Economia
O alarme da recessão
Múltiplas crises apontam para uma freada da economia mundial e o País, debilitado, precisa se preparar
A forte queda, na quinta-feira 5, das bolsas de valores nos EUA e no Brasil, no contexto de inflação mundial elevada e juros altos devido à guerra na Ucrânia, sanções econômicas recíprocas, descontinuidade das cadeias produtivas globais iniciada com a pandemia e que persiste com os lockdowns na China, acionou o alarme para um cenário externo preocupante, com nítido risco de recessão. A vulnerabilidade é maior em países como o Brasil, com a economia enfraquecida por anos seguidos de crescimento medíocre em consequência de uma política econômica desconectada da realidade doméstica e internacional. A inflação e os juros no País só perdem para as taxas da Turquia, da Argentina e da Rússia, segundo o Trading Economics.
As revisões para baixo das projeções das principais organizações multilaterais, FMI, Unctad e OCDE, confirmam o cenário desalentador, com mais inflação e menor crescimento do PIB mundial neste ano, em um contexto de grande incerteza e um viés negativo, devido à persistência da Covid-19 e à guerra. O FMI, em seu estudo mais recente, reduziu a projeção de crescimento do PIB global de 4,4% para 3,6% em 2022, e de 3,8% para 3,6% em 2023. A Unctad revisou de 3,6% para 2,6% a estimativa feita para 2022, uma redução semelhante àquela esperada pela OCDE em razão da guerra na Ucrânia. Quanto ao Brasil, a projeção de crescimento elaborada pelo FMI melhorou, mas continua abaixo de 1% e depende do resultado da posição de ambiguidade do País, grande produtor de commodities internacionais primárias e, ao mesmo tempo, importador relevante de insumos, máquinas, fertilizantes e outros implementos.
A piora das estimativas por parte das organizações multilaterais vai muito além de uma simples correção, como deixou claro economista Mohamed A. El-Erian, presidente do Queen’s College da Universidade de Cambridge. Em recente artigo, El-Erian disse que o ajuste feito pelo FMI no relatório World Economic Outlook é preocupante. “É raro uma organização revisar tão para baixo suas projeções de crescimento econômico em apenas um trimestre de ano. As novas projeções abrangem 86% de seus países membros, o que resultou em queda de quase um ponto porcentual no crescimento global de 2022, de 4,4% para 3,6%”, chama atenção o economista. “Não só isso, essa previsão vem acompanhada de uma alta significativa na inflação projetada, e todo este noticiário ruim vem embrulhado em um pacote de incerteza ainda mais profunda. Há um viés para baixo no equilíbrio dos riscos, e a expectativa é que a desigualdade piore tanto dentro dos países quanto entre eles”.
Em inflação e juros altos, o País só perde para Turquia, Argentina e Rússia
A queda da Bolsa brasileira no início do mês aconteceu após o declínio de 10,10% em abril, quando os investidores estrangeiros retiraram 7,7 bilhões de reais do País, pressionados tanto pela piora das perspectivas para os países emergentes quanto pelo movimento de fuga para ativos mais seguros e de maior qualidade, isto é, para os títulos públicos dos EUA. O tombo da quinta-feira 5 praticamente zerou os ganhos de quatro meses e foi acompanhado pela elevação do dólar, que fechou acima de 5,15 reais na segunda-feira 9, na terceira alta consecutiva e alcançou o maior nível em quase dois meses. Era apenas o início de uma série de baixas da Bolsa, inclusive das ações das siderúrgicas, neste caso em uma antecipação da decisão do ministro da Economia, Paulo Guedes, de reduzir as tarifas de importação do aço. A redução abrangeu as alíquotas de vários outros produtos, na tentativa de conter a alta contínua da inflação, puxada pela elevação dos preços dos alimentos e dos derivados de petróleo. Ao mesmo tempo, a base parlamentar do governo, preocupada também com seu futuro eleitoral, pressionava por subsídio ao diesel e alívio na conta de luz.
As expectativas de inflação no médio prazo nos EUA aumentaram e as projeções de gastos das famílias atingiram um recorde, segundo uma pesquisa do Federal Reserve de Nova York divulgada na segunda-feira 9. Os consumidores acreditam que a inflação vai demorar um ano para começar a baixar. Vários países decidiram controlar estoques de alimentos, opção previsível, mas que resulta em pressão adicional sobre os preços. No Brasil e nos EUA, buscam-se culpados pela expansão dos preços. De olho na eleição de outubro, Bolsonaro atribui o aumento dos preços dos derivados à Petrobras e deixa de lado o fato de que tem poder sobre uma empresa controlada pela União. Na quarta-feira 11, diante de novo aumento do preço do diesel, o presidente resolveu sacrificar o mensageiro, isto é, o almirante Bento Albuquerque, ministro de Minas e Energia, substituído por Adolfo Sachsida, chefe da assessoria especial de Assuntos Estratégicos do Ministério da Economia. Principal assessor do ministro da Economia, Paulo Guedes, Sachsida notabilizou-se ao declarar, no final de 2020, que “a chance de nova onda de Covid é baixíssima”. Os registros oficiais mostram que 2021 foi o ano mais letal da pandemia no País, com 412.880 mortes.
