

Opinião
Às vezes, parece guerra
O Espião Estatístico coloca o Botafogo no topo da lista dos clubes com maior número de cirurgias realizadas em jogadores
Em momentos decisivos, os desportistas tomam posição em relação a medidas oportunistas engendradas pelos “espertalhões de araque” que se aproveitam da confusão para tentar impor alterações na legislação do esporte. Trata-se do velho e bom “passar a boiada”, infelizmente tão comum em todos os setores da vida brasileira.
As iniciativas que vão surgindo aqui e ali dividem dirigentes e interessados no esporte em geral. O que precisamos fazer nessas situações é, como ocorre em todos os campos da sociedade, unir iniciativas comuns que nos pareçam boas de modo a enfrentar o adversário comum.
Isso tem acontecido em relação às propostas de alteração da Lei Pelé – que, inclusive, deveria mudar de nome. A União dos Atletas das séries A, B, C e D tem rebatido: “Não iremos nos calar, precisamos ser ouvidos”. É um bom começo.
Eles se referem à “supressão de direitos”, seguindo a orientação de advogados que explicam que as mudanças implicam a redução dos direitos de imagem e em alteração nos valores das rescisões de contrato, por exemplo. Correu também uma notícia que informa o encontro de jogadores com o senador, visando a defesa dos interesses da classe.
Por falar nisso, encontrei-me, recentemente, com o craque Deley, em um evento em homenagem ao Fred, companheiro de campo e de Associação Garantia do Atleta Profissional (Agap).
Fred, que teve passagens por Flamengo e Botafogo e foi campeão mundial pela Seleção em 1970, foi um companheiro destacado por sua coerência e combatividade.
Deley, por sua vez, mesmo sem continuar em Brasília – onde já esteve como deputado –, segue empregando sua vasta capacidade de articulação e atuando na política em defesa das necessidades do esporte.
Voltando à bola que corre em campo, a Libertadores aproxima-se do final com a presença de cinco brasileiros e três argentinos, desta vez sem a participação dos tradicionais River Plate e Boca Juniors. Tampouco há times dos demais países vizinhos.
A atuação do Boca contra o Corinthians demonstrou como estamos, todos os sul-americanos, depauperados em relação a grandes astros do futebol. Os garotos saem tão jovens de seus países que alguns começam até a retornar emprestados, para acabar de amadurecer em seus lugares de origem.
Lembro que, na semana passada, falamos sobre as cenas deploráveis nos jogos do Vasco e, em seguida, do Botafogo. Esta semana, tais cenas ficaram por conta do encontro entre Cruzeiro e Fluminense, pela Copa do Brasil.
No fim ainda do primeiro tempo, o narrador da partida encerrou sua parte dizendo que, se os times mantivessem o mesmo ritmo da primeira fase, os preparadores físicos estariam de parabéns, tamanho o desgaste.
O treinador Paulo Pezzolano, do Cruzeiro, ficou inconformado com a não marcação de um toque de mão do zagueiro Manoel, do Fluminense, e, dado o tamanho da sua reação, tomou cartão amarelo e, na sequência, o vermelho. Terminou sendo expulso antes mesmo do intervalo. Se, a essa altura, já se acumulavam várias brigas entre os jogadores, tudo ficou por um fio.
E não deu outra. Fim de jogo e 3×0 para o Tricolor das Laranjeiras, mesmo jogando no Mineirão, casa do adversário. Apesar desta derrota “em casa”, o Cruzeiro vai de vento em popa, liderando a tabela na Série B, em seu objetivo principal de voltar à elite do futebol nacional.
No quesito violência e destempero, volto ao tema de algumas semanas atrás, quando falei no alto risco de traumatismos graves ocasionados pela forma de se jogar no País. Pois, não muito tempo depois de eu ter escrito sobre isso, uma reportagem do Globo Esporte revelou que um número recorde de cirurgias em jogadores colocou, este ano, o Botafogo no topo da lista criada pelo Espião Estatístico – iniciativa que, desde 2016, acompanha as lesões e intervenções nos principais clubes do Brasil.
O panorama no Botafogo é semelhante ao de uma guerra, tamanho o número de desfalques a cada jogo. Os torcedores dos times exaltam o “comprometimento” dos jogadores, mas e o futebol, onde é que fica?
Volto a comparar o comportamento dos jogadores com o dos personagens do filme A Noite dos Desesperados (1969), com Jane Fonda, direção de Sydney Pollack, sobre a crise econômica norte-americana. Na trama, casais em situação-limite participam, até cair, de um concurso de dança, em busca do prêmio reservado ao último a resistir.
Essa imagem não é em nada diferente do que vem acontecendo no dia a dia tenso que vivemos. •
PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1217 DE CARTACAPITAL, EM 20 DE JULHO DE 2022.
Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título “Às vezes, parece guerra”
Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.
Apoie o jornalismo que chama as coisas pelo nome
Muita gente esqueceu o que escreveu, disse ou defendeu. Nós não. O compromisso de CartaCapital com os princípios do bom jornalismo permanece o mesmo.
O combate à desigualdade nos importa. A denúncia das injustiças importa. Importa uma democracia digna do nome. Importa o apego à verdade factual e a honestidade.
Estamos aqui, há 30 anos, porque nos importamos. Como nossos fiéis leitores, CartaCapital segue atenta.
Se o bom jornalismo também importa para você, nos ajude a seguir lutando. Assine a edição semanal de CartaCapital ou contribua com o quanto puder.



