Afonsinho

Médico e ex-jogador de futebol brasileiro

Opinião

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Prevaleceu a lógica

No sensacional jogo da SuperCopa, o Palmeiras manteve sua organização e saiu vitorioso da partida entre os dois melhores times do momento

Prevaleceu a lógica
Prevaleceu a lógica
(Foto: Cesar Greco/Palmeiras/by Canon)
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A temporada desportiva brasileira começa quente, com decisões e jogos importantes na Copinha, na Supercopa e nos campeonatos estaduais – estes, indicativos das possibilidades que vêm pela frente.

Todo mundo conhece o dito popular “futebol não tem lógica”, mas, na Supercopa, o jogo sensacional entre Flamengo e Palmeiras, em Brasília, com um resultado surpreendente para uma finalíssima – 4×3 para o Palmeiras – deu a lógica.

O Flamengo manteve o equilíbrio da partida no primeiro tempo, embora tivesse saído em desvantagem. Logo no início do segundo tempo, conseguiu o que de melhor poderia acontecer para o time: o gol de empate. Ao final, entretanto, prevaleceu a lógica.

O rubro-negro carioca aguentou enquanto pôde dentro das circunstâncias de sua reestruturação em campo, até se desequilibrar e ceder espaço ao adversário.

O Palmeiras manteve sua organização até o fim e saiu vitorioso do jogo entre os dois melhores times do futebol brasileiro atual. Foi um “jogão” precedido de emocionante homenagem a Pelé.

A mesma sabedoria popular diz também que não se deve esperar justiça em resultados de jogos de futebol. E, de fato, foi isso que aconteceu à garotada do América mineiro na decisão da Copinha contra o Palmeiras.

Os dois times mostraram-se muito bons e muito bem orientados. Obviamente, um dos times sairia vencedor, ainda que nos pênaltis, mas a derrota no tempo normal foi uma “injustiça” com o time mineiro – que saiu, mesmo assim, de cabeça erguida.

O jogo decisivo da Copinha me trouxe, de toda forma, esperança de novos ares em nosso futebol.

Para mim, foi uma boa surpresa o comportamento seguro dos jovens de ambos os times, tomando a iniciativa de fazer as jogadas.

Esse comportamento vai na contramão do que se tornou tão comum em todos os clubes: a repetição mecânica da troca de passes, esquecendo que o ­drible é a alma do futebol.

No que toca aos desprestigiados, mas ainda valorizados, campeonatos estaduais, o jogo entre Fluminense e Botafogo pelo carioca foi uma ducha d’água fria no entusiasmo provocado pela decisão realizada em Brasília e pela Copa São Paulo, no estádio da simpática Portuguesa de Desportos, no Canindé.

No caminho inverso da Copinha e da Supercopa, esse “clássico vovô” do campeonato carioca foi um exemplo bem acabado do alardeado futebol moderno.

A partida mais se parecia com um jogo eletrônico, com jogadores adestrados, quase sem iniciativa própria. Para nossa sorte, nos restou, apesar de tudo, a imagem do drible – que caracteriza a liberdade de criar.

Ela nos foi garantida, em um momento, pelo belo lançamento de Tchê Tchê para Victor Sá, dois dos poucos jogadores leves do Botafogo. O lance foi determinante para a vitória do Botafogo por 1×0.

E outra sorte grande de quem foi ao Maracanã foi mais uma exibição de gala do Ganso, pelo Fluminense, jogando com a batuta na mão e fazendo o gramado parecer uma mesa de sinuca ou mesmo uma mesa envernizada.

Ganso devolve ao torcedor o prazer genuíno do futebol que encanta pela lucidez e o brilho de um verdadeiro artista da bola.

No Morumbi, em São Paulo, o corintiano Róger Guedes fez o mesmo num passe perfeito, que foi passando a milímetros dos defensores do São Paulo para encontrar o goleador na “cara do gol”.

Fora de campo, segue a confusão dos calotes, a discussão das SAF (Sociedade Anônima do Futebol) e o avanço dos norte-americanos no domínio futebol-negócio. Desta vez, o que está em curso é uma proposta para a compra da organização de campeonatos.

O esporte brasileiro, como tudo, também necessita de uma reconstrução.

E por falar em reconstrução, aproveito para esclarecer minhas queixas em relação à ausência de jogadores nas homenagens feitas à passagem de Pelé.

Entendo o envolvimento de cada um, mas me chama a atenção o fato de não ter havido, até onde eu saiba, nenhuma homenagem partindo de qualquer entidade representativa dos jogadores.

Isso demonstra o estágio atual da fragilidade dos jogadores como classe de trabalhadores. Seguimos iludidos pelas conquistas individuais, nos esquecendo de deveres e direitos comuns a rigorosamente todos.

Acredito que a ausência de liderança entre os jogadores na atualidade é passageira. É questão de tempo até que a necessidade desperte a consciência de algum companheiro.

Os atletas, donos de carreiras de curtíssima duração, precisam ser olhados também em sua dimensão humana. •

PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1245 DE CARTACAPITAL, EM 8 DE FEVEREIRO DE 2023.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título “Prevaleceu a lógica”

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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