Economia

Aeroportos: os risco das análises ‘a jato’

Antes de embarcarmos numa até compreensível crítica à concessão é melhor aprofundar mais esta questão

Aeroportos: os risco das análises ‘a jato’
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Fernando Brito, do blog Projeto Nacional

 

 

Ao analisar fatos econômicos, quase sempre há uma regra de ouro: quem os critica e quem os aplaude costuma ser o melhor referencial para o julgamento sobre quem se beneficia deles.

Este caso da concessão dos aeroportos é emblemático.Os porta-vozes na mídia dos grandes interesses econômicos fazem cara de muxôxo como  oresultado.

Ontem, antes do leilão, Miriam Leitão elogiava: “o governo montou um sistema que dará certo”


Hoje, passou a criticar:  foi caro demais, há Estado demais, as tarifas vão subir.

Conceda-se-lhe: sim, os grupos que compraram a concessão pagaram caro.

Até porque compraram apenas a metade, com direito a gerir, mas tendo o Estado, através da Infraero, com 49% das ações das sociedades formadas para os contratos de concessão. R$ 24,5 bilhões são 14 bilhões de dólares. A Vale, vendida por R$ 3,3 bilhões em 1997, teria um valor em dólar representado por menos de 8 bilhões de dólares, mesmo contando com a inflação americana. No cálculo mais generoso, pela taxa Selic – absurdamente alta por todo este período- equivaleria a R$ 30 bilhões.

E, é obvio, que a simples concessão, por 20 a 30 anos (são três prazos diferentes), com a reversão ao Estado do patrimônio aeroportuário, de três aeroportos tem um valor imensamente menor que a entrega, em definitivo, das maiores jazidas de ferro de todo o mundo, não é?

Portanto, não se pode dizer que houve doação, ou venda a preço de banana. Tanto que as empresas formadas por muitas grandes empreiteiras se assustaram e correram de fazer ofertas mais altas,

Claro que o negócio é bom, muito bom, pois não se fariam ofertas desta monta se não o fosse. E é bom porque o transporte aéreo no Brasil cresce a taxas vertiginosas e porque, no médio prazo, com os grandes eventos no próximo ano, a remuneração mais compensadora – a dos vôos internacionais – promete elevar-se muito. É uma aposta, sim, como todo negócio é. E não, como costuma acontecer no Brasil, a opção pelo capitalismo sem risco.

Agora, além de se analisar se, do ponto meramente negocial, a concessão foi feita com parâmetros vantajosos para o Governo, é preciso ver se ela se realizou de acordo com o interesse público de termos uma boa infraestrutura aeroportuária, de forma a servir bem não apenas o transporte de passageiros, mas o de carga aérea, cada vez mais importante e se coloca em risco a soberania do poder público  sobre o nosso trânsito aéreo.

E a resposta é, aí, mais difícil.

No curto prazo, não há dúvida de que investir em larga escala em aeroportos, apesar de indispensável, não é a primeira prioridade sob o aspecto da eficiência econômica e social.

E a capacidade limitada de investimento brasileira já é pequena diante dos imensos desafios que tem de ser enfrentados, na área de infraestrutura em geral e nos investimentos restritos ao serviço público.

O Governo tinha de fazer uma opção, diante da urgência da preparação dos aeroportos para os próximos anos, e a fez. A capacidade de alocar recursos na Infraero e, sobretudo, de geri-los de forma rápida e eficiente estava exaurida. Talvez até menos pela capacidade de seus quadros técnicos, mas pelas experiências demoradas que foram os últimos sete ou oito anos de remodelação a passo de cágado – e gastos nem tanto – da nossa malha de aeroportos.

E essa malha tem um teste de fogo marcado para daqui a pouco mais de dois anos, para os qual a concessão representou um aporte extra de R$ 3 bilhões para investimentos neste período, além do que já estava sendo aportado pelo Governo.

Há, porém, fatores permanentes e estruturais a serem considerados também ao avaliar-se o acerto da concessão destes aeroportos.


O primeiro deles é o corte social de seu utilização. Embora hoje se possa afirmar que é, numericamente, extremamente maior do que há alguns anos a utilização pela classe média do transporte aéreo, os aeroportos apresentam certas peculiaridade.

