Mundo
Espiral de ódio
O extremismo ganha espaço em Israel e na Palestina e a paz nunca esteve tão distante


Nas noites de sexta-feira, o silêncio desce sobre a cidade sagrada de Jerusalém. Muitas famílias muçulmanas estão em casa, reunidas após as orações da tarde. As empresas de propriedade de judeus fecham pouco antes do pôr do sol. Ônibus e bondes param de circular e velas nas mesas de jantar anunciam o início do Shabat.
O que começou como uma noite de sexta-feira normal e pacífica terminou em tragédia para a família Mizrahi, que vive no assentamento ocupado de Neve Yaakov, em Jerusalém Leste. Por volta das 8 da noite, um atirador palestino solitário abriu fogo contra moradores diante de uma sinagoga. Matou sete e feriu três.
Eli e Natali Mizrahi, um casal recém-casado na casa dos 40 anos, jantavam com a família quando ouviram tiros e gritos na rua. Eles correram para fora e pagaram com suas vidas. “Estávamos no meio da refeição, ouvimos vários tiros e meu filho deu um pulo”, disse a repórteres o pai de Eli, Shimon Israel. “Parece que ele estava falando com o terrorista, que sacou uma arma. (Eli) e sua esposa foram assassinados”, acrescentou. “(O terrorista) estava parado ao lado de um carro e atirou neles, depois entrou no carro e fugiu.”
Neve Yaakov foi o pior ataque terrorista palestino contra israelenses em 15 anos, e deixou o país cambaleando. O tiroteio ocorreu um dia depois que nove palestinos foram mortos num grande ataque israelense ao campo de refugiados de Jenin, na Cisjordânia, o maior número de mortos em uma única operação do exército em mais de duas décadas. Na sequência, a Autoridade Palestina, que governa partes da Cisjordânia, anunciou que suspenderia a cooperação de segurança com Israel.
Os acontecimentos em Jenin parecem ter desencadeado uma reação em cadeia de violência, deixando Israel e os territórios palestinos ocupados à beira do que pode ser uma nova rodada devastadora de derramamento de sangue. Outros dois palestinos foram baleados e mortos por soldados em confrontos desencadeados pelo ataque da última quinta-feira 26, e no início da sexta houve uma troca limitada de foguetes entre a Faixa de Gaza, controlada pelos islâmicos, e Israel.
Na noite de sexta-feira 27, depois da divulgação do tiroteio na sinagoga, a autoridade de saúde palestina disse que três indivíduos foram hospitalizados após serem baleados por um colono israelense perto da cidade de Nablus, na Cisjordânia. E na manhã de sábado um menino de 13 anos de Jerusalém Leste feriu a tiros um pai e um filho judeus perto das muralhas da Cidade Velha.
Três dias de carnificina crescente não surgiram do nada. As tensões aumentaram desde a primavera passada, quando uma onda de ataques palestinos com facas e armas levou as Forças de Defesa de Israel a lançar a Operação Breakwater – uma de suas maiores campanhas fora de tempo de guerra.
A Breakwater, que visa principalmente as facções palestinas em Jenin e Nablus, contribuiu para o maior número de mortos em Israel e na Cisjordânia desde o fim da segunda intifada, em 2005, com cerca de 150 palestinos e 30 israelenses mortos em 2022. Outros 32 palestinos, combatentes e civis, foram mortos até agora neste ano.
Preso a uma aliança de ultradireita, Netanyahu estimula a escalada de violência
Ao mesmo tempo, a Autoridade Palestina tem perdido legitimidade e controle: para muitos jovens palestinos, que cresceram com líderes pouco interessados em mudar a situação, ela é vista como pouco mais que uma segurança terceirizada da ocupação. Uma nova geração de milícias armadas frouxamente afiliadas ao Fatah e ao Hamas, as facções palestinas tradicionais, é cada vez mais popular, alimentada por armas contrabandeadas da Jordânia e roubadas de bases das IDF.
Do outro lado da Linha Verde, a eleição do governo mais de direita da história de Israel também fortaleceu a perspectiva de um retorno às lutas intensas. Acredita-se que o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu seja refém das exigências de seus parceiros extremistas em troca de apoio para anular seu julgamento por corrupção.
Enquanto os funerais dos mortos de Neve Yaakov aconteciam, na noite de sábado 28, após o fim do Shabat, Netanyahu convocou seu gabinete de segurança para discutir as respostas à violência. Ataques de limitação e de retaliação são temidos por ambos os lados. A polícia e o exército de Israel estão no nível mais alto de alerta e cinco batalhões extras foram enviados para Jerusalém e a Cisjordânia. Na noite de sexta, Netanyahu exortou a população a não tentar resolver o problema por conta própria. Mas seu ministro da Segurança Nacional, Itamar Ben-Gvir, de extrema-direita, emitiu outra mensagem e afirmou aos civis no local do tiroteio que “o governo deve agir” e que ele trabalhará para afrouxar as leis de controle de armas.
É impossível prever o que acontecerá a seguir, mas em uma pesquisa conjunta palestino-israelense divulgada recentemente, 61% dos palestinos e 65% dos judeus israelenses disseram achar que uma terceira intifada está próxima. A pesquisa, realizada em dezembro, constatou que o apoio ao processo de paz é o mais baixo de todos os tempos, o apoio palestino à luta armada está em alta e um número crescente de israelenses agora acredita que seu país deveria entrar em guerra para destruir as capacidades militares dos palestinos.
Todas essas tendências têm se acelerado, disse a doutora Dahlia Scheindlin, coautora da pesquisa, em uma coletiva de imprensa em Jerusalém. “A última vez que houve maioria em ambos os lados a favor da solução de dois Estados foi em junho de 2017”, explicou. “O apoio a um regime não democrático ultrapassou pela primeira vez a solução de dois Estados… A paz na região está mais distante do que nunca.” •
Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves.
PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1245 DE CARTACAPITAL, EM 8 DE FEVEREIRO DE 2023.
Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título “Espiral de ódio “
Apoie o jornalismo que chama as coisas pelo nome
Depois de anos bicudos, voltamos a um Brasil minimamente normal. Este novo normal, contudo, segue repleto de incertezas. A ameaça bolsonarista persiste e os apetites do mercado e do Congresso continuam a pressionar o governo. Lá fora, o avanço global da extrema-direita e a brutalidade em Gaza e na Ucrânia arriscam implodir os frágeis alicerces da governança mundial.
CartaCapital não tem o apoio de bancos e fundações. Sobrevive, unicamente, da venda de anúncios e projetos e das contribuições de seus leitores. E seu apoio, leitor, é cada vez mais fundamental.
Não deixe a Carta parar. Se você valoriza o bom jornalismo, nos ajude a seguir lutando. Assine a edição semanal da revista ou contribua com o quanto puder.