Política

assine e leia

O resgate do povo

Olívio Dutra volta à disputa eleitoral com a missão de ressuscitar a participação popular na política

O resgate do povo
O resgate do povo
Vitalidade. O octogenário político defende a renovação dos quadros do PT - Imagem: Redes sociais
Apoie Siga-nos no

Aos 81 anos, Olívio Dutra retorna à cena política. Deputado constituinte, ex-prefeito de Porto Alegre e ex-governador do Rio Grande do Sul, o “Galo Missioneiro”, como os gaúchos o tratam, percorre o estado postulando votos para o seu partido, o PT, e sua candidatura ao Senado. Não tem sido uma tarefa fácil. O Sul converteu-se na região mais bolsonarista do País, atestam diversas pesquisas. Dutra é o único candidato do campo progressista a despontar como favorito nas ­disputas majoritárias. O ataque à democracia promovido pelo ex-capitão “é o que me levou a ser candidato”, explica.

CartaCapital: O que o motivou a voltar à política?

Olívio Dutra: O Estado Democrático de Direito vem sendo vilipendiado desde o golpe contra a presidenta Dilma Rousseff. O atual governo demonstra total desrespeito e desprezo pela organização popular, pelos movimentos sindicais, das mulheres, dos jovens, das etnias, dos povos originários, dos afrodescendentes. Somos o terceiro maior produtor de alimentos do mundo, enquanto 33 milhões de brasileiros passam fome. Temos 10 milhões de desempregados e outros tantos trabalhadores submetidos a empregos precários, mal remunerados. O desenvolvimento deve ser economicamente viável, socialmente justo e ambientalmente sustentável, com distribuição de renda, diminuição das desigualdades e uma relação holística com a natureza.

CC: O senhor propôs um mandato participativo no Senado. Como funcionará?

OD: O senador eleito e os seus dois suplentes, também eleitos, vão assumir responsabilidades compartilhadas em torno do mandato. Nos partidos tradicionais, os suplentes normalmente são parentes ou financiadores de campanha, uma figura decorativa que se desliga do titular logo após a eleição. Para nós, que pretendemos constituir um movimento popular fortalecido pela participação da sociedade organizada, os suplentes se integram ao mandato, a partir de um programa comum e de uma intervenção imbricada nos movimentos sociais, com encontros sistemáticos de discussão e prestação de contas.

CC: O orçamento participativo é a marca de suas gestões como prefeito e governador. O senhor pretende defender esse modelo de gestão no Senado?

OD: O orçamento participativo é uma experiência rica, que deve ser permanentemente avaliada e qualificada. Na democracia, não podemos aceitar distorções como as emendas do relator, o tal “orçamento secreto”. O atual governo usou dinheiro púbico como moeda de troca, em favor de suas conveniências e em benefício de interesses privados. Às vezes, não há recursos para uma obra de interesse de muitas comunidades porque o dinheiro foi usado em benefício de um cabo eleitoral ou financiador de campanha. Vale lembrar que os conselhos com participação da sociedade junto à administração federal foram desmontados. Certamente, no Senado, vamos trabalhar para reforçar a participação popular nas decisões de governo.

Não somos contra o agronegócio, que traz divisas ao País. Mas não devemos levar em conta só a exportação, é preciso combater a miséria

CC: O senhor e o ex-presidente Lula estão na dianteira das pesquisas, mas o candidato a governador pelo PT, Edegar Pretto, não decolou. Qual é a dificuldade? O agronegócio vê com maus olhos a ligação dele com o MST?

OD: Vencemos resistências semelhantes no passado. Quando estivemos no governo, eu e o companheiro Tarso Genro soubemos conversar com todos esses segmentos, visando a redução das desigualdades sociais. Lembro, por exemplo, da ­Expointer, nossa principal feira agropecuária. Convidamos a agricultura familiar para fazer parte da exposição que, até então, era exclusividade dos grandes produtores. No início, houve grandes resistências por parte dos que se julgavam donos do espaço, mas hoje a agricultura familiar está perfeitamente integrada, com um amplo pavilhão onde oferece seus produtos.

CC: Como conquistar esse eleitorado mais conservador, do campo?

OD: Mostrando que não somos contra o agronegócio, que traz divisas ao País e ao nosso estado. Mas não devemos levar em conta só a exportação, é preciso combater a miséria. No Rio Grande do Sul, mais de 1 milhão de cidadãos passam fome. De cada dez famílias, sete enfrentam dificuldade para conseguir alimento ou não têm o que comer. O agronegócio deve estar articulado com a agricultura familiar, que responde por 70% dos alimentos consumidos pelos brasileiros. Queremos a agricultura e a pecuária fortalecidas, gerando divisas, mas, principalmente, produzindo alimentos saudáveis e com preços que caibam no bolso do trabalhador. O companheiro Edegar Pretto tem vencido essas resistências através do bom debate, sem esconder sua vinculação com o MST, mas se mostrando um candidato em condições de governar o estado.

CC: Como lidar com os ataques de Bolsonaro à democracia?

OD: Isso é o que me levou a ser candidato. É do feitio do presidente esse tipo de bravata, essa chantagem para obter dividendos através do medo que possa incutir na população. Mas as Forças Armadas, por meio de suas lideranças mais esclarecidas, têm se manifestado contra esse tipo de ameaça.

CC: Caso Lula seja eleito, qual será seu maior desafio?

OD: O desafio imediato é erradicar a fome por meio de políticas urgentes de segurança alimentar. Será preciso recriar ferramentas de participação popular junto às instâncias de governo. Será necessário livrar a Amazônia das queimadas e do crime organizado. Reconstruir a cultura e a pesquisa. O estrago foi grande, mas sabemos que é possível devolver o Brasil aos brasileiros.

CC: Lula anunciou que não pretende disputar a reeleição em 2026. Qual o futuro do PT sem Lula? O partido está preparado para mudanças?

OD: A política deve ser continuamente renovada com o surgimento de novas lideranças. E isso é desafiador. O processo político no Brasil produziu uma pulverização de partidos que, muitas vezes, não se fundam sob programas ideológicos, mas em conveniências ocasionais. O PT é um dos partidos que conservam seu ideário programático. Temos muitos jovens em nossos quadros, entre os nossos candidatos, e a afirmação como lideranças políticas se dará com o tempo, a partir do fortalecimento de sua intervenção no movimento social. •

PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1226 DE CARTACAPITAL, EM 21 DE SETEMBRO DE 2022.

ENTENDA MAIS SOBRE: , , ,

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo

Apoie o jornalismo que chama as coisas pelo nome

Depois de anos bicudos, voltamos a um Brasil minimamente normal. Este novo normal, contudo, segue repleto de incertezas. A ameaça bolsonarista persiste e os apetites do mercado e do Congresso continuam a pressionar o governo. Lá fora, o avanço global da extrema-direita e a brutalidade em Gaza e na Ucrânia arriscam implodir os frágeis alicerces da governança mundial.

CartaCapital não tem o apoio de bancos e fundações. Sobrevive, unicamente, da venda de anúncios e projetos e das contribuições de seus leitores. E seu apoio, leitor, é cada vez mais fundamental.

Não deixe a Carta parar. Se você valoriza o bom jornalismo, nos ajude a seguir lutando. Assine a edição semanal da revista ou contribua com o quanto puder.

Leia também

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo