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Impunes, até quando?

A devida aplicação da lei é a principal arma na luta contra o golpismo. As instituições do Estado não podem prevaricar no combate aos crimes contra a democracia

Impunes, até quando?
Impunes, até quando?
Foto: TERCIO TEIXEIRA / AFP
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Desde a divulgação do resultado das urnas, movimentos golpistas espalharam-se pelo País, assumindo formatos, no mínimo, extravagantes. Cantar o hino do Brasil diante de pneus, subir em caminhões em movimento e fazer sinais em luzes para “generais” no céu são expressões bizarras de um “patriotismo de seita”, que, para além de conferir significado a objetos inusitados e deturpar símbolos nacionais, têm como objetivo mais profundo destruir as bases da democracia constitucional.

Nesse intento, os manifestantes de extrema-direita encontram como principal inimigo ficcional o Supremo Tribunal Federal e combatem o suposto ativismo judicial dos seus ministros. Seria nobre a atitude de criticar esse tipo de contaminação ideológica da Suprema Corte, mas, como se sabe, não se trata disso, já que esse movimento teve como uma de suas gêneses o mais fragoroso ativismo judicial da história brasileira: a Operação Lava Jato.

A intenção dos manifestantes não é a de oferecer contraponto crítico à atuação do STF, e sim a de promover a ruptura democrática. Não se trata de movimentos meramente conservadores, como se autodenominam, e sim reacionários. A turma é adepta de uma ideia de rompimento violento com a ordem democrática, com a restauração de um modelo autoritário, que mantenha o Brasil num ciclo de subdesenvolvimento e desigualdade.

Embora uma ditadura nos moldes das que existiram ao longo do século XX não seja mais tão plausível, isso não quer dizer que o autoritarismo acabou. Ao contrário, ele ganha novos métodos e contornos, mais sofisticados, entranhados de uma lógica discursiva. Ainda que suas estratégias sejam mais sutis, sua expressão continua sendo a violência em seu estado mais puro, como ficou expresso em casos que se multiplicaram pelo País nos últimos meses, como o do ex-deputado Roberto Jefferson, que reagiu lançando tiros e granadas contra policiais federais.

Outro caso ilustrativo é o da deputada Carla Zambelli, quando perseguiu um homem negro pelas ruas de São Paulo com arma em punho, na véspera das eleições. Há indicações, pelo que se viu nas imagens, de que a deputada bolsonarista agiu de forma ilícita ao ameaçar uma pessoa com arma de fogo, depois de uma simples discussão política. Deveria, no mínimo, ter sido investigada, e não receber o amparo das forças policiais.

Tais episódios são emblemáticos, pois representaram uma certa garantia de impunidade aos integrantes do núcleo duro do bolsonarismo. Eles desencadearam atos públicos violentos, como os que aconteceram em Novo Progresso (PA) e em Rio do Sul (SC), quando manifestantes atacaram a paus, pedras e tiros as forças policiais. Esse patriotismo fanático, “de seita”, se acomoda agora na frente dos quartéis, pedindo que a violência seja liderada pelo braço armado do Estado.

Esses movimentos representam um grave desafio institucional, que precisa ser enfrentado de forma assertiva e enérgica. A resposta à sanha antidemocrática não pode ser a vingança ou a revanche, que são afetos incompatíveis com o caráter impessoal que deve governar as condutas democráticas. A chave para este imbróglio está na legalidade.

A legalidade deve ser entendida como a aplicação da lei, nada além ou aquém dela. O que se vê no Brasil, hoje, é uma conduta permissiva das instituições, em especial das polícias e do Ministério Público, para figuras como ­Zambelli e ­Jefferson e os manifestantes que defendem a queda da institucionalidade. A realidade é que parte das corporações que deveria combater o golpismo tem alinhamento ideológico com esse extremismo de direita, e acaba não só por permitir o ilícito, mas também por fomentá-lo.

A ideologização das instituições traz como resultado mais abrangente a degeneração do direito. Por isso é preciso resgatar o direito, para que a democracia seja devidamente defendida. Se há crime, tem de ser punido, na forma e nos limites da lei, sendo observadas as garantias e o devido processo legal. As manifestações golpistas diante dos quartéis e espalhadas pelas rodovias são, antes de tudo, contra a democracia, contra a vontade soberana do povo e contra a convivência social pacífica e civilizada.

O desafio não é puramente o de pacificar o País, mas, sobretudo, o de exigir das instituições de Estado que parem de prevaricar e de se colocar na mesma condição dos golpistas. Prevaricação, assim como a solicitação de quebra da ordem democrática, é crime e precisa ser tratada como tal. A devida aplicação da lei é a principal arma na luta contra o golpismo e o terrorismo de extrema-direita. •

PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1236 DE CARTACAPITAL, EM 30 DE NOVEMBRO DE 2022.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título “Impunes, até quando? “

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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