

Opinião
Algo a aprender?
A direita tradicional encolhe, mas parte expressiva do espaço deixado por ela é ocupada por uma extrema-direita miliciana, pseudocristã, corrupta e ecocida


O resultado do primeiro turno das eleições de 2022 nos defronta com algo que setores da esquerda e do campo intelectual há muito nos dizem: o bolsonarismo não é passível de derrota por meio das urnas e esse fenômeno de extrema-direita parece estar consolidado no Brasil.
É preciso compreender como, ao longo dos últimos 20 anos, o País gestou um movimento nacionalista-cristão reacionário em direção a um polo político descolado do fascismo “tradicional”.
Pesquisadores brasileiros, como a professora Jacqueline Moraes Teixeira e Ronilso Pacheco, têm empreendido esforços em comunicar como o modelo tradicional de análise de dados das pesquisas eleitorais, por exemplo, falha em ler e interpretar a complexidade de uma teia de relações que vai desde o sentimento antipetista até a recuperação ideológica de um Estado de Israel idealizado como “nação escolhida”. Essa teia envolve ainda a cruzada moral do “lavajatismo” e a ascensão de uma alt-right com a qual os filhos de Bolsonaro têm ligação.
É necessário reconhecer que a direita tradicional que conhecíamos no Brasil – ao menos desde o período de redemocratização – está enfraquecida e, segundo os indicativos desta eleição, tende, inclusive, a desaparecer. O PSDB, que governa São Paulo há quase 30 anos, elegeu apenas 13 deputados federais. Em 2018, eram 29 e, em 2014, 54. Ou seja, em menos de dez anos, houve uma redução de mais de 75% da bancada tucana.
O MDB, de Simone Tebet e Michel Temer, é outro que encolheu, tendo passado de 65 deputados eleitos em 2014 para 42 agora. Mesmo os partidos de uma “nova direita” comprometida com a erosão do Estado, as privatizações e o capitalismo financeiro mostraram retração. O Partido Novo perdeu mais da metade dos assentos no Congresso Nacional desde as últimas eleições e teve apenas três representantes eleitos. Embora tais quedas pudessem ser lidas em chave positiva, o crescimento virulento do bolsonarismo não nos permite otimismo. A extrema-direita saiu vitoriosa destas eleições.
Não há vácuo na política. É perceptível que a direita tradicional vem minguando, mas parte expressiva dos espaços deixados por ela tem sido ocupada por uma extrema-direita miliciana, pseudocristã, corrupta e ecocida, contra a qual o discurso público parece não ter encontrado ainda ferramentas eficientes.
Refiro-me à calamidade de um cenário no qual o ex-ministro do Meio Ambiente e notório ecocida Ricardo Salles tem mais que o dobro dos votos de Marina Silva (640.918 x 237.526). Entre 2018 e 2022, o PL de Bolsonaro triplicou de tamanho e passará a deter a maior bancada no Congresso Nacional. Serão 99 assentos ocupados pelo PL contra os 68 da segunda maior bancada, pertencente à oposição, o PT – uma diferença de 31 representantes.
O deputado federal mais votado do País, Nikolas Ferreira (1.492.047 votos), também é do partido de Bolsonaro. Dos 513 deputados federais eleitos para mandatos em 2023, ao menos 273 integrarão a base aliada do despresidente.
Para ter mais clareza do quadro geral, é preciso mencionar o pleito para os governos estaduais. Candidatos do partido de Bolsonaro disputarão segundos turnos em cinco estados, e ele já possui mais aliados no poder do que o seu adversário. Também desesperador é o retrato do Senado. Bolsonaro elegeu oito senadores, para além dos seis que já havia eleito. A próxima legislatura será composta de 14 senadores bolsonaristas – isso sem contar seus aliados fisiológicos.
O que expus até aqui explicita brevemente o terror que se anuncia para os próximos quatro anos em nosso país, mas, ainda assim, nem tudo foi derrota para quem se opõe ao bolsonarismo. É importante, em meio ao desespero, salientar e celebrar as pequenas vitórias – que, na verdade, não são pequenas.
Devemos ficar contentes ao saber que Guilherme Boulos foi o candidato mais votado em São Paulo, que teremos Duda Salabert e Erika Hilton no Congresso, e que Sônia Guajajara e Célia Xakribá estarão lá. E também ao saber que, pela primeira vez na história, Pernambuco elegeu uma mulher de esquerda para o Senado (Teresa Leitão) e que o Paraná colocou no Congresso uma mulher negra de esquerda (Carol Dartora).
Outro dado que serve de alento é que Lula se tornou o presidente mais votado da história. Ficou à frente de Bolsonaro com mais de 6 milhões de votos e, até hoje, nunca houve virada no segundo turno para as eleições para presidente no Brasil. É necessário manter vivas a capacidade de esperançar e a consciência de que temos longos e duros trabalhos pela frente. Seguimos sem esmorecer. •
PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1229 DE CARTACAPITAL, EM 12 DE OUTUBRO DE 2022.
Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título “Algo a aprender? “
Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.
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