Política
Abrace uma árvore
Proteger o meio ambiente é o único caminho para garantir a nossa sobrevivência enquanto espécie


A percepção humana sobre a importância das árvores tem aumentado através dos tempos. O Dia da Árvore, que se comemora em 21 de setembro, foi criado há 150 anos, no estado de Nebraska, nos Estados Unidos, por J. Stearling Morton, editor de jornal entusiasta das espécies arbóreas. No primeiro Dia da Árvore, foram plantadas, por sua iniciativa, 1 milhão de mudas.
O efeito benéfico e a importância das árvores e matas são descritos com entusiasmo e preocupação por figuras ilustres, especialmente ao longo da recente história humana. No Velho Testamento, encontramos: “Ele será como uma árvore plantada junto às boas águas e que estende as suas raízes para o ribeiro. Uma árvore que não se afligirá quando chegar o calor, porque as suas folhas estarão sempre viçosas; não sofrerá de ansiedade durante o ano da seca, nem deixará de dar seu fruto”.
No budismo, conta-se que debaixo da Árvore Bodhi, na cidade de Bodh Gaya (Índia), o príncipe Sidarta Gautama, ou Buda, alcançou a iluminação. A importância das florestas para prover serviços ambientais não passou despercebida ao Islã: o profeta Maomé delimitou uma área de 12 milhas, cinturão em torno da cidade de Medina, como reserva ambiental, onde era proibido cortar árvores ou matar animais. Elizabeth I da Inglaterra, em 1593, por meio de Ato do Parlamento, instituiu o Green Belt de Londres, para estancar a expansão urbana e criar o que os franceses conheciam como cordon sanitaire, elemento natural protetor contra as pragas.
A dimensão do valor das árvores ganhou contornos excepcionais quando as visões científicas mais ecossistêmicas se consolidaram. Quarenta anos antes da criação do Dia da Árvore, o jovem naturalista Charles Darwin esteve no Brasil. Aportou em 1832 e tinha apenas 23 anos. Nas incursões iniciais, maravilhou-se com as florestas tropicais do País. Registrou em seu diário, ao retornar a Londres: “Entre as cenas que me marcam profundamente, nenhuma ultrapassa em sublimidade as florestas primitivas como as do Brasil”. Também o engenheiro agrônomo Mauro Victor, autor de Brasil: o Capital Natural, nos brinda com um relato intenso sobre a importância das árvores, das florestas e da biodiversidade no vídeo Amazônia: de Charles para Charles, produzido pelo Instituto Brasileiro de Proteção Ambiental e enviado ao rei Charles III.
Com relato intenso e revelador, são demonstradas as reações de Darwin diante do patrimônio ambiental brasileiro. Permitem um olhar paralelo entre as observações do naturalista britânico e as afirmativas do então príncipe Charles, quando estava à frente do Prince’s Rainforest Project: “Estabelecer verdadeiros valores econômicos para os serviços prestados pelas florestas tropicais”.
Após destruir a Mata Atlântica, o Brasil avança na devastação da Floresta Amazônica
Uma estimativa razoável do valor do sistema de refrigeração planetário, que é toda a Amazônia, é de cerca de 150 trilhões de dólares, segundo o físico e consultor da Nasa James Lovelock. Os ecossistemas que dão sustentação à vida são cada vez mais preciosos e estão agora intrinsicamente ligados à sustentabilidade e à sobrevivência planetária. Esse desafio civilizatório tem raízes profundas, visíveis na passagem de Darwin pelo Brasil. O olhar de Darwin, se comparado à realidade atual, merece reflexão. Das florestas resulta hoje intensa devastação.
Nas regiões tropicais, onde se encontra a maior biodiversidade, a degradação florestal tem sido mais intensa. No cenário atual das mudanças climáticas, o ritmo de devastação das florestas tropicais tem chegado a 15 milhões de hectares ao ano, com os aumentos que assolam a Bacia do Congo, na África, com a quase destruição da Indonésia, e a inaceitável degradação da Amazônia, que segundo o Deter, do Inpe, contabilizou, em agosto deste ano, mais de 1,6 mil quilômetros quadrados, expansão de 80% em relação a agosto do ano anterior.
É tragédia anunciada. A Amazônia contabiliza 3 milhões de quilômetros de estradas ilegais, 1.261 pistas de pouso clandestinas e uma rede de criminalidade organizada mapeada pela Polícia Federal, com ramificações internacionais. Estudos históricos sobre o desmatamento no Brasil demonstram as causas desse processo devastador: cultivo itinerante, corte, queima e commodities. Esse é justamente o modelo perverso, da economia da espoliação, que devastou a Mata Atlântica e que atualmente foi transferido para a Amazônia.
Quando Darwin visitou o Brasil, o estado de São Paulo era coberto em 80% por vegetação nativa. Nos primeiros relatos, José de Anchieta afirmava a seu prior, em Portugal: “No Planalto de Piratininga chove dia sim e dia não, seja no inverno ou no verão”.
Do século XVI para o XXI ocorreram grandes transformações. São Paulo teve sua vegetação nativa reduzida a 8% no fim do século XX. Hoje enfrenta tempestades de poeira no norte do estado, provocadas pela terra solta decorrente de um modelo de monocultura insustentável. O cerrado paulista está em extinção, com fortes sinais de desertificação, em um cenário de emergência, fortemente sinalizada nos recentes relatórios do Painel Intergovernamental das Mudanças Climáticas.
Da mesma forma que o cerrado desaparece em São Paulo, os alertas sobre o ponto de não retorno da Amazônia são cada vez mais fortes e comprovados. A floresta começa a definhar em sua capacidade de sequestrar carbono, em pleno processo de desertificação. O que observamos hoje na Floresta Amazônica é o mesmo modelo predatório que devastou intensamente a Floresta Atlântica. O príncipe Charles afirmou, no início do século XXI: “Eu não poderia enfrentar meus netos – ou os seus – a menos que soubesse que tinha aproveitado a oportunidade de tentar fazer algo para garantir que eles tenham um futuro razoável”.
A sensibilização sobre a importância das árvores é um fato evidente na história da civilização. É preciso agir, mas isso nem sempre acontece. O governo paulista extinguiu no ano passado os institutos Florestal e de Botânica. A resposta nos deu Darwin, ao vaticinar: sobrevivem aqueles que melhor se adaptam. Além de combater as emissões de carbono diante das mudanças climáticas, proteger e plantar árvores estará cada vez mais presente em nossa lição de sobrevivência. •
*Presidente do Instituto Brasileiro de Proteção Ambiental (Proam).
PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1227 DE CARTACAPITAL, EM 28 DE SETEMBRO DE 2022.
Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título “Abrace uma árvore”
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