Cultura
Para todos os gostos
A produção sul-coreana se faz cada vez mais presente nas salas brasileiras e vai dos filmes de arte ao terror e à ação
Faz quase 20 anos que a imprensa e os pesquisadores, em diversos países, tentam explicar o sucesso do cinema sul-coreano. Há poucas semanas, no Brasil, o tema voltou à baila porque, mais uma vez, um filme da Coreia do Sul chegava à short list do Oscar de filme internacional, enquanto o candidato brasileiro ficava de fora.
O filme é Decisão de Partir, de Park Chan-wook, em cartaz nos cinemas brasileiros desde a quinta-feira 5. Chan-wook faz parte da primeira geração de cineastas sul-coreanos que passaram a marcar presença, de forma sistemática, nos principais festivais internacionais e a adentrar no circuito de arte de vários países.
Antes de chegar à short list do Oscar, Chan-wook percorrera, assim como Bong Joon-ho, diretor de Parasita (2019), vencedor do Oscar, um longo caminho de premiações importantes e reconhecimento internacional.
A primeira premiação em Cannes acontecera em 2004, quando levou o Prêmio do Júri por Oldboy (2003). Essa premiação se repetiria alguns anos depois, com Sede de Sangue (2009). Decisão de Partir também saíra premiado de Cannes, em 2022, pela direção, e antes mesmo da indicação ao prêmio norte-americano tinha sido vendido para vários territórios – entre eles, o Brasil.
“A quantidade de títulos sul-coreanos que chegam para nós, por meio dos agentes de vendas internacionais e produtoras locais, é muito grande”, diz Gabriel Gurman, codiretor da Diamond, distribuidora do filme na América Latina. “E são filmes que falam com públicos completamente diferentes, indo do filme de arte ao público de cinema de gênero.”
No fim do ano passado, a Diamond, que trabalha com cinematografias de várias nacionalidades, havia colocado outros dois filmes sul-coreanos nas salas brasileiras: o terror A Maldição – Despertar dos Mortos, escrito por Yeon Sang-ho, roteirista de Invasão Zumbi (2016), e o filme de ação Ligação Explosiva. Em abril, lançará Broker: Uma Nova Chance, cujo ator foi premiado no Festival de Cannes.
“A Maldição dos Mortos tem, dentro dos filmes de gênero, uma qualidade de produção similar à de filmes norte-americanos”, diz Gurman. “Ele não deve nada, em termos de qualidade, aos filmes americanos desse tipo que chegam aqui. O modelo de produção da Coreia do Sul permite projetos muito bem realizados. A percepção do valor de produção é alta, e faz com que eles tenham condições de disputar espaço nas salas de cinema.”
Impulsionados por políticas públicas na década de 1990, os filmes hoje são um ótimo negócio
Embora, para os padrões hollywoodianos, o valor de produção do cinema sul-coreano seja baixo, para os brasileiros ele é bastante elevado. Marte Um teve orçamento de produção de 1,2 milhão de reais e seu lançamento foi feito com 650 mil reais. Decisão de Partir, por sua vez, teve um custo estimado, de acordo com o Internet Movie Database, de 50 milhões de reais.
Enquanto a produtora de Marte Um é uma pequena empresa de Minas Gerais, a Filmes de Plástico, o grupo por trás de Decisão de Partir é o CJ E&M, conglomerado sul-coreano de entretenimento e varejo – a mesma produtora de Parasita e, inclusive, do filme anterior de Park Chan-wook, A Criada (2016).
O valor médio de produção na Coreia do Sul é de 20 milhões de reais. Bacurau (2019), vencedor do Prêmio do Júri em Cannes e considerado um filme caro para os padrões do cinema brasileiro, custou 8 milhões de reais.
É claro que um alto orçamento não garante um filme bom nem é condição imprescindível para que uma obra tenha repercussão internacional – o cinema é pródigo em exceções. Mas é fato também que um filme como Decisão de Partir, envolvente thriller de clima noir e pegada romântica, jamais poderia ser o que é se tivesse sido feito com recursos escassos.
Embora a constituição da indústria audiovisual sul-coreana tenha se dado com grande apoio do Estado, por meio de políticas de desenvolvimento de infraestrutura e subsídios para diferentes elos da cadeia audiovisual – com grande foco na distribuição –, o investimento, hoje, é majoritariamente privado.
O cinema, além disso, nutre e é nutrido pela chamada K-culture, que engloba filmes, séries, música – o famoso K-pop –,literatura, games, moda etc., e que se tornou o exemplo máximo do soft power, expressão nascida nos meios acadêmicos para definir o poder de um país de construir uma imagem positiva por meio de valores intangíveis, como a cultura.
A onda sul-coreana – a Hallyu – remonta à década de 1990 e fez parte de uma complexa estratégia política e econômica do governo, que, com o passar do tempo, tornou o investimento em filmes e séries lucrativo, a ponto de interessar não apenas a grandes grupos locais, mas até mesmo a Hollywood. •
PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1241 DE CARTACAPITAL, EM 11 DE JANEIRO DE 2023.
Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título “Para todos os gostos”
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