Cultura
Passado e presente
Ao enterro do tênis no US Open segue-se a renovação do vôlei graças a um time com 24 anos de idade média


Quando tentei assistir à final do US Open entre Carlos Alcaraz e Casper Ruud, murmurei em benefício dos meus botões: “Certo estava Roberto Marcher”. De fato, ele, meu definitivo orientador tenístico, previa exatamente quanto eu vi: dois serventes de uma obra a risco. Roberto, que certa vez chegou a formar dupla com Thomaz Koch, sempre sustentou: “O tênis vai ficar infernalmente monótono no dia em que um jogador atira a bola de um lado, logo depois do outro, enquanto o adversário faz a mesma coisa, ao cabo um dos dois erra”.
Assim se deu na final do torneio e eu percebi o enterro do tênis, aquele disputado por verdadeiros artistas da raquete. Sabiam usá-la da melhor maneira, com o toque pessoal do talento de cada qual. No Brasil, tivemos alguns tenistas de muita qualidade: Guga, vencedor três vezes seguidas do torneio de Roland Garros, Maria Esther Bueno, por longo tempo primeira do mundo, contra adversárias do porte de Margareth Court e Billie Jean King. Por um bom tempo, Thomaz Koch foi considerado entre os melhores do mundo, quando a ATP ainda não formulava o seu cobiçadíssimo ranking.
Meu amigo Roberto Marcher diz que o mais talentoso de todos foi Ronald Barnes, descendente de escoceses dado, obviamente, a tomar uísque. Certo é, por aqui, houve bons tenistas, sem contar que o Brasil organizava torneios a contar com a participação dos melhores do mundo, de Ilie Nastase a Björn Borg, aos suecos mais atilados, aos fabulosos australianos, de Rod Laver a Ken Rosewall, sem olvidar John Newcombe, sem falar dos refinados italianos Nicola Pietrangeli, Adriano Panatta e Beppe Merlo, um precursor do tênis moderno. E no feminino, não esqueçamos Martina Navratilova, dominadora por 12 anos.
Tratava-se de um tênis onde o talento exprimia-se magnificamente, e nesta quadra Federer foi o melhor, um Fred Astaire da raquete, graças à leveza e à potência executada como se fosse sem querer, embora certeira e implacável. Devo confessar o meu sincero desapreço por Rafael Nadal, a quem me permitiria sugerir um draconiano tratamento psiquiátrico, para curá-lo das suas espantosas obsessões. Nem por isso deixou de ser admirado e até hoje o vemos em ação, com todas as suas micagens nas quadras mais diversas. O tênis era uma límpida manifestação artística. A final do US Open é uma cerimônia oficiada por ocasião de seu enterro.
Os italianos festejam a vitória no mundial de vôlei e, escolhido como o melhor jogador, Gianelli encabeça o time – Imagem: Janek Skarzynski/AFP
No campo do esporte, há compensações, embora migrem para outra modalidade. Refiro-me à renascença do voleibol, em que o Brasil já foi o campeão mais invejado. No momento, as melhores seleções mantêm o apego a seus veteranos, como se dá, por exemplo, salvo exceções, à seleção brasileira que ganhou a medalha de bronze em Katowice, onde a Polônia pretendeu erguer a catedral do vôlei. Ali mesmo, com extrema dificuldade, derrotou o Brasil, prejudicado inclusive pela contusão de um de seus melhores, o ponteiro Lucarelli.
Veterano também é o treinador da Itália, Ferdinando De Giorgi, que foi campeão três vezes, o que permitiu ao time atual atingir o pentacampeonato. Diante de um público fluvial a lotar o maior estádio de vôlei do mundo, e certo da sua superioridade, o quadro polonês perdeu por 3 a 1, quando merecia ser derrotado por 3 a zero. Esta seleção italiana, que se revelou imbatível, tem média de idade de 24 anos, o que deixa antever uma supremacia duradoura. Um certo Giannelli foi apontado o melhor de todo o torneio, e entre os medalhas de ouro figuram com destaque alguns como os novíssimos Michieletto e Lavia, bem como aquele que foi tido como o melhor líbero, Fabio Balaso.
Trata-se de uma seleção que joga por música, afinada em todos os setores, e nela o mais velho tem 28 anos. Enfeitada pelas faixas de sua torcida, a Polônia, em Katowice, sucumbiu inexoravelmente, mas, com elegância e fair-play, soube como encerrar este campeonato mundial com a pompa devida, em um espetáculo bonito e generoso. •
PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1226 DE CARTACAPITAL, EM 21 DE SETEMBRO DE 2022.
Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título “Passado e presente”
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