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A CVM flexibiliza as regras do equity crowdfunding, modalidade de captação que cresceu 120% em um ano

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Estreia. A Kria, de Camila Nasser, captou 1,5 milhão de reais para a The Question Mark Co. sob as novas regras - Imagem: Lucas Ishida e Redes Sociais
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Acaba de sair do forno a primeira captação de equity crowdfunding sob as novas regras da Instrução 88 da Comissão de Valores Mobiliários. O negócio foi realizado pela plataforma Kria, que antecipou os detalhes da operação a CartaCapital. A oferta, de 1,5 milhão de reais, foi da The Question Mark Co. e será utilizada na expansão da rede de distribuição, bem como no desenvolvimento de tecnologia para novos alimentos à base de vegetais, além da linha de iogurtes existente.

Na sexta-feira 15, o site da CVM registrava 40 ofertas em andamento, no valor de 74,5 milhões de reais, nenhuma delas, ainda, realizada após a entrada em vigor, em 1º de julho, da nova resolução. No ano passado, foram 73 ofertas iniciais e um total de 126,1 milhões de reais captados. Em termos de ofertas encerradas, foram 17, no montante de 42,5 milhões, enquanto neste ano elas somam 26 operações, no valor de 45 milhões – o que indica que, tanto em termos de negócios quanto de valores, 2022 tende a superar 2021. Aquele, aliás, foi um ano excepcional para o equity crowdfunding: o volume captado cresceu 123% em relação ao período anterior, de 84 milhões para 188 milhões de reais, quantia 22 vezes superior aos 8 milhões de reais obtidos pelas sociedades empresariais de pequeno porte em 2016.

Uma nova resolução amplia o limite de investimentos de 5 milhões para 15 milhões de reais

O levantamento da autarquia também identificou uma evolução de 139% no número de novos investidores, de 8.275 para 19.797. Finalmente, a entidade relatou no ano passado o cadastro de 56 plataformas, aumento de 75% na comparação com os 12 meses anteriores. O próprio regulador, no relatório da audiência pública que informou a revisão das regras, afirma que “a modalidade de ­crowdfunding de investimento tem o potencial de se tornar uma porta de entrada para o mercado de capitais para diversas empresas da economia brasileira”.

“A mudança da norma da CVM, pelo potencial de aumento de faturamento das empresas e volume das ofertas, pode fazer o nosso mercado crescer em ao menos três vezes. Vamos ter uma gama muito maior de boas oportunidades”, anima-se Camila Nasser, presidente da primeira plataforma de crowdfunding no Brasil, em 2014, e, também, a primeira empresa a experimentar esse tipo de captação. A oferta pública digital pioneira, nesse mesmo ano, foi de meros 250 mil reais, com a participação de 30 investidores. A empresa então se chamava Brotas. “Brotamos, crescemos e viramos Kria, com um histórico de mais 80 milhões de reais captados em mais de cem ofertas, sendo dez delas com exit, ou seja, ­startups que concluíram o ciclo de maturação, deram lucro e foram vendidas”, relata a executiva, citando entre os compradores o Grupo Pão de Açúcar, o fundo de ­venture ­capital Kaszek e os bancos Itaú, Bradesco e BTG Pactual, entre outros.

Menos restrições. A nova resolução da CVM abriu as portas desse tipo de operação para empresas com faturamento de até 40 milhões de reais – Imagem: CVM

A Resolução 88 substitui, desde 1º de julho, a primeira regra do equity ­crowdfunding editada em 2017 para esse tipo de operação de captação de recursos que conecta investidores a startups e pequenas empresas com alto potencial de expansão, viabilizada por meio de plataformas online. As empresas recebem aportes de capital de investidores que, em troca, adquirem participação em forma de quotas/ações ou títulos conversíveis. As principais mudanças introduzidas pela Resolução 88 em relação às rodadas de investimentos incluem: aumento do limite das captações de 5 milhões para 15 milhões de reais, ampliação do limite de receita bruta que caracteriza uma startup, de 10 milhões para 40 milhões de reais, permissão para fazer propaganda de rodadas de investimento em redes sociais e veículos da comunicação e autorização para plataformas fazerem a ponte entre investidores que queiram vender e comprar suas cotas do investimento.

No sistema das plataformas, as novas regras visando aumentar a proteção aos investidores passam a valer em 90 dias e abrangem: escrituração das cotas de investimento por empresas autorizadas pela CVM ou um registro simplificado, e com menor custo, nas plataformas, capital social mínimo de 200 mil reais para a constituição de novas plataformas, exigência de contratação de profissional de compliance pelas plataformas no caso de ofertas de investimentos maiores, exigência de contratação de auditoria por startups com receita bruta a partir de 10 milhões de reais ou que queiram realizar rodadas acima desse valor.

