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Perdas e danos

Na COP-27, os países ricos concordam em repassar dinheiro aos mais pobres, mas…

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A fórceps. Sob pressão dos ativistas, os países ricos cederam no minuto final à proposta de assistência financeira, após longas e complexas negociações - Imagem: A.Hillert/LWF e ONU/UNIS-Viena
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Os países pobres do mundo obtiveram uma vitória histórica na COP-27, conferência do clima no Egito, depois que os participantes concordaram em criar um fundo de apoio aos afetados por desastres climáticos, mas adiaram a aprovação de um acordo amplo, o que diz muito a respeito da determinação global de combater o aquecimento global. Após negociações tensas que duraram a noite toda, a presidência egípcia da cúpula divulgou, no início do domingo 20, o rascunho de um entendimento geral e, simultaneamente, convocou uma sessão plenária para aprová-lo como o acordo final e abrangente.

A sessão aprovou a cláusula do texto que estabelece um fundo de “perdas e danos” destinado aos países em desenvolvimento, mas adiou muitas das decisões mais controversas sobre o fundo para o próximo ano, quando um “comitê de transição” faria recomendações para a COP-28, em novembro de 2023.

Os países ricos têm até agora fornecido dinheiro limitado para apoiar os pobres na redução das emissões de gases de efeito estufa e construção de defesas para condições climáticas extremas. “Os espíritos estão elevados”, afirmou Jean Su, diretora de justiça energética do Centro de Diversidade Biológica. “As nações vulneráveis ao clima e a sociedade civil estão radiantes com o grande passo dado para a criação de um fundo de perdas e danos, elaborado há mais de uma década.” Maisa Rojas, ministra do Meio Ambiente do Chile, chamou a decisão sobre o fundo de “passo histórico”.

Um acordo ainda era incerto, enquanto o relógio avançava na prorrogação da cúpula e ia muito além do prazo dos delegados, na sexta-feira. União Europeia, Estados Unidos e outros países desenvolvidos concordaram em princípio, no meio da noite, com um mecanismo de financiamento para perdas e danos. ­Mohamed Adow, diretor de energia e clima do grupo de pensadores Power Shift Africa, disse: “A COP-27 fez o que nenhuma outra conseguiu. Isso tem sido algo que os países vulneráveis pedem desde a Cúpula da Terra, no Rio, em 1992. Para citar a canção de futebol dos Três ­Leões da Inglaterra, depois de 30 anos de dor, a ação climática volta finalmente para casa em solo africano, aqui no Egito”.

Foi um dia de grande dramaticidade em Sharm el-Sheikh e de amargo conflito entre nações ricas e pobres. Alguns dos países mais pobres do mundo denunciaram os ricos por retardar a ação e recusar assistência financeira aos países afetados por tanto tempo. Os países ricos tentaram argumentar que economias em rápido crescimento, como a China e os produtores de petróleo, como a Arábia Saudita e outros petro-Estados, deveriam contribuir com, e não receber. Eles também querem garantir que os países que receberem dinheiro do fundo sejam os mais vulneráveis, e não aqueles com grandes economias que ainda são classificadas como “em desenvolvimento” pela Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC), assinada em 1992.

… os termos exatos do acordo ficarão para a próxima conferência, nos Emirados Árabes

Vanessa Nakate, jovem ativista de Uganda, disse: “A COP-27 era para ser a COP africana, mas as nossas necessidades foram obstruídas o tempo todo. Perdas e danos em países vulneráveis agora não podem ser ignorados, mas algumas nações desenvolvidas aqui no Egito decidiram ignorar o nosso sofrimento. Os jovens não puderam ter sua voz ouvida na COP-27 por causa das restrições aos protestos, mas o nosso movimento está crescendo e cidadãos comuns em todos os paí­ses começam a responsabilizar seus governos pela crise climática”.

Algumas nações, incluindo Arábia Saudita, Brasil e em alguns pontos a China, ameaçaram recuar desse compromisso, enfraquecendo a meta de temperatura e removendo a exigência feita em Glasgow de que os países atualizassem seus planos de redução de emissões a cada ano. Esse recuo foi inaceitável para muitos países desenvolvidos e em desenvolvimento, que veem os compromissos de Glasgow como um mínimo que deveria ser aprimorado, e não revertido.

Alok Sharma, presidente da COP-26 no Reino Unido, alertou os egípcios de que a conferência de 15 dias seria um fracasso, a menos que a meta de 1,5 grau Celsius fosse mantida. Os anfitriões receberam fortes críticas sobre seus métodos de intermediação de um acordo, mostrando rascunhos do texto final a países selecionados individualmente, em vez de permitir que eles trabalhassem juntos. Um delegado veterano chamou isso de “pouco transparente, imprevisível e caótico”.

Houve também um raro momento de união, quando os Estados Unidos e a China, inesperadamente, resolveram suas disputas diplomáticas e reviveram uma parceria conjunta que significará que os dois maiores emissores do mundo, e as maiores economias, cooperem em maneiras de reduzir as emissões de gases de efeito estufa.

A maratona final da sessão de negociação continuou noite adentro, após o prazo das 18 horas na sexta-feira. Os trabalhadores desmontaram os cafés, barracas e pavilhões, deixando os participantes sem comida e bebida disponíveis, enquanto os delegados corriam para várias reuniões convocadas às pressas. Durante longos períodos, não ficou claro qual era o formato para se tentar um acordo e, em alguns casos, os delegados pareciam estar negociando a partir de textos diferentes.

Havia temores de que tantos participantes tivessem de sair para pegar voos que algumas equipes de negociação não conseguissem concluir as sessões e, se o êxodo continuasse, a conferência das partes poderia não ter quórum, segundo as regras da ONU.

O compromisso de “reduzir gradualmente os combustíveis fósseis” parecia destinado a se perder, depois que os países produtores de petróleo se opuseram. A conferência das partes (COP) ocorre no âmbito da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, que exige consenso para todas as decisões. Isso significa que um pequeno número de países pode impedir o progresso, para frustração da maioria.

Os lobistas dos combustíveis fósseis estiveram presentes nesta COP, com mais de 600 participantes estimados. A COP do ano que vem acontecerá nos Emirados Árabes Unidos, um produtor de petróleo, o que muitos ativistas temem que signifique um papel ainda maior para os comerciantes de petróleo.

Conseguir um compromisso sobre um fundo de perdas e danos é apenas o começo. Andres Mogro, negociador financeiro do bloco de países em desenvolvimento G-77 e China, disse: “Esperamos que, quando (o fundo) se tornar operacional, possa refletir o nível de urgência e as necessidades dos países em desenvolvimento. Uma grande responsabilidade está agora nas mãos do comitê que vai criar o fundo”.

As discussões sobre o comitê, disse um delegado, começariam “um dia depois da COP”. •


Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves.

PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1236 DE CARTACAPITAL, EM 30 DE NOVEMBRO DE 2022.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título “Perdas e danos “

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