Economia
A recessão na esquina
Aumentam as chances de estagnação das principais economias europeias nos próximos dois anos


Quase seis meses depois que Vladimir Putin ordenou a invasão das tropas russas à Ucrânia, a extensão dos danos à economia europeia fica cada vez mais clara. As luzes vermelhas da recessão piscam. As quatro grandes economias da Zona do Euro – Alemanha, França, Itália e Espanha – tiveram suas previsões de crescimento para 2023 rebaixadas pelo Fundo Monetário Internacional, enquanto a combinação de guerra com taxas de juro mais altas freou a atividade.
No Reino Unido, a inflação está acima de 10% pela primeira vez em 40 anos e as famílias lutam com o aumento das contas de energia. O Banco da Inglaterra prevê que a inflação atingirá um pico acima de 13% no outono, após novo aumento nos custos da energia, enquanto a economia entrará numa recessão prolongada. Na Grã-Bretanha, que enfrenta pressões adicionais do Brexit, também se sente o impacto do aumento dos preços da energia, interrupção na cadeia de suprimentos, escassez de trabalhadores e seca que tem atingido o resto da Europa. Analistas da Economist Intelligence Unit (EIU) dizem que os problemas poderão continuar por algum tempo, pois os países precisam se livrar da dependência dos hidrocarbonetos russos, e construir energias renováveis alternativas levará tempo. “A curto prazo, esperamos uma recessão na Europa no inverno de 2022-23, como resultado da escassez de energia e da alta inflação sustentada”, anotam os especialistas da EIU. “O inverno de 2023-24 também será desafiador e, portanto, esperamos alta inflação e crescimento lento até pelo menos 2024.”
A incerteza sobre o desfecho da invasão da Ucrânia só piora as perspectivas na Zona do Euro
Abaixo, avaliações das probabilidades de recessão na União Europeia e na Rússia.
Alemanha
A maior economia da Europa está no centro da tempestade, à medida que a crise energética, meses sem chuvas e o colapso do comércio global atingem sua base industrial. O crescimento econômico desacelerou até estagnar no segundo trimestre e deve se tornar negativo nos próximos meses. “Será necessário um milagre econômico para a Alemanha não entrar em recessão no segundo semestre do ano”, disse Carsten Brzeski, do banco holandês ING. “O fato de todo o modelo econômico de negócios alemão estar atualmente em reforma também pesará nas perspectivas de crescimento nos próximos anos.”
A Rússia forneceu mais da metade do gás da Alemanha em 2020 e em torno de um terço de todo o petróleo. Desde o início da guerra, o Kremlin estrangulou os suprimentos e culpou problemas técnicos pela queda no volume enviado pelo principal oleoduto, o Nord Stream 1.
A seca e as temperaturas escaldantes causaram queda acentuada nos níveis de água do Rio Reno, importante rota de transporte para o setor industrial predominante na Alemanha. Os níveis de água caíram abaixo da marca crítica de 40 centímetros, impedindo que as barcaças sejam carregadas com capacidade total. Algumas rotas foram canceladas e causaram atrasos para empresas químicas e outros fabricantes nos centros industriais. Fábricas ao longo das margens do Reno que dependem de água para resfriamento também enfrentaram problemas, enquanto as remessas de carvão para usinas de energia, destinadas a manter as luzes acesas, provavelmente serão interrompidas.
Em resposta à crise energética, Berlim vai impor uma taxa de gás para as residências, que entrará em vigor a partir de outubro e durará até abril de 2024, com o objetivo de distribuir o custo maior no atacado entre residências e indústrias. O governo implementou um pacote de apoio à energia no valor de mais de 30 bilhões de euros (156 bilhões de reais), incluído um montante fixo de 300 euros (1.560 reais) para os trabalhadores, apoio extra para as habitantes que recebem assistência social, cortes nos impostos de gasolina e diesel e descontos de 9 euros em passagens de ônibus e trens. O chanceler alemão, Olaf Scholz, também prometeu um novo pacote de apoio financeiro.
Chances de recessão: **** (em cinco)
Tênue alívio. A volta dos turistas pós-pandemia aquece a economia. Menos dependente do gás russo, a França está mais protegida que a Espanha – Imagem: iStockphoto
França
A França deveria estar mais bem protegida do que muitas outras nações europeias, graças ao seu grande setor de energia nuclear, que responde por pouco mais de 70% de sua geração de eletricidade, mas tem enfrentado sérias falhas em reatores antigos. Embora em posição menos perigosa do que a Alemanha, a segunda maior economia da Zona do Euro ainda poderá enfrentar cortes de energia prejudiciais neste inverno.
