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O verde e as verdinhas

O Brasil não consegue capitalizar a riqueza da biodiversidade e fica atrás do Chile na emissão de títulos sustentáveis

O verde e as verdinhas
O verde e as verdinhas
O País ainda não emite títulos soberanos ligados à sustentabilidade - Imagem: iStockphoto
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Apesar de possuir território 11 vezes maior, PIB três vezes superior, abrigar a Floresta Amazônica e o Pantanal e ostentar uma economia muito mais diversificada, o Brasil está atrás do Chile na emissão de títulos relacionados à sustentabilidade, segundo o Relatório de Economia Bancária recém-publicado pelo Banco Central. Entre 2020 e 2021, auge da pandemia, o País emitiu 20 bilhões de dólares de papéis, quase o triplo do montante registrado entre 2015 e 2019. O total representa, no entanto, pouco mais de 1% do volume financeiro global de 1,6 trilhão de dólares. “No Chile predominam as emissões soberanas, de títulos associados a projetos sociais. Os títulos soberanos apresentam maior ticket médio em relação aos corporativos, predominantes no Brasil. O País ainda não conta com emissões soberanas, mas há previsão no plano anual de financiamento do Tesouro Nacional”, informou o BC em resposta à consulta de CartaCapital.

A organização sem fins lucrativos ­Climate Bonds Initiative confirma: enquanto o Brasil emitiu 11,8 bilhões de dólares nos chamados “títulos verdes”, o Chile acumula 13,3 bilhões. De 2014 a 2020, temos 26,6 bilhões de dólares, ante 37,3 bilhões dos chilenos, dos quais 86,6% soberanos. “Esse mercado tem crescido desde que a BRF emitiu o primeiro título verde, em 2015. Hoje, são mais de cem títulos verdes, com uma gama muito variada de emissores. O Chile cresceu, a partir de 2019, com os títulos soberanos”, assinala Júlia Ambrosiano, coordenadora do programa de Infraestrutura Brasil da LatAm. “Eu avaliaria o mercado brasileiro como um pouco mais maduro que o do Chile, no sentido de que tem uma gama maior de emissores, mais emissões, ainda que de valores mais baixos, mas são emissões do mercado, com uma grande variedade.”

Segundo Gabriel Emir Moreira e Silva, superintendente da área de Projetos da Fundação Instituto de Pesquisas Contábeis, Atuariais e Financeiras ­(Fipecafi), assim como no mercado tradicional, a emissão de dívida soberana atrelada à pauta ESG, sigla em inglês para ambiental, social e governança, é importante para balizar emissores e investidores, na medida em que as condições como juros, carência e prazo de vencimento dos títulos públicos constituem parâmetros para os papéis privados, além de sinalizar o compromisso do governo com essa pauta. “Ocorre que o governo Bolsonaro não tem isso como prioridade”, ressalva. “Não é muito focado em questões de sustentabilidade”, ecoa Virgílio Lage, especialista da Valor Investimentos. ­Lage acrescenta: falta demanda interna para esses títulos. “Os possíveis consumidores desse produto são os europeus, mais evoluídos na questão da sustentabilidade. Os clientes brasileiros, a grande maioria, com exceção de fundos de investimento e corretoras que trabalham para esse cenário mudar, carecem de liquidez, de uma clientela para esse produto.”

O informe do BC corrobora: a maior parte dos recursos levantados vem do exterior e é responsável por 70% do volume financeiro emitido desde 2015. Do total, 65% foi obtido somente no ano passado. “Em 2021, em torno de apenas 7% das emissões no mercado doméstico apresentaram características de sustentabilidade, sendo tal proporção de 47% no caso das emissões externas”, diz o BC.

O governo não trata o tema “como prioridade”, diz Emir Moreira e Silva, da Fipecafi

Consultada por CartaCapital, a Secretaria do Tesouro Nacional respondeu que a ideia “de construir um arcabouço de emissões soberanas sustentáveis” foi incluída no Plano Anual de Financiamento de 2021. Desde então, a STN conversa com outros governos e formou um grupo de trabalho, com apoio do Banco Mundial e do Banco Interamericano de Desenvolvimento, que realiza discussões internas com os demais órgãos setoriais do governo federal. “Ainda não há, contudo, uma previsão de data para lançamento do arcabouço”, informa a secretaria.

A Comissão de Valores Mobiliários, por sua vez, diz elaborar com os ministérios do Meio Ambiente, de Minas e Energia e da Economia iniciativas como o reconhecimento de Ativos Ambientais de Vegetação Nativa, os Créditos de Carbono e os Créditos de Metano como produtos financeiros, que possam, eventualmente, vir a ser objeto de investimento por companhias, fundos de investimento e outros agentes de mercado.

O BC aponta algumas medidas, do ponto de vista regulatório e autorregulatório que contribuem para fomentar a oferta de títulos sustentáveis, como a Resolução 59, da CVM, no sentido de ampliar a transparência das práticas ESG pelas empresas, ao prever informações a serem prestadas no Formulário de Referência dos gestores de investimentos, e as regras e procedimentos para identificação de fundos sustentáveis da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima). “Essas medidas têm papel relevante na avaliação dos ativos brasileiros quanto à sua adequação para integrar a carteira de fundos de investimento não residentes com foco de investimento em ativos ESG, no âmbito das regras e normas que regem sua atuação, e com isso fomentar a demanda pelos papéis brasileiros”, frisa o BC. A assessoria da instituição cita ainda o Decreto 10.387, que incentivou a emissão de títulos relacionados à sustentabilidade e à própria agenda de sustentabilidade da autoridade monetária, lançada em 2020, com medidas de estímulo ao financiamento mediante títulos e empréstimos sustentáveis, como o crédito rural verde e a linha financeira de liquidez.

Os empréstimos e financiamentos bancários para setores considerados verdes pela taxonomia da Federação Brasileira de Bancos aumentaram de 315,2 bilhões de reais, ou 17,74% do saldo da carteira de Pessoas Jurídicas registrado no Sistema de Informações de Crédito do BC, em 2012, para 340,9 bilhões, ou 21,59% do total, em 2020. “Temos visto uma evolução importante de linhas de crédito sustentáveis, atreladas a metas e indicadores ESG. Temos visto surgir cada vez mais produtos com essas características, inclusive com taxas mais vantajosas”, afirma Amaury Oliva, diretor-executivo de Sustentabilidade, Cidadania e Educação Financeira da entidade. •

PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1230 DE CARTACAPITAL, EM 19 DE OUTUBRO DE 2022.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título “O verde e as verdinhas “

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