

Opinião
Revolução do conhecimento
Em vez de instrumento de progressão, a educação tornou-se uma forma de segregação social, devido ao baixo investimento público. É hora de corrigir essa rota


Venho de família humilde. Nasci em São Gonçalo, cidade da Região Metropolitana do Rio de Janeiro, e me criei na periferia de Niterói, no bairro do Fonseca. Meu pai, Seu Aroudo, só sabia escrever o nome e trabalhou como inspetor em escolas públicas. Já minha mãe, dona Alenice, era secretária escolar, também na rede pública.
Meus pais não tinham muita instrução, mas nos educaram através do exemplo, mostrando, como viviam e se comportavam na prática, o valor do trabalho, da honestidade e do respeito à família. Como dois funcionários de escola, eles me ensinaram outro valor fundamental: a importância da educação na transformação e na criação de oportunidades. Foi assim que nasceu em mim o sonho de ser professor. O estudo tornou-se uma forma de quebrar um ciclo de exclusão, a oportunidade de ir mais longe do que os meus pais, ter mais qualidade de vida e chances de progredir.
Conto a história da minha família para ilustrar como as coisas mudaram e de como algo muito valioso ficou pelo caminho. Meus pais, como tantos outros, olhavam para o meu futuro e dos irmãos e tinham esperança. Entendiam que, com educação, trabalho duro e dedicação, uma pessoa vinda de baixo poderia ter um bom emprego e salário decente.
Passadas algumas décadas, vejo como as coisas mudaram, como o futuro ficou mais incerto, como os pais e mães olham para o futuro e sentem medo. No Brasil, sobretudo no Rio de Janeiro, a educação, em vez de instrumento de progressão, tornou-se uma forma de segregação social, por causa da falta de investimentos, abrindo um abismo ainda maior entre quem está em cima e quem está embaixo.
Há uma fratura social, um apartheid que condena milhões de jovens e suas famílias a uma situação de precariedade permanente, porque não obtêm no sistema público a estrutura e o conhecimento necessários para encontrar seu lugar numa sociedade extremamente competitiva, baseada no domínio de novas tecnologias e inovação. O resultado a gente sabe qual é: o de cima sobe, o de baixo desce ainda mais na pirâmide social. Há um efeito dominó na vida dessas famílias, com empregos precários, salários baixíssimos e nenhuma possibilidade de ascensão. Não que o Brasil e o Rio, tão desiguais, fossem exemplos de mobilidade social, mas as brechas estão mais apertadas.
É nessa sociedade fraturada, baseada na escassez para tantos e na opulência para poucos, que germinam regimes autoritários em todo o mundo. A revolta, o ressentimento, a insegurança, a perda de estabilidade e de horizonte, em que a única certeza é a incerteza sobre todas as coisas, não são a origem da doença, mas os sintomas. A raiz de um sistema que alimenta desigualdades e deixa milhões de seres humanos pelo caminho. Além da ampliação do fosso social, essa contradição degrada a crença no regime democrático e nas suas instituições, incapazes de dar respostas concretas e identificadas com os interesses do poder econômico.
Quero ser o governador da Educação no Rio. Primeiro, por causa da minha história de vida. Não teria chegado aonde cheguei sem as oportunidades que a educação me deu. Tenho a convicção de que somente através de uma revolução do conhecimento na rede pública de ensino nós conseguiremos quebrar este ciclo que condena milhões de famílias à exclusão, à escassez de recursos e de chances de ter uma vida melhor.
Ninguém vai ficar para trás, vamos disputar a vida e o futuro de cada jovem através da educação. O primeiro passo é recuperar o tempo perdido pela garotada nesses dois anos de pandemia, criando um programa para que estudantes que estão nas faculdades do Rio de Janeiro se preparem para ser professores e deem aulas de reforço nas escolas estaduais.
O menino ou a menina tem aula de manhã e, à tarde, continua no colégio, recebendo reforço desses bolsistas. Assim, nossos jovens ficam mais tempo na escola, com educação em tempo integral, e aprendem mais. Todo mundo ganha com isso, professor, aluno e a família.
Vamos garantir que as nossas crianças aprendam a ler na idade adequada e que os nossos adolescentes concluam cada etapa do ensino no período certo. Nossos alunos vão se alimentar de Matemática, Língua Portuguesa, História, mas também de merenda de qualidade quatro vezes por dia, com café da manhã, almoço, lanche e jantar, porque escola é lugar de acolhimento, onde os jovens terão todas as condições para aprender e se desenvolver. Nossos professores serão respeitados e valorizados.
Priorizar a educação é estratégico para reerguermos o Rio de Janeiro e quebrarmos este ciclo que condena o nosso estado ao atraso. Vamos virar a página e escrever uma nova história com a revolução do conhecimento. •
PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1209 DE CARTACAPITAL, EM 25 DE MAIO DE 2022.
Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título “Revolução do conhecimento”
Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.
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