

Opinião
O voto evanjo-ruralista
Em outubro próximo, a enxada, pelo voto, continuará mantendo o coronelismo vivo?


O mineiro Victor Nunes Leal (1914-1985) foi um jurista brasileiro, professor da Faculdade Nacional de Direito (hoje UFRJ – Universidade Federal do Rio de Janeiro) e, nomeado por Juscelino Kubistchek, ministro do STF, Supremo Tribunal Federal (1960-1969), quando foi exonerado pela ditadura militar.
Em 1948, lançou “Coronelismo, Enxada e Voto” (Forense, Companhia Editora das Letras 7α edição). Na minha opinião, junto a “Casa Grande & Senzala” (Gilberto Freyre, 1933), “Raízes do Brasil” (Sérgio Buarque de Holanda, 1936), “Formação do Brasil Contemporâneo” (Caio Prado Jr., 1942), “Formação Econômica do Brasil”, Celso Furtado, 1959), e “O Povo Brasileiro” (Darcy Ribeiro, 1995), entende e serve a quem quer entender o Brasil.
Existem outros. Não muitos, porém. Nenhum seminal. Mais comum é citar os cinco últimos, ou pelo menos alguns deles mais famosos ou indicados nos cursos de Ciências Humanas.
Incluo o “Coronelismo”, por achar este o mais entranhado em nossa vida desde a Proclamação da República, já que, sem ignorar as raízes que a precederam, projeta a agropecuária atual e contradiz os jargões que vigoram em forma simplória nos artefatos audiovisuais e plataformas das redes sociais.
Dado estar próximo o fim do atual período presidencial, em que parte apocalítica de nossas infecções históricas foram expostas ao País, nada mais interessante que entender coronéis míticos e o povo que neles votou e excluiu a enxada.
Apesar de prévia e exaustivamente anunciado, foi muito estrume a cobrir o País de miséria econômica, social e ambiental. Tudo leva a crer, no entanto, que sobrevivemos e novos braços aparecem para a sua remoção e nossa ressurreição.
Folhas e telas cotidianas, em pesquisas de votos ou matérias analíticas, montam o tripé de sustentação do governo Bolsonaro com militares, evangélicos e ruralistas. Claro que no interior de cada um desses grupos há nuances, mas poucas e difíceis de identificar. Foi assim em 2018, diante de um mito que há quase 30 anos mentia e, eleito, mostrou ser o mestre das lorotas.
Posso ter errado algumas vezes em minhas colunas ao chamá-lo de RIP, Regente Insano Primeiro. Tem muito de louco, sim, mas quando em benefício próprio. No mais, usa o ímpeto para se escafeder de seus explícitos ideais fascistas.
Da mesma forma, muitas vezes considerei o Brasil uma Federação de Corporações, e não uma República Federativa. A partir de 2019, Jair Bolsonaro fez dela uma Federação de Seitas Menores. Religiosas, inclusive, que oram para Cristo, mas torcem e agem como fariseus.
Até hoje, quando grandes decisões políticas, condicionantes da economia e do tecido social, deixaram permitir equanimidade cidadã? Tudo sempre subordinado a currais e a seus coronéis.
Instituídos aparatos constitucionais, sufrágio universal, sempre o coronelismo reinou no ambiente político nacional. Pouco se evoluiu, mesmo para abrandá-lo. Os períodos democráticos duravam para sustentar os currais da aristocracia, fossem elas militares, agropecuárias, industriais e, mais recentemente, financeiras.
Com exceção do período entre 2003 e 2016, nos governos de Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff, tentou-se que a enxada tivesse certa proeminência na política do País e, pasmem, pelo voto. A isto a burguesia chamou populismo, engendrou um golpe que pudesse interromper pífios ensaios de uma democracia social, e recolocou o coronelismo no poder.
Daquela vez, por um disfarce democrático, mantendo na prisão, sem provas, o político que obtivera 87% de aprovação após oito anos de mandato e que, certamente, ganharia as eleições.
Por ilusão imbecil, o povo votou num coronel sem a patente que, há quase quatro anos, vem destruindo todos os aparelhos criados que forneciam cidadania à enxada.
Em outubro próximo, a enxada, pelo voto, continuará mantendo o coronelismo vivo?
Inté! Mais uma vez, estamos nas suas mãos.
Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.
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