Paulo Nogueira Batista Jr.

paulonogueira@cartacapital.com.br

Economista. Foi vice-presidente do Novo Banco de Desenvolvimento, estabelecido pelos BRICS em Xangai, e diretor-executivo no FMI pelo Brasil e mais dez países

Opinião

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Lula acerta na economia?

Em resumo, o presidente está batendo um bolão nessa área

Lula acerta na economia?
Lula acerta na economia?
Fernando Haddad e Lula. Foto: Sergio Lima/AFP
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Nas primeiras semanas de governo, o presidente da República agiu com rapidez na área econômica. Autorizou diversas medidas e emitiu opiniões sobre a política econômica, dando sequência ao que fez na campanha eleitoral. Se ele vem acertando ou não é objeto de intensa controvérsia.

A ortodoxia econômica, inclusive e destacadamente a turma da bufunfa e seus numerosos porta-vozes na mídia, parece cada vez mais inquieta. Esperavam um Lula mais dócil, mais parecido com o Lula 1 do tempo da dupla Henrique Meirelles/Antonio Palocci – período em que os economistas desenvolvimentistas, por sua vez, estavam furiosos, criticando publicamente o governo. Eu mesmo mandava ver, até exageradamente, diria em retrospecto.

O Lula 3 configura-se até agora como independente e assertivo na área econômica, mais do que o Lula 2, do período Guido Mantega, que já causava certos arrepios. Se fosse economista, o Lula atual seria um desenvolvimentista, keynesiano e heterodoxo. Não é à toa que a turma da bufunfa dá arrancos triunfais de cachorro atropelado, como diria Nelson Rodrigues. Não sendo economista, é natural que o presidente dê escorregões quando entra na seara econômica com mais especificidade. Trato de alguns deles na sequência. No fundamental, ele está acertando.

O espaço não me permite abordar senão alguns pontos da controvérsia suscitada pelo presidente. Vou focar na questão do Banco ­Central (BC) e da política monetária.

Causou celeuma a opinião de Lula sobre a sacrossanta autonomia do Banco Central. Ele lembrou que, no Brasil, “se brigou muito para ter um BC independente”, mas que, com sua experiência, pode dizer que é “uma bobagem achar que um BC independente vai fazer mais do que quando era o presidente da República quem indicava”.  E acrescentou: “Duvido que o atual presidente do BC seja mais independente do que foi Meirelles’’.

Está certo o presidente? Basicamente, sim, ainda que não em alguns pontos mais específicos. O BC tornou-se autônomo, não independente. Na literatura acadêmica, que nenhum presidente tem obrigação de conhecer, “independente” é o BC que fixa as próprias metas de inflação; “autônomo” é o que busca as metas fixadas pelo governo. No Brasil, é o Conselho Monetário Nacional (CMN) que fixa as metas e o intervalo em torno do centro das metas.

Mas isso é em parte ficção, o que dá razão a Lula. A influência do BC no CMN é grande, pois tem um dos três votos e exerce a secretaria. Na prática, o BC fixa as metas para si mesmo, pelo menos em certos períodos. Já escrevi sobre isso nesta coluna (“Conselho Monetário e BC”, em 27 de maio de 2022). Agora, pelo que sei, o CMN será integrado pelo ministro Fernando Haddad, que o preside, pela ministra Simone Tebet e pelo presidente do BC, Roberto Campos Neto. Admitindo-se que Tebet siga uma linha mais conservadora, Haddad será minoria no CMN. E o BC talvez tenha condições, na prática, de continuar fixando as próprias metas.

Outro ponto é que, diferentemente do que sugere a fala de Lula, o presidente e os diretores do BC continuam sendo indicados pelo presidente da República. O que mudou com a lei de autonomia, aprovada durante o governo Bolsonaro, é que o comando da autoridade monetária tem mandatos fixos, não coincidentes com o do presidente da República. Lula sabe disso, com certeza. O que ele quis dizer? A meu juízo, que o atual presidente do BC não será mais independente do que foi Henrique Meirelles, presidente do BC durante o Lula 1 e o Lula 2. Lei de autonomia ou não, Roberto Campos Neto terá de coordenar a política monetária com a política fiscal e outros aspectos da política econômica, como ocorre, aliás, em todos ou quase todos os países.

Lula declarou, ainda, que uma meta de inflação excessivamente ambiciosa atrapalha o crescimento econômico. “Por que não estabelecer 4,5%, como fizemos nos meus mandatos anteriores?” A opinião é defensável, conta com apoio de muitos especialistas tanto aqui como no exterior. As metas atuais são de 3,25% para 2023 e de 3% para 2024. Este é o centro das metas, que têm um intervalo de 1,5 ponto porcentual para cima e para baixo em torno do centro. Seria perfeitamente razoável, na próxima ocasião em que o CMN se reunir para tratar do tema, aumentar um pouco o centro da meta para 2024 e 2025, digamos para 3,25%, e o intervalo para 2 pontos porcentuais. O teto da meta subiria para 5,25%. Um ajuste minimalista, que, entretanto, reduziria a pressão para que o BC mantivesse juros altos demais, prejudicando o crescimento, o emprego e as finanças públicas. Repare, leitor(a), que a taxa básica de juros fixada pelo BC afeta as finanças públicas por pelo menos dois canais: tem impacto direto sobre o custo da dívida pública interna e afeta as finanças públicas também indiretamente via produto e emprego.

Em resumo, Lula está batendo um bolão como economista. •

PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1244 DE CARTACAPITAL, EM 1° DE FEVEREIRO DE 2023.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título “Lula acerta na economia?”

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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