Economia
O alto preço da dependência
O Brasil tem condições de substituir a importação de fertilizantes por insumos nacionais mais sustentáveis


Fertilizantes são produtos de natureza mineral ou orgânica, natural ou sintética capazes de alterar os níveis de fertilidade dos solos e assegurar a oferta de um ou mais nutrientes para as plantas. O tema está regulamentado pela Lei 6.890, de 1980. A grande maioria origina-se de vários tipos de rochas que possuem características mineralógicas, químicas e gêneses distintas. Tais fontes minerais podem se converter em adubos se forem ricas em nutrientes essenciais, como potássio (K), fósforo (P), cálcio (Ca), magnésio (Mg), enxofre (S) e elementos considerados micronutrientes, importantes para o desenvolvimento das plantas. Os fertilizantes solúveis (NPK) são produzidos a partir de rochas fosfáticas e evaporíticas com altas concentrações de P e K, respectivamente. O nitrogênio (N) é obtido a partir do gás natural.
China e Marrocos detêm as maiores reservas e produções de fosfatos. O Brasil ocupa a sétima posição e produz apenas 1,4% do total mundial. Quanto ao potássio, Canadá, Rússia e Bielorrússia são os principais produtores (67% do total). A participação do Brasil é ínfima (0,6%), o que o obriga a importar 96% do que consome. A oferta de nitrogenados é mais pulverizada entre os produtores de petróleo e gás natural. Os quatro maiores consumidores de fertilizantes no mundo são China, EUA, Índia e Brasil. Com alto consumo e baixa produção, o Brasil possui acentuada dependência do mercado internacional (80%) e não participa da formação dos preços. Por sua vez, China e EUA importam somente 20% do que consomem.
Além da escassez, dos altos custos e da dependência de fertilizantes, o que está em foco neste momento é o modelo de agricultura adotado pelo Brasil. O uso intensivo de insumos sem avaliar as reais necessidades de cada agroecossistema (usa-se mais adubo do que as plantas necessitam) torna o País um grande perdulário de produtos de alto custo. Mas como mudar um modelo que tem mostrado recorrentes recordes de safras e que contribui para assegurar o superávit da balança comercial? Existem opções. Uma delas, a mais fácil, é usar os adubos de forma mais parcimoniosa e eficiente, conhecendo as necessidades e as especificidades dos solos e das culturas que se deseja produzir (soja, mandioca, milho, feijão, hortaliças etc.). Outra opção consiste em apoiar a produção interna de fertilizantes (ainda que com reservas menores) e, principalmente, o incentivo ao uso de novas rotas tecnológicas.
Nessa opção destacam-se os remineralizadores (REMs), conforme os princípios da tecnologia da rochagem, segundo a qual o uso de determinados tipos de rochas silicáticas moídas (cominuídas) tem a capacidade de oferecer os nutrientes para o solo e para as plantas, na medida de suas necessidades. Essa rota tecnológica foi regulamentada pela Lei 12.890, de 2013, e pela Instrução Normativa nº 5, de 2016, que estabelecem as características, mecanismos de controles, garantias mínimas e condicionantes de uso e comercialização.
Fonte: Theodoro, S. H.; Manning, D.; Ferrão, F.; Almeida, G. (2022) a partir de dados do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento.
Entre as vantagens dos REMs destacam-se: (i) fontes multinutrientes que fortalecem processos enzimáticos complexos e garantem alimentos de maior valor nutricional, além de observar os princípios de uma agricultura mais sustentável e agroecológica; (ii) possuem preços mais acessíveis, o que diminui os custos de produção em até 50%, se comparados à adubação convencional. Atualmente, uma tonelada de REM pode ser obtida por valores entre 150 e 300 reais. A título de comparação, uma tonelada de cloreto de potássio (KCl) custa cerca de 6 mil reais. A recomendação agronômica de KCl pode variar entre 50 kg/ha (culturas anuais) até 1.000 kg/ha (olerícolas). De outro lado, tem-se recomendado entre 2 a 4 t ha-1 como média para os REMs, mas as dosagens devem variar de acordo com os solos, as características químicas/mineralógicas dos REMs e as culturas agrícolas; (iii) apresentam solubilidade mais lenta que os adubos convencionais, sugerindo uma permanência no solo por períodos de tempo mais longos (até quatro anos). Definido como efeito residual, esse fato indica que os nutrientes são utilizados na medida da necessidade das plantas, comportando-se como um banco de nutrientes; (iv) a aplicação de cargas maiores por ano de REMs resulta em economia relativa ao manejo; (v) favorecem o desenvolvimento de plantas com maior enraizamento e parte aérea mais exuberante; (vi) podem garantir produtividades similares ou superiores àquelas obtidas com adubos solúveis; (vii) podem facilitar o sequestro de CO2 no solo. Esses e outros resultados estão disponíveis em teses, dissertações e trabalhos científicos publicados em revistas nacionais e internacionais.
Após a edição da instrução normativa, as empresas do setor mineral têm buscado o enquadramento para atender às especificações estabelecidas. Recentemente, foi criada a Associação Brasileira dos Remineralizadores e Fertilizantes Naturais (Abrefen), que visa apoiar e incentivar o setor produtivo mineral. Nos últimos três anos, a produção passou de 920 mil toneladas para 1,5 milhão, com previsão de 3 milhões em 2022. Estimativas indicam que, em 2030, a oferta chegará a 75 milhões de toneladas. Hoje, 30 empresas distribuídas em nove estados brasileiros possuem registro para comercializar REMs.
A ampla diversidade de rochas e sua distribuição espacial em todo o território assegura que esta rota tecnológica possui grande potencial para ampliar a oferta de insumos em todas as regiões, para diferentes perfis de agricultores (familiares e empresariais), garantindo a oferta e diminuindo custos de aquisição e transporte dos produtos. Além disso, a existência de cerca de 9 mil minerações e pedreiras em operação amplia esse potencial, uma vez que muitos dos subprodutos explorados poderão se converter em REM, desde que atendam às especificações técnicas e normativas.
Nesta perspectiva, pode-se afirmar que o uso dos REMs pode complementar e, no futuro, suprir a necessidade de fertilizantes do País. Para isso, o Brasil precisará promover uma revolução de prioridades relacionadas ao modelo de adubação. E essa transformação não exigirá qualquer exploração em terras indígenas, mas a diversificação de fontes minerais disponíveis e eficazes para a fertilização dos solos. Essas medidas garantirão uma oferta segura de fertilizantes, menor dependência e mais soberania. Também mudará sua posição de permanente sujeição e dependência em relação ao mercado internacional. •
*Geóloga e professora do PPG em Meio Ambiente e Desenvolvimento Rural da UnB, diretora da Febrageo.
PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1208 DE CARTACAPITAL, EM 18 DE MAIO DE 2022.
Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título “O alto preço da dependência”
Apoie o jornalismo que chama as coisas pelo nome
Muita gente esqueceu o que escreveu, disse ou defendeu. Nós não. O compromisso de CartaCapital com os princípios do bom jornalismo permanece o mesmo.
O combate à desigualdade nos importa. A denúncia das injustiças importa. Importa uma democracia digna do nome. Importa o apego à verdade factual e a honestidade.
Estamos aqui, há 30 anos, porque nos importamos. Como nossos fiéis leitores, CartaCapital segue atenta.
Se o bom jornalismo também importa para você, nos ajude a seguir lutando. Assine a edição semanal de CartaCapital ou contribua com o quanto puder.