Diversificação. O leque de possibilidades aumentou, diz Jarreta – Imagem: Arquivo pessoa

Segundo Nasser, as novas regras significam o reconhecimento pelo regulador de que o mercado de crowdfunding “passou no teste” iniciado com a primeira instrução, considerada por ela “tímida, apesar de ser uma das melhores do mundo à época”. “A CVM viu que não há fraude, como em outros mercados sem regulação. Conseguimos prover um ambiente seguro para os investidores.” A executiva lembra que, em 2020, por causa da pandemia, a autarquia adiantou algumas autorizações extras para as plataformas que não constavam da regulação, a fim de que estas pudessem captar lotes adicionais de 25% e fechar rodadas antes de atingir o mínimo regulamentar de dois terços do valor proposto, podendo atingir 50%. “O mais importante é que a CVM explicitamente reconheceu a importância desse mercado para impulsionar a economia que estava parada.”

Os juros básicos a 13% afetam o mercado, mas há ainda muitas oportunidades pela frente

Alcides Jarreta, cofundador da plataforma Efund Investimentos com Igor ­Romeiro, destaca os benefícios do aumento do limite para captação em rodada de investimento e do porte das empresas. Era uma complicação captar algo em torno de 6 milhões a 8 milhões de reais com a limitação a 5 milhões de reais, que ou excluía do modelo empresas necessitadas de valores como aqueles ou elas se viam forçadas a fazer duas operações, o que implicava respeitar o limite de tempo entre as rodadas, de seis meses. “Ou seja, para captar 8 milhões, tinham de dividir em duas parcelas com intervalo de meio ano entre elas”, exemplifica. Quanto ao aumento do porte para o faturamento até 40 milhões, ele entende que abrirá aos investidores a chance de aplicar em empresas maiores e mais robustas que necessitam de capital para crescer ainda mais. “Assim, o leque de opções e diversificação só aumentará. É bem provável que algumas plataformas se tornem ainda mais específicas para atender certos tipos de investidores e setores.” Jarreta salienta que, agora, as startups poderão aventar projetos de investimento mais alentados, o que tornará o crowdfunding ainda mais atraente para setores como construção civil, agronegócio e geração elétrica, que movimentam valores bem mais expressivos. E mais: “As empresas que realizaram o investimento via equity ­crowdfunding, mas que agora necessitam levantar valores acima de 5 milhões de reais, poderão mais uma vez utilizar da mesma modalidade antes de recorrer a um fundo de investimentos”.

Outro impulsionador do crescimento do setor, aponta o dirigente da Efund, é o fato de as plataformas de equity ­crowdfunding agora poderem oferecer o serviço de controle de titularidade e participação societária. Elas também terão direito ao aumento do lote adicional do valor máximo de 20% para 25% em rodadas de investimento. “A maior flexibilização das formas para divulgação da oferta pública, autorizando as plataformas a atuar como intermediadoras de transações subsequentes, facilitará a compra e venda de valores mobiliários ofertados na própria plataforma”, acentua. “Isso abrirá janelas de liquidez”, observa Nasser. Pelas regras anteriores, a limitação à base própria de investidores para comunicar uma nova oferta constituía um desafio ponderável. “Com tanto marketing competindo pela atenção do investidor, como as plataformas podiam conseguir trazê-lo para as ofertas? Isso mudou com a ICVM 88, pois permite às plataformas unir-se a parceiros de distribuição, como corretoras, agentes autônomos, assessores e influenciadores. O trabalho consciente de educação do investidor vai ajudar a expandir muito mais essa classe de ativos”, acrescenta a executiva. “Isso traz ao investidor a segurança da liquidez.”

Fonte: BCB

Nasser é francamente otimista em relação às perspectivas do ­crowdfunding, mesmo com a concorrência da Renda Fixa anabolizada pela elevação pirotécnica da Selic, de 2% ao ano para 13,25%. “A Kria está tendo um ótimo ano até aqui, superamos o desempenho do primeiro semestre do ano passado.” A especialista faz, porém, uma ressalva: o ambiente de juros altos enseja um processo de “correção do mercado”, no sentido de que as avaliações dos negócios estão mais baixas quando comparadas ao ano anterior. “Este ativo não é como os unicórnios que crescem a qualquer custo e estão avaliados em 1 bilhão de reais. É uma primeira, segunda fase dos negócios. E o que estamos vendo é que há investidores prestando atenção no crowdfunding. Mesmo os que antes olhavam para aqueles valuations absurdos, passam a olhar os negócios early stage. E quando isso acontece, os negócios estão se adaptando. Tem valuations que fazem mais sentido com o contexto, com premissas claras para as precificações. De certa forma, para quem investe em startup, o momento traz uma adequação de preços que surge como oportunidade de investimento.” •

PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1218 DE CARTACAPITAL, EM 27 DE JULHO DE 2022.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título “Vaquinha gorda”

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