Nos EUA, uma das versões sobre a origem do recente surto de inflação é que o mercado de trabalho apertado provocou um rápido crescimento salarial, forçando as empresas a aumentar os preços, o que levaria trabalhadores a exigir salários mais altos, com risco de desencadear uma espiral salário-preço e, a partir daí, uma escalada rumo a uma inflação de dois dígitos. “Essa história seria plausível nos anos 1970, mas hoje é muito difícil fazer com que a hipótese de espiral salário-preço se ajuste à situação atual por uma razão simples: a participação salarial na renda caiu acentuadamente desde a pandemia”, dispara o economista Dean Baker, fundador do Center for Economic and Policy Research, dos EUA.
Reações. Bolsonaro culpa a Petrobras pela alta dos combustíveis. A tensão na Bolsa sinaliza o rumo incerto da economia – Imagem: iStockphoto e Miguel Schincariol/AFP
A participação salarial na renda corporativa, diz Baker, vinha recuperando-se gradualmente até 2014, mas houve uma reversão em 2021, na pandemia, com queda de 76,1% para 73,7%. “A maioria dos americanos olha para a economia e percebe que as empresas estão explorando gargalos na cadeia de suprimentos, guerras estrangeiras e uma pandemia, para gerar lucros recordes nas costas dos consumidores”, observa o sociólogo da economia Lindsay Owens, diretor do think tank progressista Groundwork Collaborative, em artigo no New York Times.
A prática de gerar resultados para os acionistas à custa dos consumidores verifica-se também no caso da Petrobras, que lucrou 9,4 bilhões de dólares no primeiro trimestre, o maior valor entre as principais petroleiras do mundo. Todas as empresas do setor se beneficiaram da alta do petróleo, mas apenas a Petrobras é controlada por um país autossuficiente nesta fonte energética, mas que abriu mão de utilizar essa condição em benefício da sociedade, aumentou a importação e reduziu a produção interna de derivados e direcionou a estratégia da companhia para o objetivo exclusivo de maximizar o retorno para os investidores.
A série de elevações seguidas dos juros programadas pelo FED deverá constituir o maior aperto monetário em décadas, preveem vários economistas, o que ameaça desacelerar ainda mais a economia brasileira, que segue estagnada ou com crescimento irrisório desde 2015.
O comportamento do Banco Central deve ser, porém, de manutenção das altas taxas de juros por tempo indefinido. O ponto principal no que se refere às perspectivas, observa José Francisco Lima Gonçalves, economista-chefe do Banco Fator, é a lentidão da desaceleração da inflação e seu viés para cima. “A alta recente do dólar e a manutenção dos preços das commodities em oscilação em torno de um novo patamar recomendam cautela, como diz a ata do Comitê de Política Monetária”.
A expectativa é de que a esigualdade piore tanto dentro dos países quanto entre eles
O fato de os antecedentes da provável recessão incluírem ondas da pandemia, desglobalização, desmonte das cadeias produtivas globais, exacerbação do conflito EUA versus China, guerra na Ucrânia e abalos do dólar enquanto moeda reserva universal resultam em maior grau de insegurança dos agentes econômicos, mas abrem também oportunidades para esforços de aumento da autonomia das economias e das suas moedas. A necessidade de reorientar a política monetária em todos os países para servir à economia real em lugar dos mercados financeiros é preocupação crescente entre governos e agentes do mercado, sustenta El-Erian.
A inviabilidade de manter cadeias globais longas, ameaçadas de interrupção por conflitos, cria espaço para um maior desenvolvimento local da indústria, como mostra o exemplo do plano de produção local de fertilizantes no Brasil, para eliminar riscos futuros de falta de suprimento, como ocorreu na guerra na Ucrânia.
O uso do dólar como instrumento de guerra abala o seu papel enquanto moeda reserva universal e tende a gerar um sistema misto, chamam atenção vários especialistas. “Desde a virada do século, a participação do dólar nas reservas cambiais globais identificadas caiu cerca de meio ponto porcentual ao ano, à medida que os bancos centrais adicionaram dólares canadenses, dólares australianos, coroa sueca e outras moedas de reserva não tradicionais às suas carteiras”, destaca Barry Eichengreen, professor de Economia da Universidade da Califórnia. O resultado, diz, é um sistema monetário e financeiro internacional menos centrado no dólar, que mais se assemelha a uma economia global também menos centrada nos EUA. “A conclusão provisória”, acrescenta o economista James K. Galbraith, da Lyndon B. Johnson School of Public Affairs, “é que o sistema financeiro baseado no dólar, com o euro atuando como um parceiro menor, provavelmente sobreviverá por enquanto. Mas haverá um significativo não-dólar, não-zona do euro.”
O novo contexto enseja o surgimento de propostas como a de uma moeda comum sul-americana, o sur, ideia lançada no Brasil por Lula, para reduzir a dependência do dólar. O sur não se assemelharia ao euro, que eliminou as soberanias nacionais e as moedas dos países integrantes da Zona do Euro. Sua referência é a proposição de uma moeda internacional, o bancor, apresentada pelo economista John Maynard Keynes na conferência de Bretton Woods, nos EUA, em 1944, para contornar as crises do sistema padrão-ouro anterior.
Na economia brasileira, sob influência gigantesca do dólar não só nos produtos comercializáveis no exterior, mas sobre o conjunto dos preços, inclusive aluguéis e serviços públicos, todos eles corrigidos indiretamente pela oscilação da moeda estadunidense, cresce a percepção de que juros altos crônicos e dolarização dos preços não são uma solução. •
PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1208 DE CARTACAPITAL, EM 18 DE MAIO DE 2022.
Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título “O alarme da recessão”
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