CartaCapital
Obituário I/ Silencia-se a voz magistral
A cantora Gal Costa morre aos 77 anos, em São Paulo, de causa desconhecida


A morte de Gal Costa, na quarta-feira 9, aos 77 anos, causou uma comoção do tamanho da artista: imensa. Os 50 anos de uma carreira marcada tanto por sucessos populares quanto por uma estética inovadora fizeram com que o repertório de Gal, nascida Maria da Graça, em Salvador, fosse onipresente na vida brasileira.
Seu surgimento na cena artística se dá em 1964, no Teatro Vila Velha, em Salvador, ao lado de Caetano Veloso, Maria Bethânia, Gilberto Gil e Tom Zé. São também de Caetano e Gil as canções de seu primeiro compacto, lançado em 1965. E é puramente tropicalista o álbum que a projetou: Tropicália ou Panis et Circensis (1968), onde está Baby, uma das canções-símbolo de sua trajetória.
Na década de 1970, faria de novo história com os álbuns Gal a Todo Vapor (1971), que traz Vapor Barato e que foi apresentado num show icônico, e Doces Bárbaros (1976). Já então consagrada, Gal passaria a emprestar sua voz de mezzo-soprano sedosa e suas interpretações fortes a composições de Chico Buarque, Dorival Caymmi, Milton Nascimento e muitos outros.
Nos anos 1980, os experimentos artísticos dariam lugar a gravações que se tornariam onipresentes nas rádios e nas novelas, como Festa no Interior (1981), Chuva de Prata (1984), Um Dia de Domingo (1985) e a estrondosa Brasil, de Cazuza, tema de abertura da novela Vale Tudo (1988).
Gal seguiria, ao longo dos 30 anos seguintes, gravando e se apresentando sem parar, fazendo duos e parcerias com artistas de sua geração e das gerações que se seguiram. Não morreu no palco, porque cancelara a presença no festival do qual participaria no último fim de semana. Mas trabalhou praticamente até o fim. Deixou 40 álbuns e canções que fazem parte da trilha sonora da vida de cada um de nós.
Bangu 8, lar bolsonarista
O ex-deputado Roberto Jefferson não pode mais se queixar de solidão no cárcere. Na quarta-feira 9, o bolsonarista que recebeu agentes da Polícia Federal com disparos de fuzil e granadas ganhou a companhia de Gabriel Monteiro na Cadeia Pública Joaquim Ferreira de Souza, no Complexo de Gericinó, Zona Oeste do Rio de Janeiro, também conhecida como Bangu 8. O vereador cassado teve a prisão preventiva decretada dias antes pelo juiz Rudi Baldi Lewenkron, da 34ª Vara Criminal, por nova acusação de estupro. Ele também teve aparelhos telefônicos e armas apreendidos. Filiado ao Partido Liberal de Jair Bolsonaro, Monteiro teve o mandato cassado pela Câmara Municipal do Rio, em agosto, por quebra de decoro parlamentar, após uma série de denúncias de estupro de vulnerável e assédio sexual.
Obituário II/ Alma caipira
Cantor, compositor e ator, Rolando Boldrin fez história na tevê
Imagem: Pierre Yves Refalo/TV Cultura
Também na quarta-feira 9 morreu, de insuficiência respiratória e renal, o cantor, compositor e apresentador Rolando Boldrin. Ele tinha 86 anos e estava há dois meses internado no hospital Albert Einstein, em São Paulo.
Boldrin apresentou, por quase duas décadas, o programa Sr. Brasil, na TV Cultura, dedicado à música caipira e sertaneja. Antes, ele tinha apresentado, na TV Globo, o Som Brasil. Além de ter gravado dezenas de canções, atuou em novelas como O Direito de Nascer (1964) e Mulheres de Areia (1973), e em filmes como O Tronco (1999) e O Filme da Minha Vida (2017).
Drama na Somália
Sob o impacto da pior seca das últimas quatro décadas, a Somália vive uma grave crise alimentar. Com plantações e rebanhos dizimados pela escassez de chuvas, milhões de somalis estão à beira da inanição e uma criança é internada por desnutrição grave a cada minuto. A despeito do catastrófico cenário, agravado por uma guerra civil na região do Tigré, o governo de Hassan Sheikh Mohamud, que chegou ao poder em maio, reluta em declarar que o país enfrenta uma situação de fome generalizada, o que permitiria o reforço da ajuda humanitária enviada pelas Nações Unidas. Mohamud teme que a declaração provoque um êxodo em massa da população, afaste os investimentos externos no país e dê força ao grupo terrorista Al Shabab.
Urna eletrônica/ A montanha e o rato
Relatório militar confirma a lisura do processo eleitoral
Soldadinho de chumbo – Imagem: Marcos Corrêa/PR
A concorrência é acirrada, mas o general Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira, ministro da Defesa, garantiu uma vaga no panteão da infâmia militar. Oliveira aceitou de bom grado o papel de bufão na farsa contra as urnas eletrônicas. Sua expressão de esfinge durante a campanha deu asas à imaginação da trupe bolsonarista que esperava uma desculpa para contestar o resultado. Gastou tempo, dinheiro e pessoal, efetivo deslocado das funções pelas quais são regiamente pagos: tirar o mato das calçadas e pintar meios-fios. Ou, por outra, melhor teria sido ordenar às tropas um ataque aos estoques de Viagra, uísque e picanha. Lembre-se, general, a mamata vai acabar. No fim das contas, para decepção de quem permanece na porta dos quartéis à espera da intervenção militar redentora, todo aquele suspense redundou em uma nota de três parágrafos, cuja única frase importante está destacada em negrito: “Não foi encontrado por nossas equipes nenhum indício de manipulação dos resultados que possa configurar fraude do pleito de 2022”. Oliveira não teria, porém, conquistado 15 minutos de fama não fosse o ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal. Mais vaidoso do que inteligente, Barroso acabou engolido pela própria esperteza. Instalou o cavalo de Troia no Tribunal Superior Eleitoral, ao convidar os militares para fiscalizar o processo. Serviu de escada ao ministro e ao oficialato golpista. É outra figura emblemática de um tempo que se espera superado.
PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1234 DE CARTACAPITAL, EM 16 DE NOVEMBRO DE 2022.
Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título “A Semana”
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