O PIB da França aumentou 0,5% no segundo trimestre, menos que outros países do continente, com o consumo doméstico notavelmente fraco. O governo implementou um pacote de apoio emergencial no valor de 20 bilhões de euros (104 bilhões de reais), incluídos os cortes de impostos nas bombas de gasolina, enquanto limita um aumento nos preços regulados da eletricidade em 4%, política facilitada pela propriedade estatal da gigante de energia EDF.
Chances de recessão: **
Itália
A economia italiana teve um desempenho muito mais forte recentemente do que suas grandes rivais na Zona do Euro: registrou crescimento de 1% no segundo trimestre. Mas, assim como a Alemanha, a Itália é fortemente dependente do gás russo e tem a complicação adicional de estar mergulhada numa nova crise de incerteza política depois da renúncia do primeiro-ministro Mario Draghi, no início do verão.
As pesquisas de opinião apontam uma mudança de direção da abordagem tecnocrática de Draghi após as próximas eleições. Um governo de coalizão de direita que tem feito campanha em uma plataforma econômica fortemente nacionalista e protecionista deve vencer. Os mercados financeiros e o Banco Central Europeu estão atentos para o risco de os investidores exigirem uma alta taxa de juros para a compra de títulos italianos. Com a Itália em mente, o BCE anunciou no mês passado um novo instrumento financeiro destinado a evitar que as taxas de juro mais altas tenham um impacto desproporcionalmente adverso nos estados membros mais vulneráveis.
No início de agosto, a Itália aprovou um novo pacote de apoio no valor de cerca de 17 bilhões de euros (88,5 bilhões de reais) para consumidores e empresas, num dos últimos atos de Draghi como líder. Um corte de impostos sobre gasolina e diesel, que deveria expirar neste mês, também foi prorrogado até 20 de setembro.
Desde a criação da moeda única, há quase um quarto de século, a Itália tem tido o desempenho mais fraco dos “quatro grandes”, com padrões de vida pouco mais altos do que no fim da década de 1990. Beneficia-se neste ano de um impulso ao turismo, que representava 13% do seu PIB antes da pandemia.
Chances de recessão: ***
A seca prolongada, a inflação e a crise energética dificultam a retomada do crescimento
Espanha
Como todos os outros países da Europa, a Espanha é também afetada pela guerra na Ucrânia, mas dos quatro grandes tem a melhor chance de evitar uma recessão, apesar da inflação em alta. Há uma série de razões para isso. Sua economia entrou na crise em razoavelmente boa forma e – assim como a Itália – recebeu um impulso adicional pelo aumento do turismo após a pandemia. O turismo representava 12% do PIB da Espanha antes da Covid e uma parcela ainda maior do emprego.
Os espanhóis dependem muito menos da energia russa do que os italianos e é um grande importador de gás natural liquefeito de todo o mundo. O PIB cresceu 1,1% no segundo trimestre e o FMI espera que seja o crescimento mais rápido dos quatro grandes no próximo ano. O governo disponibilizou 16 bilhões de euros (83,2 bilhões de reais) em auxílio financeiro e empréstimos para empresas e famílias que enfrentam custos de energia crescentes.
Chances de recessão: *
Rússia
A Rússia sofreu com as sanções do Ocidente, que mergulharam sua economia em profunda recessão e forçaram o Kremlin a dar calote em suas dívidas externas pela primeira vez desde 1918, embora os preços crescentes da energia tenham atenuado parte do impacto.
Pesquisadores da Universidade de Yale disseram no mês passado que o Ocidente prejudicava a economia russa, embora outros especialistas discordem. Holger Schmieding, economista-chefe do Banco Berenberg, disse que os dados recentes não apontam uma “conclusão tão dura”. O saldo da conta corrente da Rússia – que mede os fluxos de comércio e investimento – mais do que triplicou e atingiu um superávit recorde de 167 bilhões de dólares (867 bilhões de reais) no segundo trimestre, impulsionado pelos altos preços do petróleo e do gás no atacado, que aumentaram as exportações, enquanto as sanções ocidentais levaram a uma queda nas importações. Os rendimentos têm sido uma fonte vital de divisas para Moscou e refletem nas perdas do rublo desde o início da invasão.
Especialistas dizem, no entanto, que a longo prazo a economia da Rússia enfrentará dificuldades com a perda de tecnologia e investimentos ocidentais. “Nosso melhor palpite é de que a Rússia está em uma recessão grande, mas ainda longe de ser catastrófica”, acrescentou Schmieding.
Chances de recessão: ***** •
Tradução: Luiz Roberto M. Gonçalves.
PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1223 DE CARTACAPITAL, EM 31 DE AGOSTO DE 2022.
Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título “A recessão na esquina “
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