Um deles é o de que a frota de aeronaves privadas no Brasil, pertencentes a empresas, empresários ou para locação é inúmeras vezes maior que a da aviação comercial aberta ao público. Eram, ano passado, perto de 12 mil aeronaves, contra apenas 323 dedicadas aos vôos comerciais. Há mais jatos executivos no Brasil – 350 – que aviões de carreira e temos aqui a segunda maior frota de helicópteros do mundo: somente na cidade de São Paulo há 452, mais do que os registrados em Nova York.

Um vôo executivo, próprio ou fretado, consome o mesmo espaço de tempo num aeroporto que um vôo comercial com perto de 200 passageiros. É o chamado “slot”, a janela de pouso e decolagem entre uma e outra aeronave. E os vôos privados, como estão à disposição dos passageiros, costumam apresentar uma enorme taxa de não-utilização destes slots. E pagam por eles, ao usá-los, quantias irrisórias para um grande aeroporto: R$ 338 para um vôo doméstico de um jatinho tipo Learjet 45, de oito lugares.

O segundo, é como fazer que estes aeroportos altamente lucrativos ajudem a sustentar os investimentos nos demais aeroportos, menos rentáveis ou até deficitários, mas vitais para um país das dimensões do Brasil, que tem apenas 128 municípios – 2% do total – atendidos por vôos regulares e 75% de suas pistas de pouso sem pavimentação sequer. Por isso, a concessão destina parte dos recursos arrecadados para o Fundo Nacional da Aviação Civil, que custeará estes investimentos.

E, ainda asim, será muito menos que o necessário. Com dimensão comparável à nossa,  a China planeja investir R$ 360 bilhões para construir outros 56 novos aeroportos para a malha que tem hoje já 174 aeroportos.

Em terceiro lugar, o Estado preserva sua capacidade operacional em matéria aeroportuária, porque não apenas concede somente alguns aeroportos – os mais lucrativos, é certo, mas com uma compensação desta rentabilidade- e preserva uma estrutura de pessoas e conhecimento  capaz de operar o setor como, mesmo nos concedidos, conserva praticamente a metade do controle, através da Infraero e isso é uma garantia de reversibilidade do processo, se conveniente.

Além disso, embora com a participação de grupos estrangeiros na operação, mesmo a parcela privada das administradoras é majoritariamente nacional, com forte presença do Estado na mais importante delas, Guarulhos, através dos fundos de pensão das estatais.

Portanto, antes de embarcarmos numa até compreensível crítica à concessão – foram tantas, assim como as privatizações, ruinosas para o país que o gato escaldado tem o direito de temer a água fria – é melhor aprofundar mais esta questão.

Senão ficamos, unicamente, no desgaste político que, sem dúvida, o primeiro olhar dá à medida.

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Este caso da concessão dos aeroportos é emblemático.Os porta-vozes na mídia dos grandes interesses econômicos fazem cara de muxôxo como  oresultado.


Ontem, antes do leilão, Miriam Leitão elogiava: “o governo montou um sistema que dará certo”


Hoje, passou a criticar:  foi caro demais, há Estado demais, as tarifas vão subir.


Conceda-se-lhe: sim, os grupos que compraram a concessão pagaram caro.


Até porque compraram apenas a metade, com direito a gerir, mas tendo o Estado, através da Infraero, com 49% das ações das sociedades formadas para os contratos de concessão.


R$ 24,5 bilhões são 14 bilhões de dólares. A Vale, vendida por R$ 3,3 bilhões em 1997, teria um valor em dólar representado por menos de 8 bilhões de dólares, mesmo contando com a inflação americana. No cálculo mais generoso, pela taxa Selic – absurdamente alta por todo este período- equivaleria a R$ 30 bilhões.


E, é obvio, que a simples concessão, por 20 a 30 anos (são três prazos diferentes), com a reversão ao Estado do patrimônio aeroportuário, de três aeroportos tem um valor imensamente menor que a entrega, em definitivo, das maiores jazidas de ferro de todo o mundo, não é?


Portanto, não se pode dizer que houve doação, ou venda a preço de banana. Tanto que as empresas formadas por muitas grandes empreiteiras se assustaram e correram de fazer ofertas mais altas,


Claro que o negócio é bom, muito bom, pois não se fariam ofertas desta monta se não o fosse. E é bom porque o transporte aéreo no Brasil cresce a taxas vertiginosas e porque, no médio prazo, com os grandes eventos no próximo ano, a remuneração mais compensadora – a dos vôos internacionais – promete elevar-se muito.


É uma aposta, sim, como todo negócio é. E não, como costuma acontecer no Brasil, a opção pelo capitalismo sem risco.


