Economia
Canhão contra a mosca
Os Bancos Centrais erram ao apostar no aumento dos juros para arrefecer a escalada da inflação


Os banqueiros centrais parecem generais do exército hoje em dia. Eles se gabam de seu poder de fogo e afirmam que vão esmagar a inflação, sua velha adversária. Não terão piedade na guerra. O dano colateral será alto. Na quinta-feira 15, o Banco da Inglaterra aumentou as taxas de juro pela sétima vez desde dezembro passado, para 2,25%, e enviou aos mercados financeiros a mensagem de que a Threadneedle Street não terminou sua missão de derrotar a inflação. Os sinais são de que haverá novos aumentos das taxas, possivelmente para 3,5% ou mesmo 4%, ante o 1,75%, o que empurrará as taxas médias de hipotecas para mais de 6%. Depois que o índice de preços ao consumidor saltou para 10,1% em julho, não havia dúvida na mente da maioria dos analistas da City de que o Banco Central aumentaria o custo dos empréstimos em sua próxima reunião e continuaria a aumentá-lo no ano que vem.
Enquanto isso, a presidente do Banco Central Europeu, Christine Lagarde, disse na quinta-feira 8 que “uma ação determinada tinha de ser tomada”, após um aumento sem precedentes de 0,75 ponto-base na taxa de juros da Zona do Euro, para 1,25%. Jerome Powell, do Federal Reserve dos Estados Unidos, poderia muito bem ter usado uniforme militar em suas últimas aparições, tal é a sua nova arrogância. Ele disse em uma reunião de banqueiros centrais em Jackson Hole, no Wyoming, no mês passado, que o Fed usaria suas ferramentas “com força” até os preços estarem sob controle. Na primeira semana de setembro, Powell estava novamente em pé de guerra, dizendo que agiria “com franqueza, com firmeza”, antes de acrescentar: “Devemos continuar até que o trabalho seja feito”.
Powell e Lagarde unem-se ao governador do Banco da Inglaterra, Andrew Bailey, para defender uma ação baseada na premissa de que taxas de juro mais altas podem suprimir a inflação atualmente no sistema, estimulada principalmente pelo aumento dos preços da energia e suas repercussões naqueles dos transportes e alimentos. Custos de empréstimos onerosos também vão contrabalançar os chamados efeitos de segunda ordem, de trabalhadores que exigem altos aumentos salariais para compensar o impacto negativo da inflação nos padrões de vida.
Esses argumentos são prejudicados pela falta de evidências de apoio e levam à conclusão de que os banqueiros centrais foram empurrados para uma postura machista por políticos a querer que os bancos controlem mais a situação, enquanto eles descansam e por convenções no pensamento econômico.
Taxas mais altas não são capazes de deter o aumento dos preços dos combustíveis e alimentos
A teoria econômica diz que a inflação alta incentiva os consumidores a aumentar os gastos, em vez de se arriscar a guardar o dinheiro que valerá menos dentro de um ano. Custos de empréstimos mais altos controlam esse impulso. Estudos mais recentes mostram, porém, que os compradores sabem que a inflação alta é um sinal bastante forte de uma economia problemática, e sua resposta é parar de gastar e aumentar a poupança. Eles podem querer um novo emprego e um aumento salarial, mas o medo de uma recessão os faz manter seus empregos e engolir o aumento salarial oferecido.
A última pesquisa da S&P Global sobre o mercado de trabalho do Reino Unido descobriu que o crescimento salarial em agosto caiu para seu nível mais baixo desde março. Por que março? Porque foi quando os trabalhadores estavam confiantes de que a pandemia havia acabado e as coisas estavam a melhorar.
Fica pior para os Bancos Centrais quando examinamos mais de perto a natureza da inflação, que é principalmente importada. A maioria das importações afetadas são itens essenciais, como energia e alimentos. Trabalhadores e empresas precisam comprar energia e alimentos, então a política monetária tem pouco efeito sobre o volume adquirido. A escassez de mercadorias é outro fator que eleva os preços nas lojas, mas, se esse problema pode ser atribuído aos bloqueios da Covid-19 nas fábricas chinesas, os aumentos de juros novamente não terão efeito.
Catherine Mann, ex-economista-chefe do banco de investimentos norte-americano Citigroup, dá outra razão para aumentar as taxas acentuadamente. Ela diz que, enquanto o Fed e o BCE estiverem a aumentar os juros, o Banco Central da Grã-Bretanha, ou a libra esterlina, cairá em direção à paridade com o dólar. Sua tese é que, em um mundo competitivo, os fundos fluem para onde as taxas de juro são mais altas, os Estados Unidos, onde a taxa básica está numa faixa entre 2,25% e 2,5%. Segundo ela, uma libra em queda convida a mais pressão inflacionária, dado o quanto a Grã-Bretanha depende das importações. Portanto, a menos que o comitê de política monetária seja duro, ele será deixado para trás e a libra também.
Essa postura serve apenas, no entanto, para enfatizar que todos os Bancos Centrais perderam o rumo. Aumentam as taxas com base em poucas evidências de que isso terá o efeito necessário. Taxas de juro baixas estimulam a especulação imprudente. Em um mundo ideal, as taxas seriam altas o suficiente para fazer as instituições financeiras pensarem duas vezes antes de apostar, principalmente em imóveis.
Em uma crise, as taxas baixas são, porém, um salva-vidas, especialmente quando tantos indivíduos e empresas foram incentivados a se sobrecarregar com altos níveis de dívida. Portanto, antes de se darem medalhas, os banqueiros centrais devem reconhecer que os meios para reduzir a inflação estão nas mãos de outros. •
Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves.
PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1226 DE CARTACAPITAL, EM 21 DE SETEMBRO DE 2022.
Apoie o jornalismo que chama as coisas pelo nome
Depois de anos bicudos, voltamos a um Brasil minimamente normal. Este novo normal, contudo, segue repleto de incertezas. A ameaça bolsonarista persiste e os apetites do mercado e do Congresso continuam a pressionar o governo. Lá fora, o avanço global da extrema-direita e a brutalidade em Gaza e na Ucrânia arriscam implodir os frágeis alicerces da governança mundial.
CartaCapital não tem o apoio de bancos e fundações. Sobrevive, unicamente, da venda de anúncios e projetos e das contribuições de seus leitores. E seu apoio, leitor, é cada vez mais fundamental.
Não deixe a Carta parar. Se você valoriza o bom jornalismo, nos ajude a seguir lutando. Assine a edição semanal da revista ou contribua com o quanto puder.
Leia também

O novo papel da Petrobras em um governo Lula, segundo economista do PT
Por Alisson Matos
A Era das economias artificialmente inteligentes
Por Kleyton da Costa
Simplesmente não paga, propõe economista de Ciro para acabar com o orçamento secreto
Por Alisson Matos