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Já envelheceu?

Protagonistas das eleições de 2018, os arautos da “nova política” acabaram engolidos pelo bolsonarismo

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Créditos: Kelly Fuzaro/TV Band, Alesp e Toninho Barbosa/DEM
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Na semana em que Bolsonaro foi eleito presidente, em 2018, o MBL atingia seu pico de audiência nas redes sociais. No Facebook, bateu a marca de 15 milhões de interações. Agora, faltando duas semanas para o primeiro turno das eleições, o número despencou para 17 mil interações. O que explica um derretimento tão expressivo em quatro anos? Na avaliação do cientista político Cláudio Couto, professor da FGV de São Paulo, os expoentes do MBL, defensores de uma agenda ultraliberal, não conseguiram surfar na onda do bolsonarismo e acabaram às margens do debate político, hoje pautado pelo capitão, sua família e seus escudeiros mais fiéis.

“O bolsonarismo realmente teve sucesso em se tornar um movimento de massa. Além do mais, conta com muitos recursos do próprio governo, e o Bolsonaro não hesita em usar recursos do governo em benefício próprio”, afirma Couto. “Já esses grupos da ‘nova direita’, como o MBL, não tiveram essa mesma capacidade de mobilização, e boa parte dos seguidores deles acabou assimilando o bolsonarismo, de forma que ficaram órfãos.”

O MBL surgiu na esteira das manifestações de julho de 2013. Com um discurso de demonização da “velha política”, o movimento tornou-se um dos principais propagandistas da Operação Lava Jato e liderou os atos pelo impeachment de ­Dilma Rousseff. Protagonista desse processo, Kim Kataguiri chegou a figurar na lista dos jovens mais influentes do mundo da revista Time, em 2015, e elegeu-se deputado federal três anos mais tarde com o quarto maior número de votos. À época, ele não hesitou em apoiar Jair Bolsonaro no segundo turno das eleições de 2018. Afastou-se do ex-capitão ainda no primeiro ano de governo e rompeu de vez após o ex-ministro Sergio Moro ser enxotado do governo. Hoje, defende o voto “nem-nem”. “Nem Lula, nem Bolsonaro, eu voto nulo no primeiro e no segundo turno”, diz o candidato à reeleição na Câmara, em vídeo recente no YouTube, onde também vem perdendo audiência. Pudera. Suas principais propostas são “redução dos impostos” e a “privatização de todas as estatais”. Discurso manjado, que em nada difere da cantilena de Paulo Guedes, o Posto Ipiranga de Bolsonaro.

Em 2018, o MBL teve 15 milhões de interações em uma única semana. Hoje, elas giram em torno de 17 mil

Coordenador do Laboratório de Estudos sobre Imagem e Cibercultura da Ufes, Fábio Malini, especialista em análise de dados nas redes sociais, vê um apagão do nome do MBL no debate político deste ano: “Depois das desavenças com o bolsonarismo, hoje esse pessoal do MBL apanha muito mais da direita do que da esquerda na internet. E desapareceram”.

Além de ter ficado sem um nome de expressão nacional para se apoiar, uma vez que descolou de Bolsonaro e viu Moro ruir, Kataguiri também ficou em maus lençóis após ver seus amigos Renan Santos e Arthur do Val, o Mamãe Falei, serem acusados de evasão de divisas e turismo sexual durante uma viagem à Ucrânia, com o alegado propósito de auxiliar os refugiados.

Fundador do MBL e espécie de ideólogo do movimento, Renan Santos e outros integrantes de sua família também entraram na mira do Ministério Público de São Paulo por suspeita de lavagem de dinheiro, além de possuírem dívidas milionárias com a União. Já Arthur do Val, que fez carreira no YouTube e se elegeu em 2018 como o segundo deputado estadual mais votado de São Paulo, teve vida curta na política. Flagrado em áudio dizendo que as mulheres ucranianas “são fáceis porque são pobres” e delatando o tour de blonde que Santos fazia no Leste Europeu, acabou cassado pelos colegas da Assembleia Legislativa de São Paulo.

A eleição de Bolsonaro à Presidência representou a institucionalização de uma direita radical que jamais havia chegado ao poder, avalia o cientista político João Feres Jr., coordenador do Laboratório de Estudos de Mídia e Esfera Pública da Uerj. “A correlação de forças mudou e o MBL passou a perder seguidores”, observa. O discurso “antissistema” do grupo, acrescenta, também perdeu o sentido. “Ao chegar no Legislativo, eles passaram a operar na lógica eleitoral, a trabalhar pela manutenção do mandato.”