Agora, além de se analisar se, do ponto meramente negocial, a concessão foi feita com parâmetros vantajosos para o Governo, é preciso ver se ela se realizou de acordo com o interesse público de termos uma boa infraestrutura aeroportuária, de forma a servir bem não apenas o transporte de passageiros, mas o de carga aérea, cada vez mais importante e se coloca em risco a soberania do poder público sobre o nosso trânsito aéreo.


E a resposta é, aí, mais difícil.


No curto prazo, não há dúvida de que investir em larga escala em aeroportos, apesar de indispensável, não é a primeira prioridade sob o aspecto da eficiência econômica e social.


E a capacidade limitada de investimento brasileira já é pequena diante dos imensos desafios que tem de ser enfrentados, na área de infraestrutura em geral e nos investimentos restritos ao serviço público.


O Governo tinha de fazer uma opção, diante da urgência da preparação dos aeroportos para os próximos anos, e a fez. A capacidade de alocar recursos na Infraero e, sobretudo, de geri-los de forma rápida e eficiente estava exaurida. Talvez até menos pela capacidade de seus quadros técnicos, mas pelas experiências demoradas que foram os últimos sete ou oito anos de remodelação a passo de cágado – e gastos nem tanto – da nossa malha de aeroportos.


E essa malha tem um teste de fogo marcado para daqui a pouco mais de dois anos, para os qual a concessão representou um aporte extra de R$ 3 bilhões para investimentos neste período, além do que já estava sendo aportado pelo Governo.


Há, porém, fatores permanentes e estruturais a serem considerados também ao avaliar-se o acerto da concessão destes aeroportos.


O primeiro deles é o corte social de seu utilização. Embora hoje se possa afirmar que é, numericamente, extremamente maior do que há alguns anos a utilização pela classe média do transporte aéreo, os aeroportos apresentam certas peculiaridade.


Um deles é o de que a frota de aeronaves privadas no Brasil, pertencentes a empresas, empresários ou para locação é inúmeras vezes maior que a da aviação comercial aberta ao público. Eram, ano passado, perto de 12 mil aeronaves, contra apenas 323 dedicadas aos vôos comerciais. Há mais jatos executivos no Brasil – 350 – que aviões de carreira e temos aqui a segunda maior frota de helicópteros do mundo: somente na cidade de São Paulo há 452, mais do que os registrados em Nova York.


Um vôo executivo, próprio ou fretado, consome o mesmo espaço de tempo num aeroporto que um vôo comercial com perto de 200 passageiros. É o chamado “slot”, a janela de pouso e decolagem entre uma e outra aeronave. E os vôos privados, como estão à disposição dos passageiros, costumam apresentar uma enorme taxa de não-utilização destes slots. E pagam por eles, ao usá-los, quantias irrisórias para um grande aeroporto: R$ 338 para um vôo doméstico de um jatinho tipo Learjet 45, de oito lugares.


O segundo, é como fazer que estes aeroportos altamente lucrativos ajudem a sustentar os investimentos nos demais aeroportos, menos rentáveis ou até deficitários, mas vitais para um país das dimensões do Brasil, que tem apenas 128 municípios – 2% do total – atendidos por vôos regulares e 75% de suas pistas de pouso sem pavimentação sequer. Por isso, a concessão destina parte dos recursos arrecadados para o Fundo Nacional da Aviação Civil, que custeará estes investimentos.


E, ainda asim, será muito menos que o necessário. Com dimensão comparável à nossa,  a China planeja investir R$ 360 bilhões para construir outros 56 novos aeroportos para a malha que tem hoje já 174 aeroportos.


Em terceiro lugar, o Estado preserva sua capacidade operacional em matéria aeroportuária, porque não apenas concede somente alguns aeroportos – os mais lucrativos, é certo, mas com uma compensação desta rentabilidade- e preserva uma estrutura de pessoas e conhecimento  capaz de operar o setor como, mesmo nos concedidos, conserva praticamente a metade do controle, através da Infraero e isso é uma garantia de reversibilidade do processo, se conveniente.


Além disso, embora com a participação de grupos estrangeiros na operação, mesmo a parcela privada das administradoras é majoritariamente nacional, com forte presença do Estado na mais importante delas, Guarulhos, através dos fundos de pensão das estatais.


Portanto, antes de embarcarmos numa até compreensível crítica à concessão – foram tantas, assim como as privatizações, ruinosas para o país que o gato escaldado tem o direito de temer a água fria – é melhor aprofundar mais esta questão.


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