Política
Nova chance
A COP-30 em Belém recoloca o Brasil no protagonismo climático


Para o Brasil, sediar a 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas em 2025 será retomar a liderança ambiental no cenário internacional. Em 2019, sob a gestão de Jair Bolsonaro, o País recusou-se a sediar a COP-25. À época, o governo alegou falta de recursos.
A mudança de postura foi escandalosa. Em 5 de outubro de 2018, antes de Bolsonaro chegar ao poder, uma nota do Itamaraty havia celebrado o fato de o Brasil, pela primeira vez, sediar a conferência do clima: “A realização da COP-25 no Brasil confirma o papel de liderança mundial do País em temas de desenvolvimento sustentável, em especial no que se refere à mudança do clima, e reflete o consenso da sociedade brasileira sobre a importância e a urgência de ações que contribuam no combate à mudança do clima”. Meses depois, com o ex-capitão no Palácio do Planalto, o Ministério das Relações Exteriores emitiu nova nota: “Tendo em vista as atuais restrições fiscais e orçamentárias, que deverão permanecer no futuro próximo, e o processo de transição para a recém-eleita administração, a ser iniciada em 1º de janeiro, o governo brasileiro viu-se obrigado a retirar sua oferta de sediar a COP-25”.
O jogo de empurra para justificar a recusa seria hilariante, não fosse o trágico desfecho. O governo atribuiu a decisão ao Itamaraty, mas posteriormente o próprio Bolsonaro desmentiu a farsa: “Ao nosso futuro ministro, recomendei que se evitasse a realização desse evento aqui no Brasil”. Referia-se ao chanceler Ernesto Araújo, o mesmo diplomata que afirmou não crer em aquecimento global, porque, em sua visita à Europa, espantou-se com uma onda de frio extemporânea.
Assim, o Brasil viu-se mergulhado em atitudes negacionistas e irresponsáveis, que contrariavam toda uma história construída por sua diplomacia e sua área ambiental. Viu-se alijado das negociações climáticas. Cabe ressaltar que, naquele período, não havia mais dúvida científica sobre os motivos antropocêntricos das mudanças climáticas, o que tornou a posição brasileira ainda mais injustificável e esdrúxula.
A consequência da irresponsabilidade do governo foi uma série de improvisos com fins melancólicos. O Chile assumiu a responsabilidade da realização da COP-25, mas uma verdadeira convulsão social interna inviabilizou a proposta, o que provocou nova transferência de sede, desta vez para a Espanha. Em Madri, as negociações acabaram fracassando. Alden Meyer, diretor de Política e Estratégia da União de Cientistas, lamentou ao término do evento: “Nunca vi a desconexão quase total entre o que a ciência exige e o que as negociações estão entregando”.
Uma vez confirmada a escolha, a Amazônia estará no centro das discussões sobre o aquecimento global
Há outro fato a considerar: a resistência do então presidente Donald Trump em assumir responsabilidades perante o cenário climático e sua ação para destruir internamente os bons avanços regulatórios, favorecendo setores de combustíveis fósseis. Felizmente, houve forte bloqueio de estados norte-americanos mais progressistas, a exemplo da Califórnia, que se recusaram a acatar as propostas de retrocesso.
Os efeitos nocivos da gestão Trump sobre as sucessivas COPs foram, porém, dramáticos. A lacuna da participação dos EUA e do Brasil, sob a liderança de Bolsonaro, assim como dos demais países que se omitiram da perspectiva de avançar nos acordos climáticos, interrompeu a série positiva de avanços como o ocorrido na COP-21, em Paris, que sacralizou o acordo histórico limitando em 1,5 grau Celsius o limite para o aquecimento global.
A paralisação e o definhamento das negociações tornaram-se evidentes. Já era visível no desalento na COP-22, em Marrakesh, quando os EUA abandonaram o Acordo de Paris. Salvo a libertária COP-26, em Glasgow, com o reavivamento da sociedade civil, a sequência de encontros pós-COP de Paris foi decepcionante. A COP-27, no Egito, e a COP-28, que ocorrerá em 2023, nos Emirados Árabes, trouxeram outras perspectivas sombrias. Realizadas em países sob regimes totalitários, representam a perda de participação social e abrigam conflitos de interesse. A COP-28, por exemplo, será coordenada pelo chefe de uma indústria petrolífera.
É preciso rever esse círculo vicioso e nefasto, no qual foram lançadas as conferências climáticas. Nesse sentido, a oferta do Brasil em sediar a COP-30, em Belém do Pará, traz um grande alívio para as articulações da sociedade civil global, assim como proporciona um elemento oxigenador no contexto geopolítico. Será a primeira vez que o Brasil sediará uma conferência do clima, resgatando a perda nefasta ocasionada por Bolsonaro.
O Brasil é um país emergente e tem o condão de liderar os países mais vulneráveis, que estão em busca de sobrevivência neste mundo minado pela perda do multilateralismo colaborativo, no enfraquecimento das Nações Unidas e no ressurgimento de forças políticas e econômicas do petróleo e do gás, que visam ao forte aumento de produção para os próximos anos, na contramão da própria sobrevivência da humanidade.
Há outro elemento fundamental: a Amazônia representa a mística pristina, a antessala do Gênesis, guardiã de imensos tesouros em biodiversidade. Neste portal edênico é permitida uma imersão no cenário do capital natural equatorial-tropical que remete a conferência do clima à própria gênese planetária da exuberância da vida, celebrada por estudiosos naturalistas como Charles Darwin. Os contrastes trazidos pelos indicadores sociais e ambientais de Belém credenciam o Brasil a sediar um evento que, em última instância, visa à proteção da sociedade humana e, portanto, deve estar focado nas populações mais vulneráveis.
Há, porém, questões basilares a considerar: o protagonismo brasileiro não poderá estar dissociado de fortes medidas de combate à criminalidade ambiental na Amazônia, na contenção do desmatamento, do garimpo ilegal e da grilagem de terras. O Brasil precisará de coerência em seu retorno ao mundo político civilizado. Há muita lição de casa a fazer, especialmente o cumprimento dos compromissos internacionais com relação ao desmatamento, assumidos dentro do Acordo de Paris.
Belém ainda necessita ser confirmada pela ONU como sede da COP-30. Se isso ocorrer, a Amazônia estará no centro global das discussões sobre mudanças climáticas. Ao sediar a COP-30, o Brasil não apenas retomará o protagonismo que lhe é devido em razão de sua gênese ambiental, mas também em decorrência de sua realidade social, que retrata a mais profunda das questões de essência da emergente justiça climática. •
*Carlos Bocuhy é presidente do Instituto Brasileiro de Proteção Ambiental (Proam).
PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1243 DE CARTACAPITAL, EM 25 DE JANEIRO DE 2023.
Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título “Nova chance “
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