o Supremo Tribunal Federal aprovar a terceirização irrestrita. Primeiro, diz, pelo fato de a medida estar alinhada à forte pressão para “adequar” o setor público aos valores da gestão privada, embora os objetivos não sejam os mesmos. “Vivemos o auge da hegemonia dos valores neoliberais”.

Segundo, pelas características de quem ocupa o Palácio do Planalto. “Temer foi terceirizado no comando do País, alçado ao posto com a incumbência de operar a devastação do Estado exigida pelo poder econômico. E ele tem cumprido a função com competência, é preciso admitir. Só não conseguiu aprovar até agora a reforma da Previdência”.

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