Arthur Chioro

Ex-ministro da Saúde

Opinião

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O fim do negacionismo

Uma das primeiras atitudes do novo ministro da Saúde será enfrentar de forma adequada a pandemia e garantir a vacinação

O fim do negacionismo
O fim do negacionismo
Eduardo Pazuello e Jair Bolsonaro. Foto: Evaristo Sá/AFP
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Tive a honra de ser indicado para compor o grupo de transição governamental na área da saúde. Trata-se de uma enorme responsabilidade, já que a saúde é uma das áreas mais críticas e foi profundamente punida pela gestão do atual presidente.

Entre os principais pontos de atenção neste processo de transição destaca-se a pandemia de Covid-19, que produziu perto de 35 milhões de casos oficialmente registrados, ainda que se saiba que esse número é infinitamente superior, e mais de 688 mil óbitos, a grande maioria evitável se medidas adequadas tivessem sido adotadas oportunamente. Ainda que o atual ministro a Saúde tenha oficialmente tentado encerrar o processo epidêmico por portaria em abril deste ano, a verdade é que a pandemia de ­Covid-19 não acabou.

O Coronavírus luta para sobreviver, produzindo novas variantes, como a BQ.1. Basta acompanhar seu comportamento no Hemisfério Norte e a nítida pressão sobre o sistema de saúde que está ocorrendo no Brasil nas últimas semanas, com considerável aumento de casos e internações. Felizmente, até aqui, o número de óbitos não acompanha essa tendência, corroborando as evidências científicas de que a vacina foi capaz de proteger a população contra casos graves e óbitos.

Enquanto isso, o governo brasileiro mantém a postura negacionista e marcada pela omissão, deixando de tomar as providências que seriam necessárias. E que medidas mais importantes precisam ser imediatamente tomadas?

É fundamental, desde já, intensificar a cobertura vacinal e fornecer para os adultos as doses de reforço (terceira e quarta doses) com as vacinas já disponíveis, pois até o momento 42% da população adulta ainda não recebeu a terceira dose. É preciso também estender a vacinação para todas as crianças de 6 meses a 2 anos com a vacina Pfizer, atualmente restrita apenas às que têm comorbidades.

Outra ação fundamental é garantir a vacina Coronavac para as crianças a partir dos 3 anos, que está em falta, segundo o alerta de estados e municípios. Da mesma forma, será necessário ministrar a dose de reforço (terceira dose) para as crianças de 3 a 11 anos.

Por fim, é preciso inserir a quinta dose no calendário nacional, por meio da aquisição da vacina bivalente (para cobrir BQ.1 e outras variantes). Essa vacina ainda está em fase de autorização da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), mas as providências para a sua aquisição podem e devem ser tomadas desde já, evitando que se perca novamente tempo

Além da falta de acesso às vacinas, outro problema a ser enfrentado são as barreiras para a aceitação produzidas por desinformação e dúvidas sobre a segurança das vacinas. Fornecer informação segura, combater fake news e resgatar o Zé Gotinha são tarefas imprescindíveis. Ainda que adultos relutem em se vacinar, teremos de encontrar soluções para que não impeçam as crianças de fazê-lo.

É preciso, ainda, orientar o uso de máscaras e álcool em gel por idosos, pessoas com comorbidades e nos usuários de transportes coletivos ou que frequentem locais com aglomerações. Devemos convocar as nossas universidades e pesquisadores para avaliar todas as tecnologias vacinais em desenvolvimento e entender como podem ser incorporadas de forma prioritária.

Outra tarefa urgente é a de garantir recursos para que os laboratórios de Saúde Pública (Lacen) possam fazer exames, pois estão faltando insumos para o diagnóstico e a vigilância genômica da doença. Da mesma forma, dadas as incertezas que cercam o comportamento das novas variantes, é preciso organizar e deixar a rede de saúde pronta para dar resposta imediata diante de um potencial aumento de casos que gerem internações e da evolução do consumo de insumos fundamentais, como respiradores, oxigênio, medicamentos e EPIs.

Mas uma coisa deve ficar clara. Até 31 de dezembro, a responsabilidade ­continua sendo de Bolsonaro e de seu ministro da Saúde. Que tenham juízo, pelo menos agora, ao final de seus mandatos, e tomem atitudes necessárias para proteger a vida da população e para que o caos não impere novamente. Infelizmente, temos todos os motivos para desconfiar de que isso não será feito.

O que nos consola e enche de esperança é a certeza de que, independentemente de quem seja indicado pelo presidente Lula para ocupar o Ministério da Saúde, o escolhido para a pasta a partir de 1º de janeiro de 2023 substituirá o negacionismo e a omissão reinantes por uma postura orientada seguramente pela ciência, pela valorização do SUS e pela defesa da vida. E uma das primeiras atitudes será conduzir adequadamente o enfrentamento da pandemia e garantir a vacinação da população brasileira. •

PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1235 DE CARTACAPITAL, EM 23 DE NOVEMBRO DE 2022.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título “O fim do negacionismo”

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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