Tabata Amaral. A deputada tentou conciliar gregos e troianos, e desagradou a ambos – Imagem: Luis Macedo/Ag.Câmara

Como não existe vácuo na política, boa parte do público do MBL migrou para o bolsonarismo. Não à toa, uma das lideranças que mais crescem hoje nas redes é a deputada federal Carla Zambelli, do PL. Fundadora do movimento Nas ­Ruas e uma das vozes mais estridentes pelo impeachment de Dilma Rousseff, ela demonstrou fidelidade canina ao atual ocupante do Palácio do Planalto. Chegou a virar as costas para Moro, seu padrinho de casamento, e, sempre colada à imagem do capitão, não para de crescer nas redes sociais. Somente no Instagram, cresce em torno de 2,6% por semana.

Os integrantes do MBL não os únicos representantes da “nova política” a cair no ostracismo. Coautora do pedido de impeachment de Dilma e deputada estadual mais votada da história do País, Janaina Paschoal, hoje filiada ao PRTB, disputa uma vaga no Senado por São Paulo, mas figura com apenas 5% das intenções de voto, segundo a pesquisa Ipec de 7 de setembro. Outra que rompeu com o capitão e viu encolher sua base é a deputada federal Joice Hasselmann, do PSDB. Se tinha pretensão de alçar voos maiores, ela se esvaiu em meio a trocas de acusações com Bolsonaro e os filhos dele.

A autora do livro Menos Marx, Mais Mises: o Liberalismo e a Nova Direita no Brasil, a cientista política Camila Rocha explica que essa nova direita pode ser separada basicamente em três grupos: “Tem os que se declaram abertamente antibolsonaristas, outra parcela que fica meio em cima do muro, sempre esperando para ver qual vai ser o rumo das eleições, porque têm interesse político nisso, e os que continuam bolsonaristas até hoje”.

Quem não abraçou o capitão enfrenta as maiores dificuldades no momento.

A bancada de “novas lideranças políticas” financiada pelo empresário Jorge Paulo Lemann tampouco empolgou. Por meio de sua fundação, ele investiu na formação de jovens promissores, entre eles a politicóloga e astrofísica pela Universidade de Harvard Tabata Amaral, eleita deputada federal pelo PDT por São Paulo e candidata à reeleição pelo PSB. Em seu mandato, ela votou a favor da reforma da Previdência, contrariando o partido e desapontando o campo progressista, e buscou uma postura conciliatória com a direita não bolsonarista. Ao cabo não agradou a nenhum dos lados.

Carla Zambelli, que se manteve leal ao capitão, ainda surfa em sua popularidade

Os governadores que se elegeram com o discurso da “nova política” tomaram rumos muito diferentes. Eleito no embalo da onda bolsonarista, Wilson Witzel não conseguiu construir uma base parlamentar sólida e acabou cassado, sob a acusação de comandar um esquema de corrupção na área da saúde. Nem mesmo a defesa da violência policial no combate ao crime, tão popular entre os bolsonaristas, foi capaz de livrá-lo do patíbulo. “Ele entrou na vala comum da política conservadora, mas foi um fracasso”, diz Couto. “Não construiu alianças, comprou brigas inúteis, deu no que deu.”

Romeu Zema, eleito pelo partido ­Novo ao governo de Minas Gerais com uma chapa “puro-sangue”, utilizou o bolsonarismo a seu favor até onde pôde. Agora, por conveniência eleitoral, busca desvencilhar-lhe da imagem do capitão. Apesar de chegar ao Palácio Tiradentes com um discurso de “não compor com a velha política”, fez exatamente o contrário. Tanto que disputa a reeleição aliado por partidos como MDB, Progressistas e Solidariedade. “Zema nunca adotou a estética bolsonarista, aquele estilo ­superagressivo”, observa o cientista político da FGV. “Ele fez um governo convencional.”

Caminho semelhante foi trilhado pelo governador de Santa Catarina, Carlos Moisés. Eleito em 2018 pelo PSL, à época a mesma agremiação de Bolsonaro, ele não tardou a se articular com os partidos e os políticos tradicionais. Tanto que resistiu a diversos pedidos de ­impeachment e, mesmo após ser afastado do cargo por determinação judicial, conseguiu retomar o mandato. Não está com a reeleição garantida, enfrenta adversários fortes, mas ainda figura na dianteira das pesquisas. Fato é que abandonou de vez a fantasia da “nova política”, está perfeitamente integrado ao sistema.

Apesar da sombra bolsonarista, Camila Rocha acredita que ainda é cedo para prenunciar o ocaso da “nova política”. Com Bolsonaro fora do poder, é possível que esses grupos voltem a ganhar tração. Mas tampouco há muitas certezas sobre o futuro do bolsonarismo. “Se o capitão for preso, vai ter um movimento ‘Bolsonaro Livre’?”, provoca Couto. “Acho difícil.” •

PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1226 DE CARTACAPITAL, EM 21 DE SETEMBRO DE 2022.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título “Já envelheceu? “

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