Opinião

Que tenha sido o último 7 de Setembro sob o signo da opressão, da fome e da morte

Que o 2 de outubro seja para todos nós, não apenas brasileiros, mas também latino-americanos, africanos e orientais, o que o 2 de julho é para os baianos: o dia da libertação do jugo

Que tenha sido o último 7 de Setembro sob o signo da opressão, da fome e da morte
Que tenha sido o último 7 de Setembro sob o signo da opressão, da fome e da morte
Foto: Carl DE SOUZA / AFP
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“Se há milionários, é porque há os miseráveis”. – Henry George.

Seria tão simples a vida política se conseguíssemos entender essa verdade tão evidente.

Os seres humanos parecem ter necessidade de buscar sentido.

O fato de termos desenvolvido a linguagem escrita também indica essa vontade.

Mergulhar na história pode ser uma linda jornada, assim como nas diferentes línguas e culturas.

Quando vemos a animosidade ocidental contra a Rússia e o consequente anúncio de que a companhia estatal Gazprom fechou as torneiras de gás para a Europa Ocidental não podemos deixar de recordar que foi o inverno um dos fatores que impediram as ocupações da Rússia tanto na incursão de Napoleão, no século XIX, quanto de Hitler, no XX, embora o primeiro tenha chegado a incendiar Moscou e o segundo, a sitiar São Petersburgo e alcançar as portas de Moscou.

Resta a pergunta: os ocidentais ainda são passíveis de aprendizado? Não entenderam que os golpes que promoveram por toda a Terra um dia cobrarão seus preços? Os interesses ingleses no Brasil, nos campos do petróleo e da mineração, justificam convite ao genocida, ainda que seja para funeral, da Rainha?

Não, olhando em profundidade, não se pode mais detectar capacidade de aprendizado no Ocidente.

Com efeito, como bem intuíra Paulo Freire, todo aprender implica dialogar, aceitar verdades do outro, questionar dúvidas e construir pensamentos coletivamente. De nenhuma dessas coisas o Ocidente parece ainda ser capaz.

Infelizmente, nessa decadência o Brasil está diretamente inserido, centralmente mesmo.

Um exemplo eloquente: Porto Alegre, que fora a capital da participação, do orçamento participativo, dos fóruns sociais mundiais, está reduzida a espectro do passado.

Coerentemente, a proposta de uma vereadora de extrema-direita direita foi aprovada pela Câmara Municipal, dando o nome do astrólogo picareta Olavo de Carvalho a uma das ruas da cidade.

Felizmente, o edil Leonel Radde, candidato pelo Partido dos Trabalhadores a deputado estadual (13007), juntamente com os demais integrantes das bancadas do PT, do PSOL e do PC do B, opôs-se e, ao ver a aberração aprovada, vestiu-se de burro, para adequar-se à Casa…

Embora o troféu do atraso ainda esteja com a Câmara de Vereadores de Curitiba, que cassou o vereador negro Renato Freitas, em ato de racismo explícito e vergonhoso, a de Porto Alegre parece ter assegurado o segundo lugar no mundo trevoso da ignorância e da insignificância a que se pode reduzir a política.

Mas esta também pode atingir os píncaros da dignidade.

Um exemplo: “Segredos do Putumayo”, em cartaz em São Paulo.

Trata-se de documentário sobre o Diário da Amazônia, do diplomata irlandês Roger Casement (posteriormente executado pela coroa inglesa, por ter lutado pela independência de seu país, a Irlanda).

Casement documentou as atrocidades que uma joint-venture inglesa-peruana cometera contra os indígenas peruanos, obrigados a coletar a transportar a borracha, não recebendo em paga sequer a comida. Homens, mulheres e crianças eram açoitados e mortos, totalmente à mercê de barbárie jamais vista.

Graças ao trabalho heroico de Casement, o arbítrio foi denunciado internacionalmente e as atrocidades tiveram, então, de cessar.

Para quem se aprofundar sobre o tema, recomendo a leitura do “Diário da Amazônia”, editado pela EDUSP.

Interessante notar que o citado documentário foi patrocinado pela empresa pública de água e saneamento de São Paulo, SABESP.

Essas duas informações são suficientes para se entender porque as trevas não se coadunam com o público, com o transparente, o coletivo e o comum a todos.

Fui assistir o referido documentário no dia 7 e tive de atravessar a Paulista para chegar ao cinema. Após presenciar o show de horrores de caminhonetes do interior buzinando como fazem para o próprio gado; camisas da CBF em corpos descerebrados e empobrecidos defendendo os interesses dos próprios opressores, e ao ouvir do caixa e da lanterninha um “bom filme”, quase fui às lágrimas.

É que o mal vai corroendo nossa humanidade a ponto de podermos sentir essa condição intrínseca se esvaindo. Porém, o tratamento minimamente humano é capaz de nos restituir a beleza de sermos seres racionais, afetivos, conscientes e solidários!

Que felicidade o sorriso desdentado do morador de rua que recebe a metade daquele beirute que você não conseguiu engolir pela presença opressiva e invasiva dos coxinhas da mesa ao lado!

Que este tenha sido o último 7 de Setembro sob o signo da opressão, da fome, da agressão e da morte.

Que o 2 de outubro seja para todos nós, não apenas brasileiros, mas também latino-americanos, africanos e orientais, o que o 2 de julho é para os baianos: o dia da libertação do jugo!

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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