

Opinião
Passado e futuro
Para conquistar os indecisos, a campanha de Lula tem de olhar para a frente e não repetir “mais do mesmo”


Para ganhar as eleições, e ganhar com o menor sufoco possível, é preciso convencer mais gente do que se tem conseguido convencer. Durante estes dias, tenho conduzido pesquisas qualitativas com eleitores de Simone Tebet que ainda estão indecisos em relação ao voto no segundo turno. Indecisos porque olham para Bolsonaro e enxergam um sujeito desequilibrado, instável, rude, violento, que envergonha o País. Olham para Lula e enxergam alguém com maior capacidade de negociação, moderação e potencial de estabilidade, mas também um condenado, corrupto e um candidato que não entrega as propostas concretas que eles esperariam.
Temos dois problemas fundamentais com esse eleitorado: 1. Muitos deles não entendem que Bolsonaro seja tão ruim, tão desastroso para a economia e os negócios, pois, embora a postura desatinada de Bolsonaro não seja a ideal, embora ele nos envergonhe, o Brasil começa a sair da lama econômica (“o País não foi tão ruim assim nas suas contas mesmo com uma pandemia e uma guerra mundial”). Muitos deles tampouco entendem que Bolsonaro, se reeleito, trará consequências negativas para os próprios negócios (“mesmo não gostando do jeito dele, não acho que meu negócio vai ser tão prejudicado se ele ganhar as eleições”). 2. Este é um tipo de eleitor que frequentemente assume o discurso empreendedor-meritocrático de classe média e nova classe média para o qual o PT não tem uma retórica convincente. Lula fala muito bem para os pobres, sente-se confortável ao lembrar do aumento do salário mínimo no debate, o churrasquinho e a cerveja, mas não tem a mesma facilidade para a faixa de dois a cinco salários que se reconhece na lógica do microempresário e se enquadra nos significados das classes médias. Esse eleitor não pode ser invisível. Ele espera de Lula não só retórica, mas propostas econômicas concretas de um partido para o qual olha, meio desconfiado, e acha que não será capaz de atender aos quesitos de liberdade econômica e oportunidades aos negócios que ele tanto preza. Bolsonaro é instável, mas fala em liberdade. Lula tem uma postura mais confiável, melhor estadista, mas…
Desta análise se concluem duas questões, para mim, muito relevantes. Temos de construir melhor, no concreto, não só no plano retórico, a imagem de um Bolsonaro ruim para a economia e ruim para os negócios, em essência, ruim para o Brasil. A instabilidade, a violência, o “jeito tosco” dele têm um impacto, sim, para o seu negócio, eleitor, para o desenvolvimento econômico do Brasil. Essa amarração lógica deve estar mais bem arquitetada. Mas também temos de construir a imagem de um Lula que, no concreto, seja a melhor opção para a economia do Brasil e para este empreendedor que não quer ouvir só falar de aumento do salário mínimo por não se identificar. Ele se sente parte da “nova classe média”. E não só no abstrato, no concreto, pois muitos destes eleitores esperam um Lula que fale mais do futuro, e menos do que foi feito no seu governo, que olhe para a frente e não tanto para trás.
Há muito tempo que as pesquisas qualitativas indicam que não podemos nos restringir tanto a apelar para a memória e o legado. Neste segundo turno, ainda menos. Devemos avançar, devemos falar de futuro, do que virá pela frente. Obviamente, é essencial relembrar as vitórias do governo Lula, relembrar o quanto seu governo foi bom para o Brasil e para os brasileiros e comparar com os desastres da gestão Bolsonaro, mas, para convencer quem votou diferente no primeiro turno, não podemos ficar só aí. Temos de nos deslocar do passado para o futuro, não podemos ficar no “mais do mesmo”
Esse público não dará seu voto confiante e satisfeito em Lula, mas devemos garantir que uma boa parcela desses eleitores assuma um voto crítico no 13. Devemos dizer que votar em Lula no segundo turno é votar pelo Brasil. Não significa concordar com o PT, gostar de Lula, ou dar a ele plena confiança, é votar contra a tragédia. Devemos convencer o maior número possível de eleitores de que votar em Lula, mesmo a contragosto, mesmo sem querer, mesmo aborrecido e contrariado, é a única opção para evitar uma catástrofe. Não é votar só por uma democracia que com frequência parece muito longe do cotidiano, mas para evitar um desastre real, tangível, que vai impactar a nossa vida, dos nossos filhos e do Brasil.
Votar em Lula é votar pelo Brasil. •
PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1231 DE CARTACAPITAL, EM 26 DE OUTUBRO DE 2022.
Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título “Passado e futuro”
Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.
Apoie o jornalismo que chama as coisas pelo nome
Muita gente esqueceu o que escreveu, disse ou defendeu. Nós não. O compromisso de CartaCapital com os princípios do bom jornalismo permanece o mesmo.
O combate à desigualdade nos importa. A denúncia das injustiças importa. Importa uma democracia digna do nome. Importa o apego à verdade factual e a honestidade.
Estamos aqui, há 30 anos, porque nos importamos. Como nossos fiéis leitores, CartaCapital segue atenta.
Se o bom jornalismo também importa para você, nos ajude a seguir lutando. Assine a edição semanal de CartaCapital ou contribua com o quanto puder.