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Fênix da Esplanada

Cida Gonçalves fala sobre as lutas encampadas pelo Ministério da Mulher, renascido das cinzas do golpe de 2016

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Imagem: Ministério do Turismo
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Em 2016, logo após a destituição de Dilma Rousseff, o Ministério da Mulher foi um dos primeiros a serem extintos por Michel Temer, o surfista do golpe. Em pouco tempo, os recursos destinados à proteção das vítimas de violência doméstica despencaram e a agenda da equidade desapareceu do debate público. Com o retorno de Lula ao poder, o combate ao feminicídio, a luta pela equiparação salarial e a defesa dos direitos das brasileiras volta a ser prioridade, garante Cida Gonçalves, titular da pasta renascida das cinzas.

Militante histórica do PT, a ministra ingressou no partido ainda nos anos 1980. Natural de Clementina, no interior de São Paulo, ela é feminista e uma das vozes mais potentes no combate à violência contra a mulher no País. Publicitária de formação, trabalhou como consultora de políticas públicas de gênero nos governos anteriores de Lula. Na gestão Dilma, ocupou a Secretaria Nacional de Combate à Violência contra a Mulher.

Em entrevista a CartaCapital, Cida Gonçalves reconhece que a situação de alguns programas, a exemplo do Disque 180, “é bem pior do que consta no relatório da equipe de transição”. Ainda assim, está confiante de que muito pode ser feito para resguardar os direitos e a integridade física das brasileiras. A íntegra da entrevista está disponível aqui.

Casa da Mulher Brasileira
Temos a meta de ter, em cada capital, ao menos uma Casa da Mulher Brasileira, dedicada ao acolhimento das vítimas de violência doméstica, além de buscar capilarização do programa nos municípios do interior. No entanto, herdamos do governo anterior um orçamento exíguo, de apenas 23 milhões de reais para 2023. Não é suficiente para executar muita coisa. Estamos buscando recursos de outras fontes e, por isso, a construção das unidades deve começar somente no segundo semestre deste ano.

Reestruturação do Disque 180
Ao assumir o governo, descobrimos que a situação do Disque 180 é bem pior do que consta no relatório da equipe de transição. O serviço passou para o controle da Ouvidoria dos Direitos Humanos e não tem mais atendimento especializado às mulheres. Os atendentes recebem todo tipo de demanda, e não possuem um protocolo específico para as vítimas de violência doméstica. Estamos reestruturando o Disque 180 com o apoio da Advocacia-Geral da União. Em meados de fevereiro, já teremos uma equipe específica para cuidar desse público. Em julho, devemos ter uma nova licitação para garantir o melhor atendimento a todas as brasileiras.

Prevenção ao feminicídio
Recentemente, participei de uma reunião com o ministro da Justiça, Flávio Dino, para estabelecermos parcerias no enfrentamento à violência contra as mulheres. Atualmente, sete brasileiras são vítimas de feminicídio diariamente, e ­isso pode ser evitado. Nem sempre é possível prevenir um assalto ou homicídio comum, mas o feminicídio, sim. Basta fortalecer algumas políticas públicas, como as Patrulhas ­Maria da Penha, que acompanham os casos de urgência e emergência e não apresentam custo elevado. Outra medida interessante é o uso de tornozeleiras eletrônicas pelo agressor, que passa a ser monitorado pela Polícia Militar. ­Isso é diferente do Botão do Pânico, que temos hoje. Esse sistema precisa ser acionado pela própria vítima quando ela encontra seu ­algoz. Mas, se ele estiver com uma arma de fogo, pode apertar o gatilho assim que a mulher disparar o alerta.

“Nem sempre é possível prevenir um homicídio, mas o feminicídio, sim. Basta fortalecer as políticas públicas”

Mulheres transgênero
O Ministério das Mulheres parte do pressuposto de que deve assegurar direitos e resguardar a vida de todas as brasileiras, sem exceção. Não importa se ela é uma mulher cisgênero ou trans, se é uma empresária ou uma dona de casa. Todas têm o direito de ter sua integridade física e a saúde preservadas.

Aborto legal
Vamos lutar para que a legislação brasileira seja respeitada. Na verdade, o servidor público não pode se eximir da responsabilidade de cumprir sua função, dentro dos limites da lei. Ao Executivo não compete a tarefa de legislar sobre a ampliação ou a restrição ao direito ao aborto legal. Esse papel compete ao Congresso Nacional. O governo federal deve executar as políticas públicas em conformidade com o que a legislação determina.

Equidade no governo
Este é o governo com o maior número de ministras de Estado dos últimos tempos. Se comparar com a gestão anterior, temos o dobro de mulheres no primeiro escalão. Poderia haver mais? Claro, mas devemos lembrar que são os partidos aliados que apresentam seus representantes para a composição ministerial, essa não é uma decisão isolada do presidente Lula.

Igualdade salarial
O presidente Lula nos deu a tarefa de elaborar um projeto de lei que assegure, de fato, a igualdade salarial entre homens e mulheres. Temos um grupo de trabalho constituído, coordenado pelo Ministério das Mulheres, mas mas com representantes do Trabalho e da Casa Civil pensando nessa legislação. Entendemos, porém, ser preciso assegurar que as brasileiras tenham reais chances de ascensão profissional. Muitas não conseguem devido à necessidade de conciliar o trabalho com as demandas domésticas, o cuidado dos filhos, dos doentes e dos idosos da família. Da mesma forma, precisamos discutir esse tema com as empresas públicas e privadas, visando estabelecer uma nova cultura organizacional com equidade.

Violência política
Nos últimos anos, o ódio, o racismo e a misoginia cresceram de forma assustadora no Brasil. Muitas mulheres estão sendo assassinadas porque seus agressores se sentem legitimados por setores extremistas da sociedade. As vítimas não são apenas as mulheres, mas também a população LGBTQIA+, os negros, os indígenas, como vimos agora, com esse suplício imposto ao povo ­Yanomâmi. Recentemente, uma vereadora do interior de Santa Catarina foi cassada por denunciar o uso de gestos nazistas em uma dessas manifestações golpistas. Tanto ela quanto outras parlamentares que saíram em sua defesa foram ameaçadas de morte. Houve um escabroso caso de assédio na Assembleia Legislativa de São Paulo. Na Câmara, a deputada Talíria Petrone também foi alvo de ataques bárbaros. Esse caldo de violência veio crescendo em nosso país até o ponto de as sedes dos Três Poderes serem invadidas e depredadas. É preciso dar um basta nisso. •

PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1246 DE CARTACAPITAL, EM 15 DE FEVEREIRO DE 2023.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título “Fênix da Esplanada “

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